Observatório da Qualidade no Audiovisual

A turma do Pererê

A Turma do Pererê foi um seriado infantil produzido originalmente pela TVE Brasil em 2001, exibido de segunda à sexta às 11h30. Posteriormente, em 2010, foi produzida uma nova temporada com 26 episódios inéditos e exibidos na TV Brasil– de segunda à sexta às 10h. Baseado nas histórias em quadrinho criadas por Ziraldo, o programa acompanha as aventuras do Saci Pererê e seus amigos, explorando cenários naturais tipicamente brasileiros.

Os quadrinhos começaram a ser publicados na revista O Cruzeiro, em 1959, e em outubro de 1960 ganharam sua própria revista intitulada Pererê. A revista foi produzida mensalmente até 1964, quando a instauração da Ditadura Civil Militar Brasileira retirou as revistas das bancas. Em 1975, a editora Abril reiniciou a produção da história que gerou dez novos números.

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A lenda do Saci Pererê retrata o personagem como uma criança travessa e dotada de poderes sobrenaturais advindos de sua carapuça vermelha. Segundo a tradição oral, o Saci se encontra nos moinhos de vento e pode ser capturado com uma peneira. Recorrente no folclore brasileiro, a primeira versão escrita da história foi produzida por Monteiro Lobato em 1918 no livro O Saci-Pererê: resultado de um inquérito.

Na história desenvolvida por Ziraldo, o Pererê é retratado como amigo querido dos animais e dos moradores da floresta. Ambientada na floresta ficcional da Mata do Fundão, A Turma do Pererê acompanha as aventuras do Pererê (Raphael Logam), do índio Tininim (Felipe Hauit) e de seus amigos animais: o coelho Geraldinho (Matheus de Sá), a onça Galileu (Nicolas Bartolo), o macaco Alan (Pedro Henrique), o jabuti Moacir (Paulo Júnior), o tatu rosa Pedro Vieira (João Pedro Zappa) e a coruja Professor Nogueira (Silvo Guindane). Com histórias diversificadas, o programa discutia também a relação do homem branco com a natureza através do arco narrativo dos personagens Compadre Tonico (Alexandre Dacosta) e Seu Neném (Orã Figueiredo) que vivem atormentando Galileu.

A primeira temporada de A Turma do Pererê foi exibida originalmente em 2001 na extinta TVE Brasil, às 11h. O bloco infantil matutino da emissora durava 2h, das 10h às 12h. O espaço escolhido na grade de programação se justifica pelo horário em que, possivelmente, o público infantil estaria disponível para assistir televisão, antes do almoço e do horário escolar. O seriado era exibido entre o nacional Ilha Rá-Tim-Bum e o britânico Teletubbies.

A segunda temporada estreou junto com o bloco de programação infantil Hora da Criança na TV Brasil. O segmento apresentava cerca de 35 horas semanais voltada para esse público, cerca de 5h diárias. A Turma do Pererê iniciava o bloco às 10h e, em sequência, era exibida a animação francesa Princesa Sherazade. As reprises do programa eram exibidas às 12h30, integrando uma grade de programação com horários diversificados. Nesse sentido, eram exibidos programas pela manhã e, também, à tarde, permitindo que uma parcela ampla do público alvo pudesse- usufruir da programação como, por exemplo, os estudantes dos dois turnos.

Os cenários do programa são primordialmente espaços naturais que retratam a vida dos animais em seu hábitat natural e sua relação com os indígenas e o Pererê. As cenas foram gravadas em florestas naturais como a Floresta Nacional da Tijuca e o Parque Estadual do Grajaú, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro. Outras locações, como a casa de Seu Neném foram gravadas em casarões históricos em Rio das Flores (RJ). A ambientação e a fotografia são naturalistas e procuram aproximar ao máximo os personagens de seus reais espaços naturais. No entanto, os moradores da floresta também interagem com o espaço urbano como, por exemplo, a própria casa do Pererê.

O figurino dos personagens procura se aproximar das características dos animais, mas também integra recursos narrativos que os distancia da realidade como, por exemplo, o coelho Geraldinho que é retratado em vermelho vivo e o jabuti Moacir que é um mensageiro e usa um chapéu com asas em alusão ao Deus da mitologia grega Mercúrio. Além das fantasias, os atores que interpretam animais também são maquiados com cores muito próximas dos tecidos, permitindo que os rostos se fundam ao figurino. A caracterização do Pererê está de acordo com a lenda, com sua carapuça vermelha e o característico cachimbo. O índio Tininim faz parte da tribo ficcional dos Parakatoka, originária da Mata do Fundão. Sua caracterização inclui uma tanga, colar de marfim, cabelo liso e faixas brancas nos braços que fazem alusão às pinturas corporais desses povos.

