Por Érica Silva, Joana Rosado, Joana Rego, Sara Nascimento
Introdução
Nesta pesquisa será analisada a questão “Que elementos utiliza este programa para chegar, por meio do humor, ao seu público?”. Irá ser traçado todo um percurso para melhor se compreender como, no caso, Ricardo Araújo Pereira consegue transmitir uma mensagem de cariz sério em tom humorístico.
Será feita uma análise a programas anteriores, dentro deste formato, que possam ter servido de inspiração ao mesmo, bem como trabalhos passados que tenham sido realizados pelo apresentador e que, de certa forma, lhe tenham permitido e inspirado a criar este conteúdo.
Por último será realizada a análise do ponto de vista semiótico, em que estudaremos a linguagem utilizada, o cenário, os adereços, os roteiros e todo o trabalho feito e planeado por trás do programa, bem como a forma como a mensagem é transmitida ao público. De modo a realizar este trabalho os instrumentos de análise semiótica utilizados serão baseados nos trabalhos de Roland Barthes e Umberto Eco.
Retórica da imagem – Roland Barthes
Segundo a metodologia do francês Roland Barthes, os signos de uma imagem são semelhantes aos signos linguísticos. A significação é intencional por ser direcionada a um determinado público e de maneira ao mesmo decifrar a mensagem. Barthes encontrou três tipo de mensagens: Mensagem linguística, Mensagem icônica e Mensagem simbólica.
Mensagem linguística: podem ser lidas diretamente através do código da escrita.
Mensagem icónica: corresponde à representação direta das imagens que estão na “peça”. Mensagem simbólica: depende da conotação, já que implica a interpretação de quem observa a peça.
Observando a metodologia de Barthes, em que a imagem pode ter várias interpretações dependendo da cultura histórica, sendo por vezes necessário introduzir um texto para acompanhar, levando ao entendimento por parte do leitor para o objetivo do que se pretende comunicar. A inter-relação entre o texto e a imagem é dividida pelo autor em duas formas de referência: Ancoragem ou Fixação e Revezamento.
Ancoragem ou Fixação: o texto leva o leitor a considerar alguns significados da imagem, conseguindo esta direcioná-lo ao significado pretendido.
Revezamento: o texto e a imagem complementam-se.
Assim, é possível, através da perspetiva deste autor, afirmar que a imagem e o texto do programa “Isto é gozar com quem trabalha” se complementam de maneira a transmitir a mensagem pretendida ao público.
Apontamentos sobre a televisão – Umberto Eco
A televisão é um serviço que contém um fenómeno psicológico e sociológico sobre o telespectador. O facto de determinadas imagens serem transmitidas, em certas horas especificas do dia, num vídeo de reduzidas dimensões, tem como objetivo alcançar um público específico e com determinadas condições psíquicas e sociais.
As técnicas visuais levam-nos a uma nova dimensão psicológica, tanto no cinema como na televisão, sempre que uma pessoa está a frente de um ecrã vive uma experiência cultural. Levando o espectador a um estado semelhante à hipnose, como se os programas televisivos penetrassem o cérebro dos mesmos, tendo a capacidade de se transformar num instrumento eficaz para uma ação de controlo e garantia da ordem estabelecida através da opinião transmitida.
A informação visual, reduz a vigilância do espectador induzindo-o à compreensão intuitiva não necessária de se desenvolver visualmente. A comunicação visual provoca nos telespetadores uma sensação de satisfação completa e gratificante.
A mensagem é o objeto sígnico em que a primeira realidade verificada é constituída pelos significantes enquanto relações entre impulsos luminosos sobre o vídeo. A mesma é elaborada com base em um ou mais códigos de forma a transmitir certos significados, e enquanto interpretada e interpretável com base nos mesmos códigos ou em outros.
Uma mensagem pode ter diversos níveis de significados, dependendo assim da interpretação da pessoa. Qualquer nível de significado é decifrável com base num quadro de referência específico, sendo estes chamados de referência pelo termo genérico de “código”.
