Por: Afonso Nobre , Duarte Baião, Tiago Alves, Tomás Leal e Tomás Pires
Lançada nos cinemas em 2015, a animação Divertida Mente trata de um tema complexo (a máquina do nosso pensamento) a partir de uma abordagem singela e didática, e tem como protagonista Riley, uma rapariga que se vê obrigada a mudar de cidade com os pais, sofrendo uma grande mudança na sua vida, e tendo de aprender a lidar melhor com as suas emoções. As emoções são elementos essenciais na construção da identidade humana, influenciando as nossas decisões, comportamentos e relações interpessoais. No filme, essas emoções são personificadas, permitindo uma análise única das suas dinâmicas internas e externas.
Este trabalho tem como proposta investigar como cada uma destas emoções: Alegria, Tristeza, Raiva, Medo e Repulsa, é representada como uma identidade distinta, com características visuais, comportamentais e simbólicas próprias. O principal objetivo é compreender através da semiótica de Peirce a forma como estas emoções, ao assumirem formas autónomas, contribuem para a formação da consciência e do comportamento da protagonista, Riley.
A partir dessa proposta, iremos explorar a construção semiótica das emoções de Riley, considerando a maneira como as suas representações visuais e narrativas geram significados universais e culturais, enquanto reforçam a complexidade emocional humana, através da análise individual de cada personagem e de cenas específicas segundo a tríade Peirceana. Diferente de outras narrativas que abordam emoções de maneira implícita ou mais subtil, Divertida Mente coloca as emoções no centro da trama, tornando-as tangíveis através de metáforas visuais claras e codificadas.
A representação das emoções em Divertida Mente
Em primeiro lugar, o filme personifica diretamente as emoções humanas através de personagens individuais, como a Alegria, a Tristeza, o Medo, a Repulsa e a Raiva. Cada emoção é representada por cores e traços físicos específicos, criando um sistema de signos visualmente codificado que facilita a interpretação semiótica. Por exemplo, a Alegria é amarela e energeticamente positiva, simbolizando felicidade e otimismo, enquanto a Tristeza é azul e melancólica, refletindo a sensação de pesar.
Essa abordagem de personificar emoções oferece um campo vasto para análise, pois cada cor e design de personagem comunica algo profundo sobre a função dessas emoções na mente humana. Em comparação, outros filmes que lidam com emoções, como Toy Story, tratam do crescimento emocional, mas de uma forma mais implícita e sem a clareza simbólica da representação literal das emoções que vemos em Divertida Mente.
Em segundo lugar, o uso de metáforas visuais no filme para representar conceitos psicológicos é notável. Divertida Mente constrói um mundo interno dentro da mente de Riley, no qual locais como o “Quartel-General” e as “Ilhas da Personalidade” representam aspetos centrais da identidade e do desenvolvimento emocional. As Ilhas da Personalidade, por exemplo, simbolizam partes essenciais da mente de Riley, como as suas relações familiares, amizades e interesses.
À medida que Riley enfrenta mudanças emocionais e conflitos internos, algumas dessas ilhas entram em colapso, sinalizando visualmente a transformação da sua identidade. Essa estrutura metafórica clara e visualmente acessível contrasta com outros filmes de animação, como Frozen, que também explora questões emocionais, mas de uma forma menos abstrata e centrada em metáforas psicológicas.
Por fim, Divertida Mente oferece uma oportunidade única para investigar como as emoções e a identidade são construídas de maneira interdependente, tanto visual quanto narrativamente. Diferentemente de outros filmes que tratam o crescimento emocional de maneira linear, este filme de Pete Docter explora a complexidade emocional de forma integrada, mostrando como as emoções aparentemente opostas, como Alegria e Tristeza, podem coexistir e ser necessárias para o amadurecimento psicológico. Essa abordagem permite que o filme seja interpretado não apenas em termos da sua narrativa, mas também por meio de uma análise dos signos visuais e simbólicos, o que torna a semiótica uma ferramenta apropriada para investigar as suas camadas de significado.