A trilha sonora é composta exclusivamente por artistas nacionais. A música de abertura intitulada A Turma do Pererê foi composta por Nico Rezende e Paulo Lima e interpretada por Ney Matogrosso. A canção de encerramento, Grande Final, de Moraes Moreira, integra a trilha sonora do especial infantil homônimo produzido pela Rede Globo em 1983. Além disso, também estão presentes durante o episódio faixas instrumentais que são usadas a fim de criar cadência e ritmo assim como identificar determinados momentos específicos como, por exemplo, de agitação ou tensão.

A edição do programa é estruturada de maneira linear: os acontecimentos seguem o modelo narrativo clássico com apresentação, conflito e solução em sequência. Nesse sentido, não foram observados flashbacks e outras variações temporais.

A ampliação do horizonte do público está presente em diversos momentos como, por exemplo, no episódio O projeto secreto. Nesse episódio em questão, são apresentados alguns conceitos ao público como o que seria um protótipo, imbricado na narrativa em que Seu Neném e Compadre Tonico desenvolvem uma arma para caçar Galileu. No mesmo, também é explicado o funcionamento da Internet e da Web, iniciando pela compra online do modelo da arma e pela fala de Tininim ao explicitar que já navegou por diversos sites.

A diversidade de pontos de vista também pôde ser observada em diversos episódios. Como, por exemplo, em Festa de Aniversário. Nessa história, o aniversário do Pererê é atrapalhado por uma enorme tempestade que impede que os animais da Mata do Fundão compareçam a sua festa. No início, o personagem está ressentido, mas no decorrer do episódio seus amigos vão explicando seus motivos e indicando porque não conseguiram ir. Ao final do episódio, Pererê ainda está chateado com Moacir porque ele ainda não apresentou nenhuma justificativa e logo é revelado ao público que foi ele quem ajudou a salvar todos os outros do alagamento.

No episódio “As férias” pudemos notar a tentativa de promover a identificação no telespectador a partir do arco narrativo que se desenvolvem sob a rotina dos estudantes. Nesse caso, os personagens fizeram um pacto de guardar seus brinquedos em uma árvore durante as aulas para se dedicarem aos estudos até que se inicie o período de férias. Quando os brinquedos somem, o público vai descobrindo aos poucos que os personagens quebraram o pacto e estão sem com o que brincar. Em busca de uma solução para o problema procuram o Professor Nogueira que empresta sua biblioteca particular para as crianças se divertirem. Nesse sentido, são tratados temas como o compromisso com a escola, a importância de momentos destinados ao lazer e entretenimento e também o incentivo à leitura.

O apelo à imaginação está presente em elemento lúdicos na narrativa e na representação dos personagens animais como humanoides. Galileu visita o psiquiatra e Alan é um ávido leitor, deslocando o público de uma realidade estática para um espaço onírico onde os bichos pensam e sentem tanto quanto os humanos (ou em determinados casos até mais). Além disso, as pistas deixadas pelo Professor Nogueira para a resolução da situação-problema do episódio também colaboram para transpor o pensamento do público, permitindo que junto com os personagens repensem seus modos de vida e procurem soluções para situações cotidianas.

O formato de narrativa audiovisual adotado em A Turma do Pererê é episódico, isto é, são histórias independentes, sem continuidade, com fechamento no mesmo episódio. Nesse sentido, apesar de alguns arcos narrativos serem recorrentes como, por exemplo, a caça à Galileu, os temas abordados são distintos. A narrativa segue o modelo clássico linear iniciando-se com a apresentação da temática, um fato que gera conflito e, por fim, uma solução. As histórias alteram o personagem principal, mas tem o comum o fato de que as soluções são organizadas em grupo. Dessa forma, não há um fio condutor estático da narrativa e a problemática inicial pode ser desenvolvida a partir de um dos integrantes da turma, mas integrando vários outros durante o episódio.

Assim como nas histórias em quadrinho, o Pererê é retratado como uma criança alegre e com muitos amigos em detrimento do praticante de travessuras conforme o folclore. Além disso, no programa o personagem também se distancia da lenda ao ser caracterizado como filho adotivo da carinhosa Mãe Docelina (Mariah da Penha) e não como um jovem independente, morador da floresta e, possivelmente, órfão. A escolha do desenvolvimento desse arco narrativo implica em menor carga dramática no seriado e permite que componentes lúdicos e humorísticos sejam explorados. A casa em que eles moram é simples e próxima a Mata do Fundão, assim como sua estética, em contraponto aos casarões dos fazendeiros que estão mais distantes e não respeitam a natureza.

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O coelho Geraldinho é descrito como o mais novo da turma, inquieto e curioso. Agitado como o animal que representa, o personagem se interessa por ciência e novas descobertas e vive repensando qual profissão pretende seguir quando crescer. O tatu rosa Pedro Vieira tem uma função narrativa semelhante: ele é descrito como o inventor e o faz tudo e, além disso, está ligado a solução de alguns problemas na narrativa. Essas caracterizações servem como mote para promover a curiosidade do público e desenvolver seu interesse sobre esses temas.