O código é um sistema de convenções comunicativas que constituem as regras de uso e organização de vários significantes, assim, entende-se como “código” uma língua. Um código pode propor apenas um repertório semântico dentro do qual se podem escolher os signos a usar, mas também sugerir um sistema de regras combinatórias dos elementos escolhidos, podendo ser paradigmático ou sintagmático.
Assim, a língua é considerada um código misto, porque para além de fornecer equivalências entre certas palavras e o seu significado, fornece também regras de combinação e certos sintagmas prefixados.
Existem vários tipos de códigos e subcódigos. Os Subcódigos são os seguintes: Subcódigo estético, que é fruto da tradição do gosto; Subcódigo erótico, Brigitte Bardot afigura-se neste subcódigo e o Subcódigo da montagem, que estabelece regras combinatórias das imagens segundo as regras cinematográficas e televisionais, tanto na ordem do enquadramento como da sequência;
O segundo código é o linguístico, que é a língua que se fala. Ao mesmo referem-se todas as formulações verbais de uma transmissão. Tendo como subcódigos os Jargões especializados, que é uma gama vasta que compreende jargões científicos, políticos, jurídicos e profissionais, etc. e os Sintagmas estilísticos, que equivalem aos léxicos estéticos a nível do código icônico. Por fim, o código sonoro, que compreende os sons da escala musical e as regras combinatórias da gramática tonal. Os ruídos enquanto distintos dos sons e referíveis ironicamente a ruídos já conhecidos. Os subcódigos deste código são: Subcódigos emotivos, Sintagmas estilísticos e Sintagmas de valor convencional.
Assim, é possível concluir que a semiologia pode responder e aprofundar de forma detalhada os códigos e os quadros de referência, de forma a analisar as mensagens dadas e a sua estrutura comunicativa, com o objetivo de perceber se as intenções que o remetente passa serão interpretadas da forma pretendida pelo recetor.
Histórico de programas humorísticos portugueses
De maneira a responder à pergunta de investigação inicial, começámos por analisar o histórico televisivo português relativamente a programas humorísticos e figuras públicas que possam ter influenciado Ricardo Araújo Pereira e consequentemente o programa “Isto é Gozar com Quem Trabalha”.
Alguns dos programas que pensamos terem tido um papel fulcral na inspiração e carreira de Ricardo são 15, nomeadamente, “Arte de Ser Português”, “O Tal Canal”, “As Divinas Comédias”, “Contra Informação”, “Um Filmezinho de Sam”, “Casino Royal”, “Telerural”, “Bar da Liga”, “Lado B”, “Badarosíssimo”, “Herman Enciclopédia”, “Café Central”, “Cola Tudo”, “Caia Quem Caia” e “ContraPoder”, apesar de muitos não corresponderem na totalidade ao padrão de Ricardo.
Algumas figuras públicas que também podem ter influenciado de certa forma o crescimento de Ricardo como humorista são Herman José, sendo que, inclusive, escreveu peças para ele, Raul Solnado e Bruno Nogueira, que, apesar de ser mais novo, teve sempre uma presença ativa em diversos programas de cariz humorístico.
- Descrição dos programas referidos anteriormente
“Arte de Ser Português” (1978-79) era uma série que de forma caricatural satirizava alguns dos costumes e pequenos vícios do povo português.
“O Tal Canal” (1983-1984) era uma série de Herman José.
“As Divinas Comédias” (2009) era uma série apresentada por Bruno Nogueira e Raúl Solnado.
“Contra Informação” (1996-2010) foi um programa de sátira política e social, com bonecos que caricaturavam figuras públicas da sociedade portuguesa e internacional.
“Um Filmezinho de Sam” (1986) era uma série de pequenos sketches humorísticos, entre o desconcertante e o absurdo.
“Casino Royal” (1990) era uma série humorística de Herman José.
“Telerural” (2008-2010) era uma série de programas de humor apresentados por Quim e Zé, numa sátira ao Telejornal, em que eram divulgadas as principais notícias da aldeia (Curral de Moinas) e dos seus habitantes.
“Bar da Liga” era um programa de sátira ao futebol nacional, protagonizada por bonecos manipulados que caricaturavam dirigentes desportivos e clubes, jogadores e árbitros, e as ligações do futebol à política.
