Observatório da Qualidade no Audiovisual

8 de Janeiro: o dia que abalou o Brasil

Por Bianca Giudice e Carolina Saiki 

A História política do Brasil é marcada por um cenário de truculência, expressada pelo ataque aos valores democráticos, bem como às instituições que os representam. Se a contestação da democracia parece um cenário reservado aos livros de História, o dia 8 de Janeiro de 2023 mostrou que tentativas de golpes políticos ainda fazem parte da sociedade brasileira. 

Desde o dia 30 de outubro de 2022, quando o ex-presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, perdeu as eleições presidenciais para Luiz Inácio Lula da Silva, apoiadores de Bolsonaro passaram a bloquear estradas e montar acampamentos em frente a Quarteis do Exército por todo o país, buscando chamar atenção para seu discurso contrário à credibilidade das urnas eletrônicas, e, portanto, da validade das eleições. 

Às 13 horas do dia 8 de Janeiro de 2023, um grupo de apoiadores de Jair Bolsonaro marcha de uma acampamento próximo à sede do Quartel-General do Exército de Brasília, em direção à Praça dos Três Poderes. Lá, o grupo invadiu os prédios do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional, e deixou marcas de terror e vandalismo, em um ataque direto à Democracia Brasileira, e uma tentativa de golpe contra o atual Presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. 

Os ataques se estenderam até as 20 horas do mesmo dia. Durante esse intervalo de tempo, foram feitas depredações ao patrimônio público e funcionários da segurança e animais foram atacados. As imagens das invasões foram produzidas e divulgadas pelos próprios vândalos invasores, por meio de postagens e transmissões ao vivo nas redes sociais. 

8 de Janeiro: o dia que abalou o Brasil 

Produzido pela BBC News Brasil, apresentado pela jornalista Camilla Veras Mota e com imagens produzidas pelo cinegrafista Giovanni Bello, o documentário, com uma hora e nove minutos de duração, foi postado no canal do YouTube da BBC News Brasil no dia 5 de julho de 2023, o documentário “8 de Janeiro: o dia que abalou o Brasil” tem como proposta explicar o que levou as atividades golpistas em Brasília naquele domingo, e mostrar a ação dos perpetradores desta tentativa de golpe e a destruição causada por eles, bem como a vivência daqueles que tentaram coibir os atos golpistas, e apresentar reflexões diante destes fatos e das possíveis formas de retomar a normalidade após o ocorrido. 

O documentário é dividido em cinco capítulos sendo eles, na ordem: “O Acampamento”, “A Véspera”, “O Domingo”, “A Reconstrução” e “O Futuro”. A partir dessa divisão, a documentarista explica como apoiadores do ex-Presidente Jair Bolsonaro foram convocados para os acampamentos, como era a organização destes, a maneira com que eventos como o silêncio do ex-presidente diante da derrota nas urnas, as fake news por ele propagadas e a atuação de seus apoiadores nas redes sociais culminaram nos ataques de 8 de Janeiro. 

Também são apresentadas as movimentações e os fatos que ocorreram naquele domingo, o dano a diversos patrimônios deixadas pelos invasores, e como reconstruí-las e uma reflexão acerca do papel das redes sociais nesse ataque à Democracia, bem como a dúvida de como a sociedade brasileira pode lidar com as causas desse ataque daqui em diante. 

As dimensões da competência midiática 

A dimensão linguagem refere-se ao audiovisual, ou seja, o uso de imagens e sons para a criação de sentido. Em vários momentos, Camila olha diretamente para a câmera enquanto narra os fatos, aparece em cena com os seus entrevistados ou é a voz em off, desse modo cria a linha narrativa pela qual a audiência acompanha. Além disso, imagens de câmeras de seguranças, vídeos de Internet dos golpistas e cenas de jornais são usados para ilustrar vários momentos, assim como as telas escritas para separar os capítulos ou ajudar a apresentar seus personagens. 

Imagem do documentário usado como exemplo de difusão de fake news nas redes sociais – Fonte: Reprodução

No âmbito da tecnologia, o documentário se utiliza de diversos recursos, desde câmeras, microfones e o aparelhos necessários para a sua edição até as imagens coletadas em redes sociais, produzidas por meio de celulares. 