Análise de cena: Repulsa
Nesta cena que sublinha a importância do equilíbrio emocional e o impacto da falta de uma emoção dominante, pode-se observar, segundo Peirce, que a tentativa de substituir emoções genuínas por uma simulação leva à dissonância emocional e narrativa: a emoção Repulsa, ao representar mal a Alegria, realça a importância de cada emoção ter o seu papel próprio, demonstrando que não se pode forçar um sentimento sem consequências perceptíveis, algo notado pela mãe e pelas emoções que a acompanham.
A primeiridade evidencia-se nas emoções primárias presentes no comportamento da Repulsa: o sorriso forçado e o tom de voz alegre transmitem a qualidade pura da alegria, mas de forma superficial, evocando a essência de “ser alegre” sem contexto ou causalidade. Já a secundidade manifesta-se na relação direta entre a ausência da Alegria e a ação da Repulsa ao assumir o controle. É nessa interação concreta que Repulsa tenta comportar-se como Alegria, mas Riley sente algo estranho, indicando um desequilíbrio emocional real. Por fim, a terceiridade é ilustrada na maneira como as emoções complexas são mediadas. A Repulsa representa a tentativa de usar convenções sociais para substituir emoções genuínas, interpretação que é compreendida tanto pela audiência quanto pelas outras personagens, como a mãe à mesa.
No plano de expressão, a encenação reforça essa dinâmica. Nos gestos, a Repulsa força sorrisos e movimentos exagerados para imitar a Alegria, mas as suas expressões faciais rígidas e hesitantes revelam a tensão subjacente. A postura ereta e controlada reflete a tentativa de manter uma aparência alegre, mas contrasta com a fluidez natural da Alegria. Visualmente, a paleta de cores destaca o verde dominante da Repulsa em contraste com as tonalidades mais quentes da Alegria, criando uma dissonância visual imediata para o público. Além disso, a iluminação na sala de controle é menos vibrante, refletindo a ausência da verdadeira Alegria e o desconforto emocional de Riley.
A relação com o real na secundidade emerge quando observamos o impacto direto das ações da Repulsa no comportamento de Riley: ao tentar substituir uma emoção fundamental, como a Alegria, a interação entre a intenção da Repulsa e a resposta de Riley reflete um conflito emocional concreto e inevitável. Este plano sublinha como as emoções autênticas são necessárias para uma conexão verdadeira com a realidade. Na extrapolação de simbolismo cultural na terceiridade, esta cena pode ser interpretada como uma crítica à pressão social para mascarar emoções negativas com positividade artificial, um reflexo da cultura contemporânea que valoriza a aparência de felicidade em detrimento da autenticidade emocional.
No plano sonoro, o tom de voz da Repulsa é forçado e agudo, tentando soar animado, mas a artificialidade é facilmente reconhecida. A banda sonora mais subtil e ausente intensifica o contraste com a alegria genuína. Sintaticamente, o ritmo dos diálogos é mais pausado, com hesitações que revelam a dificuldade da Repulsa em sustentar o papel. Os cortes entre closes da Repulsa, a sala de controle e as reações de Riley destacam a tensão crescente. Graficamente, o design dos controlos na sala parece menos vibrante e mais mecânico, refletindo a ausência de emoções espontâneas. Nos elementos verbais, a Repulsa recorre a frases típicas de motivação, mas sem a autenticidade característica da Alegria. As falas soam ensaiadas, evidenciando a sua incapacidade de replicar emoções genuínas.
No plano de conteúdo, a narrativa reflete a dificuldade emocional de Riley em lidar com a mudança de cidade. A ausência da Alegria na sala de controle emocional reflete a incapacidade de Riley processar a situação positivamente e sentir-se feliz. A Repulsa assume o papel de líder, simbolizando a tentativa de camuflar sentimentos negativos com uma máscara de otimismo forçado. Riley, como sujeito afetado, apresenta um comportamento “esquisito” que reflete o desequilíbrio emocional causado pela ausência da Alegria. Medo, Raiva e Tristeza estão presentes na cena, mas sem grande protagonismo, interagindo minimamente com a Repulsa.