“Labo B” era um programa de humor, apresentado por Bruno Nogueira, composto por quadros humorísticos, momentos musicais e entrevistas.
“Badarosíssimo” foi um programa de entretenimento com a participação de diversos atores protagonizando sketches cómicos, intercalados com momentos musicais.
“Herman Enciclopédia” foi uma série de humor onde se abordaram vários temas de forma hilariante.
“Café Central” era uma série de humor em animação, em que seis personagens conversam ao balcão de um café sobre os temas da atualidade.
“Cola Tudo” (2006) era um programa de humor que satirizava os modos de mediatização.
“Caia Quem Caia” caracterizado como “humor interventivo”, era um programa em que três apresentadores comentavam as notícias mais importantes da atualidade.
Com esta análise pode observar-se que alguns dos programas em que Ricardo participou, podem ter sido influenciados pelos referidos anteriormente, como: “Gato Fedorento”, “Gente que não sabe estar”, “Isto é gozar com quem trabalha”, Crónica diária no jornal das 8, “Melhor do que falecer”, “Mixórdia de Temáticas”, “Governo Sombra” e “Programa cujo nome estamos legalmente impedidos de dizer”.
Percurso de Ricardo Araújo Pereira
A 28 de Abril de 1974, Ricardo Araújo Pereira nasceu em Lisboa, na freguesia de São Sebastião da Pedreira. Filho do piloto da TAP Artur Pereira e da assistente de bordo Emília Araújo Pereira, sempre estudou em colégios de freiras vicentinas e padres franciscanos e jesuítas. Optou por se licenciar em Comunicação Social e Cultural, na universidade Católica Portuguesa, apenas por não encontrar um curso relacionado com a escrita de textos humorísticos, porque a realidade é que Ricardo Araújo Pereira tinha uma obsessão por ver o que acontece ao rosto de uma outra pessoa quando esta se ri. Após a conclusão da sua licenciatura, com 23 anos, estagiou na redação do Jornal de Letras, Artes e Ideias e logo depois como repórter de informação da TVI.
Antes de iniciar a carreira do jornalismo, Ricardo já revelava o seu gosto pela escrita, mais concretamente pela escrita humorística. Nuno Artur silva, um escritor ficcionista, no final de 1990, vê talento na escrita de Ricardo Araújo Pereira e convida-o a colaborar com ele na Produções Fictícias, a agência de guionistas, à época na sua fase embrionária, sendo esta responsável pelos textos de programas de humor de Herman José. Foi assim que, ao lado de Nuno Artur Silva, Nuno Markl e João Quadros, colaborou na escrita dos guiões de Herman 98 e Herman 99 que passavam na RTP, nos respetivos anos 1998 e 1999, de Herman SIC entre 2000 e 2005 e, posteriormente, O Programa da Maria, transmitido em 2001 na SIC. Também assinou crónicas para a rádio: Herman Difusão Portuguesa, no período de 1999 e 2001. Para a imprensa colaborou na escrita dos guiões de “Felizes para Sempre”, no “Semanário Expresso”, e “As Crónicas de José Esteves”, no Diário de Notícias, etc.
Em meados de 2003, depois de já ter realizado algumas aparições em televisão, como por exemplo no programa de humor de stand-up comedy, Levanta-te e ri da SIC, juntou-se a Miguel Góis, Tiago Dores e Zé Diogo Quintela, para a realização de diversas rubricas no programa de Fernando Alvim e Nuno Markl, “O Perfeito Anormal”, na SIC Radical. E assim, posteriormente, surgiu o grupo humorístico Gato Fedorento, que se tornou uma referência do humor português, tendo assinado várias séries na SIC Radical e depois na RTP1.
Ainda na RTP1, em 2007, apresentou com o quarteto do Gato Fedorento: “Diz Que é Uma Espécie de Magazine” em 2007. Logo a seguir retornou à SIC, com Zé Carlos, em 2008, e em 2009 apresenta Gato Fedorento: “esmiúça os sufrágios”. Os humoristas geriam um blog homónimo na internet, onde Ricardo Araújo Pereira assinava as suas entradas com as iniciais RAP. Depois de todo este percurso, o humorista teve ainda várias aparições no programa de humor da SIC, Levanta-te e Ri.