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Galileu é uma onça pintada vegetariana, sensível e carinhosa. O personagem representa o medo irracional dos humanos por animais selvagens de grande porte e só usa sua força para defender os amigos dos perigos. Ele está constantemente fugindo dos fazendeiros Seu Neném e Compadre Tinoco, que não medem esforços para captura-lo, embora sempre sem sucesso.

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Seu Neném e Compadre Tinoco são donos de grandes terras, ricos e poderosos na pequena cidade. Os personagens estão sempre obstinados a caçar Galileu e representam o antagonismo da trama. Em contraponto, a passividade e inocência dos animais e dos seres da floresta, a dupla é representada como irracional e promove a reflexão sobre o lugar do homem branco em relação à natureza. Nesse contexto, os arcos narrativos que os envolvem sempre carregam uma mensagem de respeito ao meio ambiente.

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O macaco Alan é caracterizado como um ser inteligente e dotado de diversos dons. Ele gosta de ler, cantar, tocar instrumentos e dar sábios conselhos para os amigos. Nesse sentido, o personagem contrapõe as figuras humanas que agem irracionalmente e com desrespeito ao ambiente em que estão inseridos, mostrando-se muito mais consciente e sagaz do que os bípedes que historicamente o sucedem.

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Moacir é um jabuti mensageiro que passeia pela Mata entregando cartas aos demais personagens. Ironicamente, a profissão dele demanda agilidade enquanto sua característica principal é ser lento. O personagem carrega consigo a intertextualidade com a mitologia grega e sempre usa um capacete com asas, representando o Deus Mercúrio. Seu papel na narrativa está ligado a trazer à tona novos fatos e informações, materializando a metáfora de sua profissão.

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Outro integrante humano da turma é o índio Tininim, melhor amigo do Pererê. Ele é a representação do amante da natureza, respeitoso com todos os animais e, também, com as plantas. No entanto, a dualidade da personalidade humana se mostra em alguns momentos quando o personagem age de maneira passional visto que para tentar agradar é capaz de se envolver em confusões.

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A coruja Professor Nogueira é o único personagem animal que não é representado por um humano. É representado através de um fantoche e, também, é o único adulto morador da floresta presente na história. Ele representa o saber do mais velhos e está sempre disposto a ajudar a turma com seus conhecimentos e sua vasta biblioteca. Esse personagem tem o papel de representar na narrativa a moral social e também o aconselhamento a partir de sua vivência. Outra característica relevante é que ele tem o papel de despertar a curiosidade dos jovens, mas não costuma entregar todas as respostas e sim despertar e desenvolver seu próprio senso crítico e reflexivo.

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Para trazer a linguagem dos quadrinhos para o âmbito da televisão as passagens são desenvolvidas com animações, como a abertura e onomatopeias de que servem de setas indicativas para os próximos acontecimentos.

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Os créditos são apresentados com o último frame do episódio incorporado a uma página de revista em quadrinhos. Os cortes e enquadramentos são selecionados a fim de que se mostre apenas uma perna do ator que interpreta o Pererê para trazer verossimilhança a história e corresponder a lenda. Em outros momentos, são utilizados efeitos especiais para dar a ilusão da única perna do personagem como, por exemplo, quando ele se locomove utilizando seu moinho de vento.

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Ao tentar incorporar a linguagem dos quadrinhos à narrativa audiovisual os criadores experimentam intercalar elementos clássicos dessa linguagem a composição estética do seriado. Além disso, alguns dos principais elementos mágicos da história original também são incorporados com efeitos especiais. É importante ressaltar, , que o programa colabora para a difusão do folclore nacional nas novas gerações. A história do Saci Pererê reformatada explora elementos narrativos que extrapolam a lenda original e podem desenvolver a curiosidade no público sobre ela.

Segundo dados do Banco Mundial, em 1998, durante a produção da primeira temporada, apenas 1,5% da população brasileira tinha acesso à Internet. Nesse sentido, a rede mundial de computadores ainda era uma novidade no país e restrita a poucos, o que justifica o não uso de ferramentas online complementares a televisão. No entanto, em 2010, 40,5% da população brasileira detinha acesso e mesmo assim não foram encontrados quaisquer produtos complementares na Web. Além disso, as informações sobre o seriado também não estão catalogadas e bem localizadas no site da TV Brasil.

Por Vinícius Guida

Ficha técnica:

  • Diretora: Sonia Garcia
  • Roteiro: Wilson Rocha
  • Elenco: RaphaelLogam, Raiza Fernanda, Felipe Hauit, Fernanda Carvalho, Matheus de Sá, João Pedro Zappa, Pedro Henrique, Silvio Guindane, Paulo Jr., Nicolas Bartolo, Orã Figueiredo, Alexandre da Costa, Mariah da Costa
  • Exibição: 13/07/2001 a 09/08/2001/ 12/04/2010 a 17/05/2010
  • Temporadas: 2 temporadas
  • Número de episódios: 46
  • Duração: 25 minutos

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