Por Luma Perobeli
7 Artes e A Pandilha são duas séries de Portugal criadas para a internet como spin-offs (histórias derivadas) do Programa do Aleixo, espécie de talk-show da televisão portuguesa de 2008 que contou com o protagonismo de Bruno Aleixo. Personagem de animação digital que possui uma personalidade forte e um quê de desvio de caráter, Aleixo é feito por um software que só anima olhos e bocas, assemelha-se a um cachorro e vive num mundo perfeitamente normal com outros seres que também têm aparências peculiares. Seu universo ficcional é extenso e conta com produções feitas para diferentes plataformas, desde a web, passando pela TV, rádio e redes sociais, até o cinema.
Dos criadores João Moreira, Pedro Santos e João Pombeiro (Guionistas e Argumentistas Não-Alinhados – GANA), ambas as produções portuguesas são extensões do Programa do Aleixo e objetivam ampliar os horizontes narrativos do público ao dar a ele a oportunidade de conhecer um pouco mais a vida do protagonista e seu universo. Pensadas para a web, integraram também a grade da SIC Radical em novembro de 2009 e podem ser vistas no site da plataforma SAPO.
As duas obras possuem planos expressivos que dialogam com os demais desdobramentos narrativos do universo e apresentam unidade nos códigos visuais, sonoros, sintáticos e gráficos. A câmera é parada, com imagens estáticas; o ponto de vista é objetivo; e os cortes são, em sua maioria, secos. O ângulo é quase o tempo todo normal (visão frontal), a iluminação é naturalista e o plano médio é o principal. Ambas possuem edição linear; vinhetas de abertura e fechamentos específicos a cada série, porém de formatos semelhantes; e qualidade técnica da imagem e áudio consoantes ao software utilizado para a produção da série (algo que se assemelha, hoje, aos recursos de animação de bocas e olhos disponíveis no Instagram).
7 Artes se apresenta como um magazine cultural em que cada episódio aborda uma das habilidades do Manifesto das Sete Artes, de 1923, proposto pelo intelectual italiano Ricciotto Canudo, que acrescenta o cinema como a sétima arte. Em sete episódios, portanto, de aproximadamente cinco minutos cada, Bruno Aleixo e seu assistente Busto (um busto falante de Napoleão Bonaparte) conversam e expõem definições e curiosidades sobre cada uma das artes clássicas – arquitetura, escultura, pintura, música, literatura, dança e cinema –, no contexto da gravação de um programa apresentado por eles. Dois são os cenários em que a trama se desenvolve, o apartamento de Bruno – o mesmo utilizado no Programa do Aleixo –, e o quarto de Busto, que aparece quando este se desentende com Bruno e vai gravar o programa em sua casa. As vozes do pai de Busto e de Nelson, o porteiro do prédio de Bruno, também aparecem em cena para dar curso aos conflitos apresentados.
Poltrona, mesa e estante de cores marrons compõem o cenário em que os dois personagens estão posicionados lado a lado. Devido à limitação da linguagem, a atuação dos personagens se dá principalmente pela alteração que acontece nos olhos do elenco, que deslocam o olhar para a direita ou para a esquerda quando falam entre si, ou para frente quando falam para o público. Além disso, quando Busto está bravo, surgem braços em seu corpo, o que também é considerado na encenação. Guarda-roupa e maquiagem seguem a estética tradicional dos personagens, com Busto sendo a representação esculpida de Napoleão Bonaparte da cabeça aos peitos, e Bruno Aleixo sendo um ser de estatura pequena que se assemelha a um cachorro peludo.
Na série A Pandilha, mais uma extensão do universo ficcional, Bruno Aleixo e seus amigos Busto e Seiça (único personagem humano da série) são jurados da Companhia Teatral A Pandilha, estrelada pelos personagens Renato Alexandre, Bussaco e Nelson. Ao conjunto de pessoas que se reúne com objetivos pouco honestos, dá-se o nome de “pandilha”. Daí o título sugestivo da série, que fornece pistas para o público sobre o que ele verá nas cenas, já que Bruno e seus amigos não costumam seguir à risca princípios morais e éticos.
Apresentada pela plataforma SAPO Vídeos e produzida pela GANA, a série se dá ao longo de sete episódios curtos que variam entre dois até mais de cinco minutos cada, e cenários que mudam de acordo com cada episódio e cena recriada. Guarda-roupa e maquiagem também seguem o contexto de cada cena, adequando-se ao lugar e situação em que os personagens estão. No episódio três, por exemplo, Renato veste terno, enquanto que no episódio quatro, veste jaqueta azul.
A vinheta de abertura, ilustrada ao fundo por uma cortina vermelha que tradicionalmente é associada ao teatro, esclarece: “Companhia Teatral ‘A Pandilha’ – Recriando cenas clássicas da TV, do teatro e do cinema”. Apesar disso, o público pode não entender por completo as situações que se seguem, já que só o terceiro episódio mostra por escrito na tela qual cena foi recriada. Apesar dessa única indicação explícita, é no último episódio que fica mais clara a proposta narrativa da série, quando aparece para o público o júri anunciando que vai avaliar a atuação dos três personagens conhecidos por nós até então.
