Observatório da Qualidade no Audiovisual

Aleixo na Escola

Por Luma Perobeli

Dando seguimento à produção de obras derivadas do Programa do Aleixo, talk show apresentado pelo personagem de animação digital Bruno Aleixo, o seriado Aleixo na Escola remete à infância do apresentador, neste tempo chamado de “menino Bruno”, enquanto frequentava a escola primária, em Coimbra, em 1964. Com produção assinada pelo coletivo GANA (Guionistas e Argumentistas Não-Alinhados), os criadores João Moreira, Pedro Santos e João Pombeiro idealizaram os primeiros sete episódios em 2008, ainda no ano de surgimento do programa de entrevistas, e os demais seis episódios em 2009. Disponível na plataforma SAPO, o site oficial do universo, a obra teve divulgação online na web e é composta por 13 episódios de aproximadamente 4 minutos cada.

Com o objetivo de expandir o universo narrativo, pequenas produções foram lançadas. Enquanto em Busto no Emprego, por exemplo, a ideia é focar no dia a dia de Busto, assistente de Bruno no Programa do Aleixo, aqui a intenção é apresentar melhor a personalidade do próprio apresentador, já bem forte desde que ele era pequeno. Sua capacidade de iludir, confundir e convencer as pessoas de suas ideias é muito explorada, e mostrar isso ao público pode contribuir para que em outras produções suas atitudes sejam compreendidas, explicadas, ou até mesmo esperadas, o que pode levar a um maior envolvimento do espectador com a narrativa e proporcionar experiências mais profundas com toda a trama.

No plano da expressão, a estratégia comunicativa do nosso objeto de análise é a mesma adotada pelas outras produções do Universo Aleixo: linguagem rudimentar animada por um software de 2007 que só mexe bocas e olhos. Sobre os códigos visuais, as imagens são pouco elaboradas e quase que totalmente estáticas, e feitas em preto e branco para fazer alusão à época antiga que se passa (o passado do personagem Bruno Aleixo). Apenas a vinheta final é a cores, e está presente só no último episódio do seriado.

Em Aleixo na Escola o ponto de vista é sempre objetivo, e três são os cenários principais: a sala de aula, o pátio do recreio e a fachada da escola. O ângulo é geralmente o da visão frontal, a iluminação é condizente com a composição em preto e branco das imagens, e o plano médio é o principal. Bruno Aleixo e seu irmão Toninho são as únicas figuras que não apresentam um corpo humano e, apesar de suas aparências peculiares, o dia a dia na escola acontece de modo perfeitamente normal, como também acontece nas outras obras do conjunto Aleixo, em que a vida corre na mais perfeita coerência. A estranheza e o incômodo acometem apenas aos que estão de fora, os espectadores.

Sobre os códigos sonoros, os ruídos e barulhos de fundo são característicos, e ajudam na ambientação de quem assiste ao cenário escolar. Pausas nas falas sobre as imagens quase que totalmente estáticas também são frequentes, e parece que o intuito dessa estratégia é fazer com que o espectador se coloque na mente dos personagens e acompanhe seus processos de pensamento. Além disso, gerar incômodo no espectador e dar a ele um tempo para refletir sobre a narrativa que está sendo construída, também compõe o objetivo da obra, que por vezes exige que completemos e imaginemos o porquê daquelas suspensões de diálogos. Como se essas pausas fossem a deixa para nos inserirmos na história e completarmos as mensagens.

No que se refere aos códigos sintáticos, a narrativa parece não seguir uma lógica linear, mas uma lógica de independência entre um episódio e outro. Cada vídeo se inicia e se encerra dentro do seu tempo, e o espectador não precisa necessariamente assistir a um episódio para entender o posterior. Ganchos para a sequência da história não são, portanto, recorrentes. Dos códigos gráficos, há vinheta final e de abertura. Simples, aparecem sob a forma de letras manuscritas sobre um quadro verde, característico de escola, acompanhadas de um som instrumental calmo e sereno. Na abertura, a vinheta apresenta o nome do seriado e o de quem o produz, além do número do episódio e o título dado a ele. Ao final, a palavra “fim.”, o nome Gana, e o ano de produção. 

No plano do conteúdo, a oportunidade é observada através da representação que a produção faz de situações que acontecem no dia a dia de uma escola. Casos como a leitura de um texto para a sala, o sermão da professora, as brincadeiras durante o recreio, uma suposta cópia da prova do colega ou a apresentação de um trabalho em grupo, remetem o espectador a um tempo passado e o levam a acessar suas memórias de quando também estava nesse período.

Como em outras produções do universo, o indicador diversidade não tem muito destaque na trama, embora esteja presente. Isso é mais uma especificidade do seriado, que não necessariamente precisa ser diverso em seus pontos de vista para atingir o seu objetivo. Nesta produção, nota-se a diversidade sexual (como no segundo episódio, em que Bruno afirma que o colega Vasco chamou a amiga Olinda de “sapatona”); e a diversidade socioeconômica e geográfica (como no episódio quatro, em que Bruno e sua professora conversam sobre a condição de um imigrante).