Escreveu ainda semanalmente rubricas no jornal A Bola. Inicialmente integrou o painel de debate Governo Sombra, apresentado por Carlos Vaz Marques e com Pedro Mexia e João Miguel Tavares, na TSF, depois na TVI24 e atualmente na SIC. Protagoniza ainda a rubrica “Mixórdia de Temáticas” na Rádio Comercial.
É co-autor do livro “O futebol é isto mesmo (ou então é outra coisa completamente diferente)” e do disco “O disco do Benfica”. Publicou quatro volumes de crónicas da Boca do Inferno, entre 2007 e 2013, sendo que um dos volumes foi distinguido com o Grande Prémio de Crónica APE em 2009. Lançou ainda dois livros da Mixórdia de Temáticas, um em 2012 e o outro em 2014. Em dezembro de 2016, publicou “A Doença, o Sofrimento e a Morte Entram num Bar”, que é uma espécie de manual de escrita humorística. O “Reaccionário com dois cês”, foi publicado em novembro de 2017 em Portugal e no brasil e retrata as Rabugices sobre os novos puritanos e outros agelastas. As suas duas últimas obras publicadas foram “Estar vivo aleija”, em 2018 e “Idiotas úteis e inúteis” em 2020. Todas as obras são de cariz humorístico sarcástico e sempre no foco da atualidade.
Em 2009, Ricardo Araújo Pereira foi premiado com o Prémio Arco-íris, da Associação ILGA Portugal, pelo seu contributo, enquanto humorista, na luta contra a discriminação e a homofobia e em 2013, venceu o Grande Prémio da Crónica, com o seu livro “Novas Crónicas da Boca do Inferno” selecionado pela Associação Portuguesa de Escritores, em parceria com a Câmara Municipal de Sintra.
Em janeiro de 2020, voltou à SIC como apresentador do seu novo programa humorístico “Isto é Gozar com Quem Trabalha”, estreado a 1 de março de 2020, e que está em exibição até aos dias de hoje. Atualmente ainda participa no programa “Programa cujo nome estamos legalmente impedidos de dizer”, que até agosto de 2021 era designado por “Governo Sombra”, depois de 17 anos a escrever crónicas na revista “Visão”, Ricardo Araújo Pereira em dezembro de 2021 passou a assinar crónicas semanais na revista do “Expresso”.
Uma frase citada e bastante emblemática do humorista é: “Há poucas sensações no mundo que me deem mais prazer do que uma gargalhada que faz as paredes da casa abanarem”.
Ficha técnica de “Isto é gozar com quem trabalha”
“Isto é gozar com Quem Trabalha” é um talk-show de comédia da televisão portuguesa, apresentado pelo comediante Ricardo Araújo Pereira. É produzido e exibido pela SIC, todos os domingos às 21:30, desde 1 de março de 2020 até aos dias de hoje, tendo a duração total de 60 minutos, contando com os intervalos publicitários, pois cada episódio apenas apresenta em média 40 minutos. Por norma são abordados entre 4 e 6 temas polémicos da atualidade de cariz político e social.
Atualmente o programa possui 6 temporadas, sendo que a primeira conta com 17 episódios, a segunda com 12, a terceira com 20, a quarta com 13, a quinta com 28 e a sexta que ainda está a decorrer com 15. No total o programa “Isto é gozar com Quem Trabalha” enquadra 105 episódios. Além do apresentador, o elenco é composto por Joana Marques, José Diogo Quintela, Miguel Góis, Cláudio Almeida, Manuel Cardoso, Cátia Domingues e Guilherme Fonseca.
Descrição de um episódio
“Isto é gozar com quem trabalha” é atualmente, não só o programa líder de audiências da SIC, como o mais visto na televisão portuguesa. O seu formato inicial estreou em 2019, na TVI, passando depois para a SIC.
O programa surge atualmente como um show, que pode ser assistido ao vivo no Teatro Villaret, em Lisboa, ou visto no canal televisivo SIC, nos domingos à noite. Pode ainda ser ouvido em formato de podcast na plataforma Spotify.