O objeto dinâmico da cena é a emoção que deveria ser expressa: alegria genuína. A Repulsa tenta preencher essa lacuna, mas não consegue traduzir adequadamente a emoção, gerando desconforto perceptível. O objeto imediato é a interação com a mãe e a sugestão de se juntar à equipa de hóquei de São Francisco como solução para os problemas de adaptação de Riley, elementos que estimulam a tentativa de imitar a Alegria.
Análise de cena: Tristeza
Nesta cena que destaca o impacto de uma emoção nas memórias de Riley e como estas são construídas, segundo Peirce, observa-se que a Tristeza influencia todas as memórias quando são relembradas pela Alegria, realçando a importância de cada emoção. Esse processo reflete que não se pode forçar um sentimento sem consequências perceptíveis, já que todas as lembranças são estruturadas de acordo com uma introspecção da Tristeza, construindo um caminho de empatia e entendimento.
A primeiridade manifesta-se na expressão pura da Tristeza, sem mediações ou justificações diretas. As ações contemplativas, como tocar de leve na memória, mostram a sua qualidade essencial de introspecção e melancolia, evocando um estado de ser que vai além da causalidade ou explicação narrativa. A secundidade surge na interação concreta entre a Tristeza, a memória feliz, e a reação subsequente que transforma a emoção da lembrança. Ao agir sobre a memória, a Tristeza provoca uma conexão emocional mais profunda, transformando o contexto alegre em algo mais reflexivo e nostálgico, o que afeta Riley e as outras emoções na sala de controle. Por fim, a terceiridade reflete-se no papel simbólico da Tristeza, que reinterpreta a memória com um significado mais profundo, ajudando a construir empatia e conexão. Esse simbolismo é compreendido pela audiência e pelos personagens (posteriormente no filme), mostrando que a tristeza desempenha um papel essencial no equilíbrio emocional.
A relação com o real na secundidade emerge na interação concreta entre a Tristeza, as memórias alegres de Riley e a transformação emocional provocada pelo seu toque. Este ato tangível simboliza a inevitabilidade de enfrentar emoções complexas, demonstrando que as memórias não são estáticas, mas sim moldadas pela interação entre eventos passados e estados emocionais presentes. Na extrapolação de simbolismo cultural na terceiridade, a cena pode ser vista como uma metáfora para a aceitação da vulnerabilidade emocional, desafiando a cultura que frequentemente promove a repressão de sentimentos negativos em prol de uma felicidade superficial.
No plano de expressão, a encenação reforça essa dinâmica emocional. Nos gestos, a Tristeza utiliza movimentos lentos e delicados, como o toque suave na memória, sugerindo cuidado e introspecção, enquanto a sua postura, curvada e retraída, simboliza o peso emocional que carrega, em contraste com a postura vibrante da Alegria. Visualmente, a paleta de cores é dominada pelo azul profundo da Tristeza, criando um contraste com as memórias alegres e o ambiente colorido, destacando a dissonância entre o estado emocional e o contexto narrativo. A iluminação é subtil, com um foco suave sobre a Tristeza, acentuando a introspecção e a seriedade do momento.
Sonoramente, o tom de voz da Tristeza é baixo e arrastado, carregado de emoção e introspecção, evocando melancolia. A banda sonora adota um tom mais emotivo e reflexivo, diminuindo em intensidade e realçando a atmosfera de nostalgia. Sintaticamente, o ritmo dos movimentos e diálogos é pausado, criando um contraste perceptível com a energia usual da Alegria, enquanto os cortes alternam entre zooms na Tristeza, na memória sendo tocada e na reação da Alegria, evidenciando o impacto crescente da ação da Tristeza. Graficamente, o design dos controlos reflete uma tonalidade mais fria e menos vibrante, indicando o estado emocional geral.
