Observatório da Qualidade no Audiovisual

A Pedra do Reino

Criada em homenagem aos 80 anos do escritor Ariano Suassuna, a minissérie A Pedra do Reino foi exibida pela Rede Globo entre os dias 12 de junho de 2007 e 16 de junho de 2007. Baseada no livro O Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, lançado por Suassuna em 1971, a atração é protagonizada por D. Pedro Dinis Ferreira Quaderna (Irandhir Santos). Ao longo dos cinco capítulos o poeta-escrivão lida com suas inquietações existenciais lembrando-se de suas aventuras e de seus antepassados. Com o sonho de se tornar o ‘Grande Gênio da Raça’, o personagem mistura realidade e fantasia fazendo referências a cultura popular e a literatura brasileira.

Mantendo a estética característica de Luiz Fernando Carvalho, A Pedra do Reino apresenta ao telespectador um universo ficcional onde tudo é possível, cavaleiros batalham sob cavalos de madeira e pássaros são marionetes. Desde o modo como os atores se movimentam em cena até o figurino dos personagens reforça o caráter lúdico e poético da história.

O elenco ainda conta com Abdias Campos (João Melchíades Ferreira da Silva), Allyne Pereira (Dina me Dói), Américo Oliveira (Argemiro), Anthero Montenegro (Gustavo de Moraes), Beatriz Lélis (Mãe), Claudete de Andrade (Joana Quaderna Garcia-Barreto), Elias Mendonça (Dom Ezequiel Veras), Everaldo Pontes (Pedro Beato), Flávio Rocha (Lino Pedra Verde), Frank dos Santos (Leônidas), Germano Haiut (Edmundo Swendson), João Ferreira (Velho Nazário), Jones Melo (Antônio de Moraes), Júlio Rocha (Dr. Pedro Gouveia), Mayana Neiva (Heliana/Moça Caetana), Mestre Salustiano (Pedro Cego), Millene Ramalho (Margarida), entre outros.

No Plano da Expressão iremos destacar os seguintes indicadores: ambientação, caracterização dos personagens, trilha sonora, fotografia e edição. Construída em Taperoá, na Paraíba, a cidade cenográfica de A Pedro do Reino foi fundamental para o desenvolvimento dos arcos narrativos e, principalmente, para a imersão do telespectador. Todos os elementos cenográficos reforçavam a história da minissérie como, por exemplo, as fachadas, as casas e as edificações que mostravam ao público que aquele era um espaço de louvor à memória dos antepassados de D. Pedro Dinis Ferreira Quaderna (Irandhir Santos). A representatividade da cidade cenográfica na minissérie era tão evidente que as locações e os elementos cênicos se tornaram uma espécie de personagem das cenas. Como, por exemplo, quando o protagonista, já como um velho palhaço, relembra uma história de seu bisavô João Ferreira Quaderna, o Execrável (Nill de Pádua). Ao falar do sertão e da luta de seu povo o personagem usa a terra que o rodeia para ressaltar a metáfora que está contando.

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Entretanto, apesar da riqueza de detalhes e da amplitude da cidade cenográfica, algumas cenas de A Pedro do Reino foram gravadas em outros lugares da Paraíba, tais como a Serra do Pico e uma cadeia desativada. De modo geral, a ambientação da minissérie vai além dos recursos cenográficos, contribuindo para a história. Nesse sentido, as estéticas barrocas, medievais e sertanejas não se limitam aos personagens e aos diálogos, mas estão presentes em cada detalhe da cidade fictícia.

No indicador caracterização dos personagens podemos destacar desde os detalhes e o trabalho artesanal que compõem os figurinos dos personagens até a expressão corporal do elenco. Criados com ajuda de voluntários e de artesões locais, sob a supervisão da equipe da Rede Globo, os figurinos de A Pedra do Reino foram confeccionados a partir de materiais como couro, metal, chapas de fotolito, lata, tapeçarias, restos de ossos, palha, madeira e palitos de picolé. A paleta de cores e os elementos que compunham as peças traduziam o perfil dos personagens. Esse aspecto pôde ser observado em D. Pedro Dinis Ferreira Quaderna (Irandhir Santos), sua roupa fazia referência ao cangaço, a cultura nordestina e reforçava o caráter lúdico do protagonista.