“Não é discutível, é mesmo criticável e agora vamos esquecer aquilo”, foi o episódio apresentado no dia 20 de novembro de 2022, apresentado por Ricardo Araújo Pereira em que este analisou os direitos humanos no Mundial de 2022, no Qatar.
O programa inicia-se com fortes aplausos por parte da plateia presente e segue-se com as boas-vindas de Ricardo Araújo Pereira, que continua dizendo que começou, naquele dia, o Campeonato mundial de futebol, no Qatar, referindo que no último ensaio antes do mundial Portugal venceu contra a Nigéria e que o presidente Marcelo Rebelo de Sousa perdeu contra um microfone da TVI (ouvem-se risos de fundo que destacam o tom humorístico desta frase).
Passa-se a imagem para um excerto da entrevista dada pelo presidente, em que este afirma que o Qatar não respeita os direitos humanos e segue dizendo, “mas esquecendo isso, concentremo-nos na equipa”, fazendo uma avaliação positiva ao desempenho da mesma.
Ricardo, de volta ao plano principal, repete este último discurso de Marcelo, imitando a voz do mesmo, sorrindo, e apresenta uma montagem de Marcelo a segurar numa caixa de comprimidos com a legenda “esqueçofante”. Brinca ainda dizendo que temos de meter o assunto dos direitos humanos para “trás das costas”, que “deve ser onde eles levam as chicotadas”, realçando o problema tão polémico na escolha do local do Mundial.
Ironiza ainda dizendo, na “voz” do presidente, simulando que era algo que o mesmo diria “direitos que me interessam agora são quais? São os laterais direitos”, dando ênfase à importância dada ao mundial comparativamente à falta de direitos humanos que o Qatar apresenta.
De modo e enfatizar esta questão admite ainda que esta estratégia resulta mesmo, representando, “Sr. Presidente então os direitos humanos no Qatar?” ao qual responde imitando a voz de Marcelo “Pois, isso realmente é chato…*pega numa bola de futebol* e a bola menino?” Repetindo “olha a bola” várias vezes como se costuma fazer com os cães, terminando com “busca a bola”. Adianta ainda que algumas pessoas criticaram esta ideia de nos esquecermos da questão dos direitos humanos e nos focarmos no futebol, mas que podia ter sido pior, admite, em tom irónico, que até achou que o presidente arranjou uma maneira sofisticada e querida de dizer *fazendo uma voz diferente da sua* “Os direitos são como as gajas, eu quero ver a bola e elas não deixam”.
Termina dizendo que é mágico o facto de que se houver uma bola de futebol por perto, tolera-se as maiores atrocidades, refere ainda que isto não é uma teoria sua e que tem provas de tal.
Segue-se uma montagem de um discurso do ditador Adolf Hitler a dar “toques” numa bola de futebol, em que Ricardo diz que se Marcelo vê estas imagens começa a gritar para o mesmo chutar a bola ignorando todo o discurso proferido. Imita novamente a voz do presidente, ridicularizando a situação, e simula uma situação de jogo.
Segue-se um vídeo que surgiu no dia após serem lançadas algumas críticas à entrevista, onde neste Marcelo diz perceber pouco de futebol, que o questionaram sobre o mesmo e que ele é que introduziu o assunto relativo aos direitos humanos.
Ricardo brinca com uma expressão que o mesmo faz durante as suas justificações e diz ser impossível contrapor o mesmo, sendo que só nos resta aceitar, analisando que de facto foi ele que introduziu esta questão, porém a forma como a introduziu não foi a melhor *gesticula excessivamente enquanto explica isto*, seguindo-se de um vídeo que mostra como Marcelo referiu este assunto onde este diz que é um Mundial difícil, num país difícil seja na construção dos Estados e “isso tudo” (onde gesticula como Ricardo exagerou anteriormente).