Nos elementos verbais, os diálogos da Tristeza revelam a sua natureza introspectiva e analítica, frequentemente expressando dúvidas ou um tom mais sério. No plano de conteúdo, a narrativa mostra que a Tristeza desempenha um papel crucial ao demonstrar que desconforto e melancolia são indispensáveis para processar emoções complexas, como perda e mudança. A cena reflete que Riley não pode simplesmente “apagar” a sua tristeza, mas precisa integrá-la para alcançar equilíbrio emocional.
As personagens desempenham papéis complementares: a Tristeza atua como catalisadora para a transformação emocional, evidenciando que emoções negativas podem trazer profundidade e entendimento; a Alegria, inicialmente frustrada, começa a reconhecer o papel fundamental da Tristeza no desenvolvimento emocional de Riley; e Riley, embora indiretamente, é impactada por essa reformulação das memórias. O objeto dinâmico é a memória tocada pela Tristeza, que muda de um momento exclusivamente alegre para algo mais complexo, uma mistura de nostalgia e compreensão emocional. O objeto imediato é o gesto de tocar na memória, que altera a dinâmica emocional do momento.
Análise de cena: Alegria
Logo no início do filme, a Alegria é a primeira emoção a surgir na mente da Riley, assumindo o comando do Quartel-General e desempenhando um papel central na organização das memórias. Esta cena destaca o impacto direto da Alegria na construção das memórias da Riley, sublinhando como esta emoção molda as experiências da protagonista. A Alegria procura garantir que a maioria das memórias sejam positivas, refletindo o seu otimismo contagiante e a visão de que a felicidade deve ser a emoção predominante. A cena reflete, assim, a tentativa da Alegria de evitar que outras emoções, como a Tristeza, interfiram no domínio das recordações. No entanto, a insistência em suprimir a Tristeza acaba por mostrar as limitações de uma abordagem que tenta forçar uma emoção única sem considerar as consequências perceptíveis. A introspecção que a Tristeza provoca evidencia que o caminho para a empatia e o entendimento requer a aceitação da complexidade emocional, algo que a Alegria, mais tarde, terá de compreender para ajudar a Riley a crescer.
Na primeiridade, a Alegria é expressa de forma pura, sem mediações ou justificações explícitas. Os seus gestos enérgicos e vibrantes, como segurar e organizar as memórias felizes, refletem a sua qualidade essencial de entusiasmo e otimismo. A Alegria, neste momento, existe na sua essência mais genuína, irradiando uma energia que encapsula o seu propósito principal: proporcionar felicidade e leveza. Na secundidade, ao organizar as memórias felizes e destacá-las como prioritárias, a Alegria age sobre o conteúdo emocional de forma ativa, assegurando que o contexto das experiências seja constantemente marcado pela positividade. Esse ato de moldar as memórias provoca uma reação tangível: as emoções no Quartel-General alinham-se com a liderança otimista da Alegria, e Riley sente-se motivada e energizada pelas memórias felizes.
Na terceiridade, a Alegria simboliza um processo complexo de mediação emocional, representando a busca constante em transformar as experiências da Riley em momentos significativos de felicidade. Esse simbolismo é compreendido tanto pela audiência quanto pelos próprios personagens ao longo do filme, refletindo que a Alegria desempenha um papel essencial no equilíbrio emocional da Riley. Mais do que gerar felicidade superficial, a Alegria atua como mediadora, ajudando a Riley a enfrentar desafios e a construir resiliência, criando uma fundação emocional que apoia a sua identidade e bem-estar.
A relação com o real na secundidade emerge na interação direta da Alegria com as memórias de Riley, ao organizar de forma ativa os momentos felizes e garantir que estes moldem a experiência emocional da protagonista. Esta ação concreta demonstra como as emoções influenciam diretamente a percepção da realidade, destacando a importância de emoções positivas na criação de memórias estáveis e reconfortantes. Na extrapolação do simbolismo cultural na terceiridade, a cena pode ser interpretada como um reflexo da tendência social moderna de valorizar a felicidade constante, ignorando a complexidade emocional que define o bem-estar autêntico.