Esse ritmo não tão claro da narrativa pode ser exemplificado com a análise do quarto episódio, que faz uma espécie de paródia de anúncio publicitário com a Calgon, marca americana que, entre outras coisas, possui produtos para a limpeza de máquinas de lavar roupa. Na história, Nelson tem a máquina estragada, e se queixa do problema para Renato, que tenta consertá-la e afirma que só Calgon pode proteger verdadeiramente o utensílio. Ao final, a imagem do produto aparece na tela, porém, com o nome da marca terminado em “m”, e não com “n”, como originalmente é escrito. Junto com a imagem, a voz de Bussaco é ouvida na cena com entonação semelhante à de peças publicitárias que anunciam algum produto. Sem ter em mente a proposta do programa bem definida, esta cena se encerra confusa para o espectador, que não sabe se se trata de um merchandising ou da recriação paródica de um anúncio.
Também devido à limitação da linguagem, sons são explorados para a produção de sentido do público. É o que acontece, por exemplo, no terceiro episódio de 7 Artes, quando Busto sente saudade do amigo Bruno. Isso fica evidente quando a escultura grava o programa sozinho em sua casa. Em dado momento, o personagem termina de falar e um som calmo e sereno é ouvido, com instrumentos que se somam à melodia à medida que a imagem vai se aproximando da tela do celular de Busto, em que se vê uma foto dele com Aleixo.
É o que acontece, também, em A Pandilha, quando no terceiro episódio Nelson, Renato e Bussaco estão em um restaurante e, para ambientar o público, há a inserção de ruídos de conversas e talheres ao fundo. Nas vinhetas de abertura das duas séries, esse recurso é igualmente importante para dar o tom à narrativa. Ambas contam com o som de músicas clássicas enquanto aparecem na tela os títulos de cada produção e os nomes de quem as assina (SAPO e GANA).
Quanto ao plano do conteúdo, observa-se que, como nas outras produções do universo Aleixo, o uso de estereótipos é constante nas séries analisadas. Pelo caráter do elenco, enredo repleto de pausas para minuciosidades, e dramaturgia que se desenvolve pela abordagem de temas que permeiam opiniões pessoais de cada personagem, estereótipos são constantemente reforçados aqui, como exemplifica o episódio que apresenta o teatro, na série 7 Artes. Nele, Bruno dispara uma sequência de insultos à arte teatral, a começar pelo julgamento que faz àqueles que a compõem: “sabes por que é que eu não gosto de teatro, sabes? Porque aquilo é tudo pessoas drogadas a fazer coisas a armar ao pingarelho” (pessoas que querem atrair atenção pelas aparências, mostrar-se mais do que são).
Oportunidade e diversidade não são parâmetros característicos das produções de Bruno Aleixo. Gerar reflexão por temáticas atemporais (e universais) abordadas sob o ponto de vista dos que compõem o universo, parece ser a intenção dos seus criadores para a ampliação do horizonte do público. E as inúmeras referências externas de que dispõem a narrativa, comprovam isso.
Por originalidade/criatividade, destacamos o uso da metalinguagem para envolver o público. Há criatividade quando os idealizadores de 7 Artes, por exemplo, no episódio da dança, fazem uso da série para descrever sobre o processo de produção da própria série, como quando Bruno diz a Busto: “da próxima vez que ouvir essa boca da ideia ser tua, vais gravar o programa para a tua casa, na tua sala, com a tua câmera, depois montas o filme sozinho, ao invés de ser o Pombeiro”. Nessa fala, Bruno se refere a João Pombeiro, um dos criadores da ficção que montaria o Magazine Cultural gravado por eles naquele momento, e que também monta os vídeos do universo ficcional do Aleixo.
Esse recurso acaba por envolver quem assiste, e junto com outras referências intertextuais da narrativa, pode aguçar a curiosidade e estimular a participação ativa do público, elemento que diz muito sobre a mensagem audiovisual que resulta dos planos da expressão e do conteúdo da série. Além disso, o diálogo com/entre plataformas também é destaque nas obras analisadas. É exemplo em 7 artes, no episódio da pintura, quando o pai de Busto menciona o antigo trabalho do filho, na empresa de call center, que foi retratado na série Busto no Emprego, em que Busto era protagonista. Em A Pandilha, a própria ideia de recriar cenas clássicas da TV, do teatro e do cinema, já é dialogar com outras plataformas.
Como indicado, as séries têm o mesmo formato simplista de comunicação e linguagem e por isso não recorrem a todo o potencial que elementos como ambientação, fotografia, edição e trilha podem oferecer para uma dramaturgia. É principalmente pelos diálogos e conversas que transmitem suas mensagens (isto é, por meio do roteiro), e o público não tem, portanto, grandes elementos estéticos para contribuir com a sua produção de sentido. Para uma experiência mais completa, prazerosa e aprofundada dos conteúdos, é exigido um repertório cultural prévio de quem assiste para que as referências intertextuais sejam captadas e, então, as mensagens entendidas.
* Todas as imagens usadas nesta análise são capturas de tela.
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