Observatório da Qualidade no Audiovisual

Cultura Participativa

Segundo Jenkins, Ford e Green (2014, p. 203), “[…] a cultura participativa tem uma história (na verdade, várias histórias) muito maior do que o tempo de vida de tecnologias específicas ou de plataformas comerciais”. Os autores (2014, p. 202-204) afirmam que o rádio amador no início do século XX, os clubes de câmera amadora, o ativismo do consumidor nas ações de boicotes e buycotts são alguns dos exemplos que demostram que as tentativas para gerar meios alternativos para a comunicação do público antecedem o ecossistema de convergência.

Para Jenkins, Ford e Green (2014) o que muda na contemporaneidade é que a cultura participativa se configura em um ambiente midiático pontualmente modificado e ainda em transformação. Isto é, no cenário da cultura da convergência “[…] todos são participantes – embora os participantes possam ter diferentes graus de status e influência” (JENKINS, 2008, p. 189). O fenômeno vai além dos paradigmas tecnológicos e industriais, tendo como ponto central a nova postura do sujeito midiático e o inevitável fluxo de conteúdo pelas múltiplas plataformas de mídia. Conforme aponta Shirky (2011, p.42), “Toda vez que um novo consumidor se une a esse cenário de mídia, um novo produtor se une também, porque os mesmos equipamentos, como telefones e computadores, permitem que se consuma e se produza”. Desta forma, na cultura participativa os papéis de produtores e consumidores tornam-se cada vez mais entrelaçados, se distanciando do relacionamento de oposição.

A partir do momento em que público tem a oportunidade de participar ativamente na criação, produção, circulação e, principalmente, na ressignificação dos conteúdos midiáticos, as indústrias compreendem que é preciso reavaliar a sua relação com o público, já que as posições do consumidor e do produtor, antes tão nítidas e delimitadas, se imbricam. Entretanto é importante que saltar que, como explicam Jenkins, Ford e Green (2014, p. 63), “[…] poucas empresas estão dispostas a correr o que pode ser entendido como um risco substancial com propriedades intelectuais potencialmente valiosas”. Neste contexto, podemos observar novos aspectos criativos, tecnológicos e participativos no âmbito televisivo. Em que os canais estabelecem diversos espaços de engajamento, socialização, participação, imersão e ressignificação em torno de seus conteúdos.

Fechine et al (2011) propõem o termo transmidiação a fim de abranger as novas lógicas de produção e recepção de conteúdos no cenário de convergência. Segundo os autores o conceito se refere a “[…] toda produção de sentido fundada na reiteração, pervasividade e distribuição em distintas plataformas tecnológicas (TV, cinema, internet, celular etc.) de conteúdos associados cuja articulação está ancorada na cultura participativa estimulada pelos meios digitais” (FECHINE et al, 2011, p.27). Nesse contexto, os conteúdos transmídia seguem duas estratégias: a de propagação e a de expansão. A de propagação é pautada pela retroalimentação e ressonância dos conteúdos. Conforme aponta Fechine (2014, p.3), “Um conteúdo repercute ou reverbera o outro, colaborando para manter o interesse, o envolvimento e a intervenção criativa do consumidor de mídias no universo proposto, agendando-o entre outros destinatários ou em outras instâncias, constituindo comunidades de interesse”. Já as estratégias de expansão abrangem as camadas narrativas que completam e/ou desdobram a história central em distintas plataformas. Ou seja, “[…] em transbordamentos do universo narrativo a partir da oferta de elementos adotados, por um lado, de uma função lúdica e, por outro, de uma função narrativa propriamente dita” (FECHINE, 2014, p.3).

A partir das novas configurações propulsionadas pela cultura participativa, desenvolvemos projetos que estudam tanto as estratégias desenvolvidas pelas empresas de mídia, em especial os canais de televisão e as plataformas de streaming, quanto as formas em que o público se engaja com os produtos audiovisuais, ressignificando seus conteúdos e se expressando nas redes sociais digitais. Tentamos assim compreender as articulações entre produção, circulação e consumo neste ambiente de convergência.

Referências

FECHINE, Y et al. Transmidiação: explorações conceituais a partir da telenovela brasileira. In: LOPES, M. I. V. (org.). Ficção televisiva transmidiática no Brasil: plataformas, convergência, comunidades virtuais. Porto Alegre: Sulina, 2011, p. 17-59.

FECHINE, Y. TV Social, práticas interacionais e modos de presença: contribuição para a delimitação do conceito. XXV Encontro Anual da Compós, Anais…Goiânia, 2016. Disponível em: http://www.compos.org.br/biblioteca/pdfformatsite_3428.pdf. Acesso em: 25 jun. 2020.

JENKINS, H; GREEN, J.; FORD, S. Cultura da Conexão – Criando Valor e Significado por Meio da Mídia Propagável. São Paulo: Aleph, 2014.

JENKINS, H. Cultura da convergência. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2008.

SHIRKY, C. A Cultura da Participação: criatividade e generosidade no mundo conectado.Rio de Janeiro: Zahar, 2011.