No plano de expressão, a encenação reforça a dinâmica emocional da Alegria. Nos gestos, ela utiliza movimentos rápidos e energéticos, segurando as memórias com entusiasmo e organizando-as de forma vibrante, refletindo o seu otimismo contagiante. Esses gestos dinâmicos e cheios de vitalidade evocam a leveza e a positividade que a personagem representa, reforçando a sua missão de transformar as experiências da Riley em momentos felizes. A sua postura é expansiva, com braços abertos e uma presença cheia de confiança e dinamismo. Este contraste direto com a postura retraída da Tristeza simboliza a abordagem proativa da Alegria para lidar com as memórias e emoções da Riley, enfatizando a sua visão de que a felicidade deve ser o elemento predominante no equilíbrio emocional da protagonista.
Visualmente, a paleta de cores da Alegria é vibrante e ensolarada, dominada por tons de amarelo brilhante que irradiam energia e otimismo. Esta escolha de cores harmoniza-se com as memórias felizes, reforçando a conexão entre a Alegria e a positividade que procura transmitir. O contraste entre a luz vibrante da Alegria e o ambiente multicolorido do Quartel-General destaca o seu papel central como líder emocional. A iluminação da cena é intensa e radiante, seguindo os movimentos da Alegria e enfatizando o seu entusiasmo. Essa iluminação calorosa simboliza a clareza e o propósito da Alegria em assegurar que a Riley experimente felicidade, criando uma atmosfera que reflete a energia que a personagem incorpora.
Sonoramente, o tom de voz da Alegria é animado e enérgico, com uma tonalidade leve e entusiástica que reflete a sua constante positividade. Cada frase é pronunciada com clareza e otimismo, transmitindo um entusiasmo contagiante e reforçando o seu papel de líder emocional no Quartel-General. A banda sonora é alegre e vibrante, com uma melodia ritmada que acompanha os movimentos dinâmicos da Alegria. Sons leves e harmoniosos, como o toque de xilofones ou violinos alegres, reforçam a atmosfera de entusiasmo, sublinhando a missão da Alegria de iluminar as experiências da Riley.
Sintaticamente, o ritmo dos movimentos e diálogos da Alegria é rápido e fluido, mantendo uma cadência enérgica que reflete a sua personalidade otimista. A agilidade com que interage com as memórias e organiza o espaço no Quartel-General cria uma dinâmica contrastante com a natureza mais pausada das outras emoções. Os cortes alternam entre planos amplos que mostram a Alegria em ação, interagindo com as memórias, e closes nas suas expressões radiantes, sublinhando o impacto direto das suas ações. Graficamente, o design dos controlos reflete uma tonalidade vibrante e acolhedora, com cores quentes e elementos dinâmicos que representam o impacto da Alegria no estado emocional geral. Os botões e alavancas parecem brilhantes e reluzentes, destacando o domínio da Alegria no ambiente do Quartel-General.
Nos elementos verbais, os diálogos da Alegria refletem a sua natureza entusiástica e motivadora, frequentemente usando frases otimistas e encorajadoras. Suas palavras transparecem energia e confiança, criando um contraste direto com as emoções mais reflexivas, como a Tristeza.
No plano de conteúdo, a narrativa evidencia que a Alegria desempenha um papel central, mostrando que a felicidade é essencial na forma como a Riley processa e recorda suas experiências. Contudo, também fica claro que a Riley não pode depender exclusivamente da Alegria; a tentativa da personagem de garantir que as experiências positivas prevaleçam reflete a busca por um equilíbrio emocional que incentiva resiliência e otimismo. Como líder, a Alegria organiza e protege as memórias felizes, garantindo que a felicidade permaneça dominante na vida da Riley. No entanto, a sua obsessão inicial em manter apenas emoções positivas é desafiada ao longo do filme, levando-a a reconhecer a necessidade de colaboração com outras emoções.