Em Aleixo na Escola, o foco é no cotidiano de Bruno ainda criança na escola primária, e a narrativa se faz a partir da relação que o menino mantém com a professora, diretor, seus colegas e irmão mais novo. Nas ocorrências do dia a dia, estereótipos são reforçados, e a personalidade de Bruno é construída para o espectador: desde muito cedo o personagem vem sendo moldado pelos seus próprios achismos e entendimentos distorcidos de muitos conceitos universais. Exemplos de estigmas reforçados estão no episódio dois, já citado acima, em que Bruno fez parecer ruim uma garota gostar de outra garota; no episódio 12, em que Bruno afirma existir jogos de menino e jogos de menina; e no episódio 11, quando o diretor diz que comunistas são maus, iguais ao diabo.

Mesmo por vezes sendo contestado, Bruno Aleixo acaba sempre por convencer a outra pessoa ou por contrariá-la. É o que acontece ao final do primeiro episódio, por exemplo, quando o menino Bruno tenta confundir a sua professora. Ela, de fato, se confunde, e o menino Bruno sai como certo e ela como errada quanto à grafia de uma palavra.

Entretanto, mesmo com estereótipos reforçados na tela, parece-me que no espectador surge o efeito contrário: as situações relatadas sobre o que pensa e vive o menino Bruno são tão bizarras que ele pode acabar não sendo levado a sério por quem o assiste. Para o espectador, os estigmas que Bruno Aleixo defende passam a ter a mesma conotação absurda e reprovável que as suas atitudes, e então as reflexões do público podem levá-lo a adotar uma posição oposta da que Bruno representa. Assim, a desconstrução de estereótipos é estimulada. Exemplos de atitudes condenáveis estão no episódio dois, em que Bruno confessa ter atirado coisas no olho de uma colega durante o recreio, e no episódio três, em que o personagem conta que atirou pedras em um calouro simplesmente como forma de brincadeira.  

E essa reprovação ao comportamento do menino Bruno nos leva também a pensar sobre o papel dos vídeos na ampliação do horizonte do público. Por parte do seriado, a ampliação que se dá é apenas sobre a personalidade do protagonista, que passa a ser mais conhecida. Entretanto, o acesso às perspectivas até então desconhecidas pelo público torna-se possível com as reflexões geradas pela desconstrução dos estereótipos exposta acima, advindas da reprovação ao comportamento do menino Bruno. A própria construção da narrativa, portanto, dá a brecha para a inserção do espectador enquanto alguém que pode pensar criticamente sobre o que é colocado.  

Na mensagem audiovisual, a originalidade e criatividade são presentes em Aleixo na Escola pelo mesmo motivo observado em todos os outros conteúdos do universo: há mais de 10 anos suas produções são feitas por uma estética de animação arcaica, ainda nos dias de hoje, em que a tecnologia avançou tanto. A trama se torna original no contexto das grandes produções, e isso exige dedicação e criatividade no roteiro.

Na clareza da proposta, o objeto da presente análise é bem sucedido. É adequado à plataforma para o qual foi pensado (internet), e atinge sua intenção de possibilitar ao espectador uma experiência mais profunda do personagem Aleixo (que é a figura central) ao expandir a narrativa inicial do universo – os esquetes com pouco mais de 1 minuto na websérie Os conselhos que vos deixo. Entretanto, apesar de se tratar da obra derivada de um conteúdo maior (Programa do Aleixo), o diálogo com outras plataformas só se dá de forma indireta.

Sobre o indicador solicitação da participação ativa do público, destacamos as pausas presentes ao longo dos vídeos, que convidam o espectador, também indiretamente, a completar o que as interrupções nos diálogos e as alternâncias de câmera querem transmitir. E isso nos leva, por fim, à reflexão da escassez de setas chamativas em Aleixo na Escola, como acontece no episódio 13, especial intitulado O Mundial.

Neste vídeo, de pouco mais de 7 minutos de duração (o maior do seriado, inclusive), menino Bruno e três colegas apresentam para a turma um trabalho sobre o mundial de futebol, mas a única integrante mulher do grupo, Adelaide, fica em silêncio durante toda a apresentação. Antes de começarem, entretanto, a professora adverte Bruno sobre ele deixar os colegas falarem, e isso, somado às pausas que são dadas sobre o rosto da menina em silêncio, parecem apontar para o machismo que existe quando o assunto é futebol. Mesmo não deixando claro, a frase da professora é um indício de que, de alguma forma, em razão do tema ou da personalidade de Bruno, a menina poderia ser cerceada de falar (como de fato foi), assim como acontece frequentemente na sociedade atual.

A ausência de setas chamativas que clarifiquem o porquê da menina ser mostrada e continuar calada gera uma confusão para quem assiste. A narrativa não é dada pronta para o espectador (como não o é também em outras produções do universo), que então é levado a preencher essa lacuna a partir dos elementos que são dados a ele: a advertência da professora, o tema do trabalho, a sequência de falas dos integrantes (sempre na mesma ordem) e a pausa das falas com o foco da imagem no rosto de Adelaide.

* Todas as imagens usadas nesta análise são capturas de tela.

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