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A prosódia e a expressão corporal do elenco também ajudaram na composição dos personagens. O corpo arqueado de Quaderna (Irandhir Santos) nas sequências em que ele relembra o seu passado, a voz fina e os diálogos, que faziam alusão a literatura de cordel e ao repente, ajudavam na imersão do telespectador no universo ficcional da minissérie.

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O mesmo pôde ser observado em Heliana/Moça Caetana (Mayana Neiva), além da caracterização, o gestual da personagem traduzia as suas intenções na trama como, por exemplo, no diálogo com Quaderna (Irandhir Santos).

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A confecção dos bonecos em madeira e as marionetes também é um ponto importante neste indicador. Por se tratar de uma trama em que o protagonista imbrica a realidade e a fantasia, os animais foram fundamentais para o desenvolvimento das histórias. Segundo o site Memória Globo durante a minissérie foram construídos 40 cavalos em tamanho natural, feitos com sobras de materiais, como palha de milho e de carnaúba, estopa, resto de isopor, ossos, latas, serragem e papel e outros bichos articulados como onça, pássaros, etc.

Apesar de ter algumas músicas interpretadas pelo elenco, grande parte da trilha sonora de A Pedra do Reino é instrumental. Com ritmos ibéricos, árabes, indianos, nordestinos, ciganos e indígenas as composições de Marco Antônio Guimarães e Cláudio Costa não influenciam diretamente no desenvolvimento dos arcos narrativos, mas ajudam na construção das cenas. Por exemplo, em momentos dramáticos são usados violinos, já brigas os instrumentos percussivos acentuam a movimentação dos atores. As músicas também dialogam com o universo ficcional da minissérie, ao misturar distintos ritmos e manifestações culturais.

Filmadas em 16 mm e finalizadas em alta definição, as cenas de A Pedra do Reino eram compostas por uma fotografia que ressaltava a ambientação da trama. Como, por exemplo, as sequências de D. Pedro Dinis Ferreira Quaderna (Irandhir Santos) na cadeira que eram marcadas por uma iluminação baixa mostrando sempre o personagem na penumbra. Já as sequências que envolviam a celebração, a felicidade do protagonista evidenciavam a luz do sol.

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A fotografia também dialogava com a paleta de cores dos figurinos e dos elementos cênicos da minissérie. Os tons de ocre e marrom ganhavam ainda mais evidência com a iluminação usada por Adrian Teijido e José Tadeu Ribeiro.

Por fim, o último indicador do Plano da Expressão, a edição, foi parte fundamental no desenvolvimento de A Pedra do Reino. A partir de uma edição não-linear as memórias de D. Pedro Dinis Ferreira Quaderna (Irandhir Santos) foram contadas em três tempos e espaços diferentes. Nesse sentido, as histórias transitavam por três temporalidades: 1) a que Quaderna (Irandhir Santos) é um velho palhaço e comanda um espetáculo popular de rua, 2) a que Quaderna (Irandhir Santos), mais jovem, está preso e escreve suas memórias e, 3) as cenas do inquérito em que Quaderna (Irandhir Santos) é condenado pelo Juiz Corregedor da capital (Cacá Carvalho). Como iremos discutir mais adiante, apesar de cada temporalidade ter uma estética diferente, a transição entre elas não é totalmente delimitada pela edição. Isto é, cabe, mesmo que em parte, ao telespectador compreender a interligação entre as temporalidades da minissérie e o lugar de cada uma no desenvolvimento da história.

No Plano do Conteúdo iremos destacar os seguintes indicadores: intertextualidade, escassez de setas chamativas, efeitos especiais narrativos e recursos de storytelling. Por se tratar de uma trama que mistura várias culturas e obras, A Pedro do Reino contou com muitas intertextualidades ao longo de seus cinco capítulos. O indicador pôde ser observado em distintos momentos do programa como, por exemplo, quando Quaderna (Irandhir Santos) é sagrado como Távola Redonda da Literatura do Brasil.