Riley, embora indiretamente envolvida, é impactada pelo esforço da Alegria em preservar as memórias felizes, uma vez que estas representam uma base emocional estável durante as mudanças significativas que enfrenta. As memórias felizes que a Alegria organiza tornam-se representativas de momentos cruciais para a construção da identidade emocional da Riley, enquanto o ato de organizar essas memórias reflete a energia constante da Alegria em assegurar uma mentalidade positiva para a protagonista.
Análise de cena: Medo
Esta cena sublinha o impacto que a emoção Medo tem nas ações de Riley e como essa reação é construída. Segundo Peirce, podemos observar três aspectos fundamentais. Na primeiridade, o personagem Medo é expresso de forma pura e imediata. A sua reação instintiva de puxar a alavanca no painel de controle reflete a sua natureza essencial de cautela e auto-preservação. Os gestos rápidos e tensos demonstram a sensação primordial de apreensão e a necessidade de evitar riscos. Na secundidade, a interação concreta ocorre quando Medo identifica o perigo e age sobre o painel de controle, interrompendo Riley antes que ela tropece no cabo de luz. Esse gesto provoca uma consequência imediata: Riley para subitamente, evitando um acidente. A ação de Medo destaca a importância das emoções no equilíbrio emocional e físico de Riley. Já na terceiridade, Medo simboliza a mediação entre a impulsividade e a segurança. Sua intervenção ajuda a estruturar a experiência de Riley, mostrando que a prudência é fundamental para evitar danos. Esse simbolismo é compreendido tanto pelos outros personagens quanto pela audiência, evidenciando que o medo é essencial para a proteção e o equilíbrio emocional da protagonista.
A relação com o real na secundidade manifesta-se na interação direta entre a emoção Medo e a situação concreta enfrentada por Riley. A ação de Medo, ao puxar a alavanca no painel de controlo, reflete uma resposta imediata e tangível a um perigo percebido, demonstrando a importância da prudência em momentos de risco. Este gesto sublinha a conexão direta entre o estímulo do ambiente externo e a reação emocional interna de Riley, garantindo a sua segurança física. Na extrapolação do simbolismo cultural na terceiridade, Medo pode ser interpretado como uma representação da função protetora que o receio desempenha na sociedade, lembrando que a cautela é essencial para evitar danos e preservar o equilíbrio. Este simbolismo transcende o contexto individual e reflete a valorização coletiva da segurança e da prevenção.
No plano de expressão, a encenação de Medo reforça a sua função primordial. Seus gestos, rápidos e nervosos, como o movimento urgente de puxar a alavanca, simbolizam sua vigilância constante. Sua postura tensa e retraída sugere um estado contínuo de alerta e preocupação. Visualmente, a paleta de cores predominante do personagem, em tons de roxo, está associada à ansiedade e introspecção, contrastando com o amarelo vibrante da Alegria. A iluminação foca-se rapidamente em Medo durante a ação, destacando o momento de urgência e o papel crucial que desempenha na proteção de Riley.
No aspecto sonoro, o tom de voz de Medo é agudo e apressado, transmitindo nervosismo e hesitação. A banda sonora intensifica-se durante a cena, reforçando a tensão e a necessidade de agir imediatamente. Sintaticamente, o ritmo acelerado da cena reflete a urgência da intervenção de Medo, enquanto os cortes rápidos entre o personagem e Riley criam uma sensação de perigo iminente, sublinhando a rapidez necessária para evitar o acidente. No aspecto gráfico, o design dos controles adquire uma tonalidade mais fria e tensa durante a ação de Medo, simbolizando a seriedade do momento. Verbos nas verbalizações rápidas e ansiosas do personagem expressam preocupação e reforçam sua função protetora.
No plano de conteúdo, a narrativa destaca o papel crucial de Medo na proteção de Riley, evitando que ela se machuque. Sua intervenção mostra que o medo, embora desconfortável, é necessário para garantir segurança e equilíbrio emocional. Medo atua como um guardião instintivo, protegendo Riley de perigos iminentes. Alegria, embora inicialmente veja sua função como limitada, reconhece a importância da cautela proporcionada por Medo. Riley, por sua vez, é a sujeita dessa proteção, pois a ação de Medo assegura sua segurança ao evitar situações perigosas.