A produção e difusão aconteceu por meio da equipe da BBC News Brasil e difundido por meio gratuito no seu canal de YouTube. A plataforma escolhida apresenta ferramentas que ajudam na interação e expressão da audiência, uma vez que possuem locais onde é possível deixar comentários ou apertar botões que expressam a aprovação ou desaprovação da audiência. Dentro dos comentários é possível respondê-los, gerando mais debate ou sanando dúvidas e, alguns, a própria BBC News Brasil interagiu de volta.

Já na dimensão ideologia e valores, o documentário apresenta uma posição contrária aos eventos do dia 8 de Janeiro e se propõe a tentar explicar como um ataque direto ao símbolo democrático do país aconteceu; como isso se deu e quais são as consequências disso. 

As fontes buscadas pela produção do documentário são fontes oficiais, pessoas que assistiram os eventos,  que participaram no combate, na presença nos acampamentos de modo jornalístico ou moradores da área. Não é usado nenhuma fonte que participou do crime, uma vez que não é desejo do documentário defendê-los, o ponto de vista deles é apenas retratado por meio do uso das filmagens feitas pelos golpistas e veiculadas pelas redes sociais e com a contextualização de como as fake news interferiram na percepção de realidade dos envolvidos. 

Outro ponto relevante na escolha dos personagens entrevistados está na diversidade de etnia, gênero, idades e classes sociais. Essa preocupação em abranger uma grande quantidade de visões diferentes sobre o dia é uma tentativa de se aproximar das percepções de como esse dia foi para todo o povo brasileiro que assistiu em tempo real o ataque sendo executado. 

Dentro o capítulo “A Reconstrução” dá enfoque aos destroços deixados. As obras de arte que foram danificadas durante a invasão recebem ênfase, uma vez que o documentário busca sensibilizar o espectador, em especial ao apresentar uma entrevista com Gilcy Rodrigues Azevedo, a responsável pela preservação, – e agora, reconstrução – das obras. A importância de se preservar, na História, os fatos ocorridos em 8 de janeiro de 2023, é salientado pela afirmativa dela que acredita que, ao restaurar as peças danificadas na invasão, as marcas dos danos causadas à elas devem ser preservadas, a fim de não apagar da memória nacional mais um ataque à democracia. 

Gilcy Rodrigues Azevedo emocionada quando perguntam o que sentiu ao ver o que tinha acontecido – Fonte: Reprodução

O documentário busca mostrar como os atos realizados pelos golpistas vão além de apenas uma destruição patrimonial e buscam elucidar como aquelas pessoas foram levadas até ali, manipuladas por terceiros e como isso chegou muito perto de gerar um dano ao sistema democrático vigente no país. Desse modo, a busca de explicar esse acontecimento e preservar sua História, por meio do documentário ou dos próprios patrimônios destruídos, é uma tentativa de evitar que isso ocorra novamente. 

No âmbito da estética, a produção segue algo bem próximo ao usado no jornalismo em geral, apenas vez ou outra, usa do recurso de usar imagens do evento em si produzida por terceiros. 

Análise dos danos patrimoniais causados pelo dia 8 de Janeiro – Fonte: Reprodução

Imagem das câmeras de segurança na hora do ataque – Fonte: Reprodução

O documentário “8 de Janeiro: o dia que abalou o Brasil” e aponta para as consequências da radicalização política e do desrespeito à Democracia brasileira. Desse modo, ele aponta como as atitudes de Jair Bolsonaro e de seus apoiadores constituíam uma ameaça grave ao Estado Democrátido de Direito, que culminou nos ataques e atos de vandalismo do dia 8 de janeiro de 2023. 

O objetivo dele vai além de apenas narrar os fatos desse crime contra a democracia, mas busca educar o povo brasileiro o momento histórico que viveram e a gravidade do que os golpistas fizeram naquele dia. Assim como, demonstrar que há articuladores por trás dos ataques e como a nossa interação com a Internet e suas notícias precisam ser tidas de maneira crítica para evitar o envolvimento com fake news ou atos políticos criminosos. 

Ademais, o documentário deseja que sua audiência também não se esqueça dos eventos e carreguem em si, como é nas obras de artes destruídas, as marcas desse dia para que algo assim não volte a acontecer.

Referência 

NEWS, BBC. 8 de Janeiro: o dia que abalou o Brasil. YouTube, 5 de Julho de 2023. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=MxciQQRUMNk>. Acessado em 03 ago. 2023.

FERRÉS, John; PISCITELLI, Alejandro. Competências midiáticas: proposta articulada de dimensão e indicadores. Lumina, v.9, n.1, p. 01-16, 2015. 

 

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