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Na sequência vemos os autores Shakespeare (Frank dos Santos), Cervantes (Maurício Castro), Arthur Azevedo (João Irênio) e Olavo Bilac (Tavinho Teixeira). Algumas cenas também fazem referência ao âmbito do cinema, como na primeira aparição do Juiz Corregedor (Cacá Carvalho) vemos o personagem em um enorme pátio azul e vermelho com detalhes em dourado. A sequência faz uma alusão ao filme As Mil e Uma Noites (1974), de Pier Paolo Pasolini. Nesse sentido, apesar de não interferir diretamente no desenrolar dos acontecimentos, as intertextualidades de A Pedra do Reino traduziam a multiplicidade de influências e de camadas interpretativas presentes na obra.

Por se passar em três temporalidades diferentes, a minissérie apresentou o indicador escassez de setas chamativas. Em outras palavras, a transição entre as três fases da vida de Quaderna (Irandhir Santos) não é didaticamente explicada ao telespectador. Dessa forma, cabe ao público compreender que interelação entre as diferentes temporalidades e como elas comunicavam entre si. Apesar de cada momento da trajetória do protagonista ter uma estética característica como, por exemplo, quando ele está na cadeia a fotografia é escura, já quando ele está de palhaço o personagem mostra sinais de envelhecimento, a interseção das temporalidades e a forma como elas, juntas, contam a história de  Quaderna (Irandhir Santos) não é explicada de maneira obvia ao telespectador. Cabe a ele compreender a cronologia dos acontecimentos e que se trata do mesmo personagem narrando sua trajetória.

Entretanto, A Pedra do Reino ainda apresenta algumas setas chamativas ao longo dos seus cinco episódios. Se as temporalidades simultâneas não possuem cartazes narrativos, as falas e os flashbacks fazem uma espécie de resumo dos principais arcos narrativos diminuindo o esforço analítico necessário para o entendimento da trama. Nesse sentido, os eventos centrais da minissérie eram constantemente retomados por Quaderna (Irandhir Santos), seja através dos diálogos explicativos e/ou por meio de flashbacks que relembram as cenas que já tinham ido ao ar.

O terceiro indicador do Plano do Conteúdo, o uso de efeitos especiais narrativos, não esteve presente em A Pedra do Reino. Apesar de contar com clímax e reviravoltas, os recursos não foram usados a ponto de obrigar o telespectador e reconsiderar tudo que tinha assistido até então. Ou seja, ao longo dos cinco capítulos a trama apresentou elementos narrativos usuais em histórias, mas não ressignificou o universo ficcional após uma grande revelação ou mudança de uma plot.

Por fim, os recursos de stotytelling puderam ser observados nas analepses e nas sequências fantasiosas da minissérie. Conforme discutimos anteriormente, o arco narrativo central da minissérie se passa em três temporalidades diferentes. Isto é, o telespectador acompanha as apresentações do espetáculo popular de rua de Quaderna (Irandhir Santos), os relatos do personagem na cadeia e o seu julgamento. As cenas não seguem, necessariamente, a ordem cronológica, mas integram a mesma unidade narrativa.

Já as sequência fantasiosas foram usadas em vários momentos de A Pedra do Reino, as lembranças de Quaderna (Irandhir Santos) e os seus relatos durante o seu julgamento imbricavam a realidade e a fantasia. Nesse contexto, os limites entre o real e o lúdico não eram explicitados ao telespectador. Cabia ao público compreender até que ponto as histórias tinham de fato acontecido e não eram fruto da imaginação do protagonista.

Por Daiana Sigiliano

* Todas as imagens da minissérie usadas nesta análise são capturas de tela.
 
Ficha Técnica:

  • Autoria: Luiz Fernando Carvalho, Luís Alberto de Abreu e Braulio Tavares, inspirado no “O romance d´a Pedra do Reino e o príncipe do Sangue do Vai-e-Volta”, de Ariano Suassuna.
  • Direção-geral: Luiz Fernando Carvalho
  • Período de exibição: 12/06/2007 – 16/06/2007
  • Nº de episódios: 5
  • Horário: 22h

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