Quanto ao objeto dinâmico, a emoção expressa é a autopreservação instintiva. Medo age para proteger Riley de situações perigosas, representando a necessidade imediata de segurança e cautela. Sua intervenção impede um possível acidente e preserva o bem-estar físico da protagonista. No objeto imediato, a iminência de Riley tropeçar no cabo de luz é o estímulo direto que provoca a ação de Medo. Esse perigo imediato faz com que o personagem aja rapidamente para evitar consequências negativas, demonstrando sua função protetora e vigilante.
Análise de cena: Raiva
De modo a responder à pergunta de investigação vamos agora analisar uma cena em que o personagem em destaque que toma conta da cena é a raiva.Esta cena começa com o personagem a assumir a liderança da mesa de controle da mente de Riley durante uma discussão com os pais, após esta tomada de posse, a criança começa a subir o tom de voz e a adquirir um comportamento mais agressivo. A cena é caracterizada por uma troca de planos entre a Riley e o seu pai, principais personagens da cena, onde nos é possível também observar as emoções que comandam o pai de Riley.
Esta cena evidencia as principais características do personagem raiva, bem como a sua instabilidade e as consequências da sua dominação sobre a Riley Posto isto vamos passar à análise da cena seguindo os conceitos da semiótica de Peirce. No âmbito da semiótica de Peirce, podemos identificar três aspetos fundamentais.
Na primeiridade, destaca-se o vermelho intenso da personagem Raiva, que imediatamente salta aos olhos do espectador. Essa cor, associada ao calor, ira e violência, juntamente com a sua expressão facial rígida e postura tensa, comunica instabilidade emocionais e fúria sem necessidade de explicações verbais. Na secundidade, observamos a relação do personagem com o ambiente ao seu redor. As ações de Raiva no painel de controle, ao tentar pressionar todos os botões, refletem a sua resposta aos estímulos externos provocados pela discussão entre Riley e seu pai. Ao tentar controlar o que parece incontrolável, a Raiva explode, indicando sua percepção de injustiça e uma resposta direta à frustração de Riley. Isso evidencia que a emoção da Raiva não existe isoladamente, mas está relacionada às ações de Riley. Além disso, é possível observar as emoções do pai de Riley, que também é comandado pela Raiva. No entanto, a reação dele é mais ponderada, sugerindo um índice para a evolução do personagem à medida que Riley amadurece. Na terceiridade, o Raiva simboliza o arquétipo universal da emoção indignada, conectando-se com significados culturais, principalmente pela sua aparência de tijolo. Culturalmente, o tijolo, sendo duro e vermelho, simboliza resistência e intensidade. O tamanho reduzido do Raiva, e os seus gestos exagerados e a chama que se inflama na sua cabeça durante momentos intensos evocam a ideia cultural de “explodir de raiva”. Essa chama, em particular, é um índice do aumento interno da carga emocional, remetendo à ideia de que a raiva cresce antes de ser expressa. Raiva, portanto, atua como um protetor, mas também como uma força potencialmente prejudicial.
No plano de expressão, a encenação destaca a postura impulsiva do personagem. Durante a cena, enquanto assume o controle, a Raiva gesticula de maneira brusca, com o corpo rígido, punhos cerrados e ombros erguidos. A sua movimentação é rápida e repentina, raramente suave, reforçando a sua natureza ativa e reativa. Visualmente, os tons vermelhos e quentes associados ao personagem se intensificam durante sua expressão máxima, e a chama em sua cabeça aumenta de tamanho, reforçando sua intensidade emocional. A iluminação da cena também varia, criando contrastes visuais que destacam o impacto da Raiva.
No plano sonoro, a voz da Raiva é grave e elevada, evidenciando seu caráter impulsivo. A trilha sonora rápida, com elementos de percussão e sons de alarme, cria uma atmosfera de tensão. Sintaticamente, as cenas envolvendo a Raiva apresentam cortes rápidos, especialmente durante suas explosões emocionais. O ritmo acelerado alterna entre planos dramáticos focados nas suas expressões e planos abertos que mostram a interação dele com outros personagens, como quando dá um murro no Medo. Graficamente, Raiva tem um design angular e compacto, simbolizando rigidez e força, que contrasta com o cenário arredondado da sala de controle. Nos aspetos verbais, os diálogos da Raiva são curtos, diretos e frequentemente imperativos e agressivos, como “Isso não vai ficar assim!” ou “Vou resolver isso agora!”.
Na narrativa, a Raiva desempenha o papel de catalisador para decisões impulsivas de Riley, propondo soluções drásticas que refletem sua visão de justiça e frustração, como confrontar problemas de maneira agressiva. Ele contrasta com a Alegria e a Tristeza, sendo uma força ativa e reativa que contribui tanto para os momentos cômicos quanto para os conflitos internos de Riley.
No objeto dinâmico, a Raiva é simbolizada como uma emoção essencial para defender limites e responder a injustiças, lidando diretamente com a frustração e a necessidade de reação. Já no objeto imediato, a Raiva é apresentada como uma força explosiva e controladora que, ao tentar resolver problemas por meio de ações diretas, frequentemente causa caos. Visual e sonoramente mediado, a Raiva facilita a identificação do público com a emoção, enquanto representa seu papel dual de proteção e potencial destruição no que diz respeito ao objeto Imediato: Raiva é nos apresentado como uma força bastante explosiva e controladora, que causa o caos quando tenta resolver problemas por meio de ações diretas. Ele é mediado como signo visual e sonoro que facilita a identificação do público com a emoção.
De modo a responder à pergunta de investigação feita no início deste trabalho, pode-se concluir o seguinte: em Divertida Mente, cada emoção é representada como uma identidade distinta através de signos visuais, sonoros e narrativos que refletem as suas características essenciais. A Alegria é iluminada e vibrante, simbolizando otimismo e liderança, enquanto a Tristeza, com cores frias e movimentos lentos, expressa introspecção e empatia. O Medo é marcado por movimentos rápidos e tensos, junto a tons roxos que evocam ansiedade e auto-preservação. A Raiva apresenta design angular, cores quentes e gestos explosivos, destacando a sua reatividade e o senso de justiça. A Repulsa, por sua vez, é caracterizada por gestos delicados e tons verdes, representando discernimento e aversão.
Estas características combinam linguagem visual, sonora e narrativa, construindo identidades icônicas, indiciais e simbólicas que permitem ao público identificar e compreender cada emoção de maneira única.
Essas emoções estão narrativamente integradas, funcionando como personagens autônomos que colaboram e entram em conflito, refletindo as complexidades emocionais da mente humana. Visualmente, os seus designs reforçam arquétipos culturais, enquanto os sons e diálogos enfatizam as suas funções. A interação entre as emoções mostra que nenhuma delas é autossuficiente; juntas, formam um sistema interdependente que molda a identidade e o comportamento da Riley, destacando que a saúde emocional exige um equilíbrio dinâmico entre todas as emoções. Assim, o filme apresenta uma abordagem semioticamente rica para representar a diversidade e a interdependência das emoções como componentes distintos, mas complementares, da experiência humana.
Referências
Ferreira, S. (2013, 3 de dezembro). Divertidamente. Conexões. Disponível em https://sorayaferreiraufjf.wixsite.com/conexoes/single-post/2013/12/03/divertidamente
Domestika. (n.d.). O significado das cores com personagens de Divertida Mente. Disponível em https://www.domestika.org/pt/blog/4811-o-significado-das-cores-com- personagens-de-divertida-mente
Cultura Genial. (n.d.). Significado dos personagens de Divertida Mente. Disponível em https://www.culturagenial.com/significado-personagens-divertida-mente/
“Divertidamente” (Inside Out). Direção: Pete Docter. Produção: Jonas Rivera. Walt Disney Pictures, 2015. 94 min, cor.
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