O comediante continua dizendo que este é um gesto que se faz, por exemplo, a uma terça-feira quando nos perguntam o que havemos de jantar no domingo, imitando a voz e gestos de Marcelo, dizendo “Sei lá isso depois vê-se”. Chama a atenção para o facto de haver chefes de estado que podem levar a mal esta atitude, mostrando um vídeo de Marcelo na assembleia onde diz que os direitos humanos estão em questão em tantas partes do globo que importa nos focarmos no mesmo.
É apresentada, após este discurso, uma montagem de Marcelo a puxar a orelha a si próprio com a legenda “Cataralhoco”, onde o humorista enfatiza que o mesmo já teve um discurso bastante sensato sobre este tema e que agora o ignorou face ao futebol. Imita, mais uma vez a voz do presidente celebrando que o que importa é levarmos a taça.
Entretanto, na quinta-feira Marcelo falou novamente sobre este assunto, mas o humorista brinca dizendo que só o fez porque não deixaram os restantes adeptos que queriam denunciar o tema entrarem, pois estavam com uma camisola da amnistia internacional, mostrando-se um vídeo da SIC que revela este acontecimento. Ricardo diz que a federação portuguesa já estava a ambientar os adeptos às políticas do Qatar, dando-lhes um “cheirinho” do ambiente autoritário. Face a este tema sugere aos adeptos que parem de usar essa camisola e comecem a usar uma, que mostra ao público, amarela onde se lê “Amnésia Internacional”, como forma de esquecer os direitos (novamente faz este discurso com a voz de Marcelo).
Mostra que o público já aderiu, virando o plano para a plateia onde todos surgem com a camisola vestida. Acaba dizendo que esta é uma associação que defende os direitos “hm”manos.
Análise do programa
Partindo da pergunta de análise inicial, “que elementos utiliza este programa para chegar, por meio do humor, ao seu público?” é interessante analisarmos não só alguns episódios como também a organização do programa, os elementos que o constituem e a equipa que está por trás da mensagem passada ao público.
O guião do programa conta com a criatividade do apresentador, Ricardo Araújo Pereira, e da também humorista, Joana Marques, voz do programa da Rádio Renascença “Extremamente desagradável” e vencedora do Globo de Ouro, no presente ano de 2022, na categoria “Personalidade do Ano – digital”. Temos, portanto, dois grandes humoristas a liderar a parte criativa e todo o processo de escrita deste programa.
Ainda na parte escrita, Ricardo Araújo Pereira revela um pouco do seu processo criativo numa entrevista à rádio Renascença e, confessa que, contrariamente ao que se possa pensar, é frequente estarem no intervalo do próprio show a acabarem o guião da segunda parte do mesmo. Não é, portanto, um trabalho feito com antecedência, mas que, segundo as estatísticas e os números das audiências, resulta.
Recuando ao passado profissional de Ricardo Araújo, a sua equipa conta com a colaboração de dois ex-participantes do programa “gatos fedorentos”, onde este obteve bastante reconhecimento.
Segundo o humorista, a frase tem de ser constituída de determinada forma, com uma sequência de palavras específica para provocar o riso, há frases que, segundo o mesmo, se forem ditas com as mesmas palavras, porém, ordenadas de outra forma, já não terão o mesmo efeito no público. São estes pormenores que permitem que a mensagem passe ao público de forma cómica sem perder a sua credibilidade.
Relativamente ao programa, este tem por norma um cariz político, onde são abordados assuntos atuais de forma caricata. Falando especificamente dos episódios, estes abordam um pequeno número de temas que, por norma, aconteceram ao longo da semana e de forma a mostrar os mesmos são muitas vezes passados pequenos clips desse mesmo acontecimento, seja um discurso, um evento, etc.
É frequente escolherem uma pequena parte do vídeo, até 1 minuto, que certamente será a parte mais engraçada ou com a qual vão fazer algum tipo de piada. Não só são visualizados pequenos filmes como também, Ricardo Araújo Pereira, recorre frequentemente à imitação de vozes, de políticos como é mais usual, e repete ou ridiculariza o discurso dos mesmos imitando as suas vozes. É de realçar que o faz sempre de forma cómica, natural e que enquanto o faz atualiza o público sobre os assuntos do momento.
A ironia é a base do seu programa, para além de um texto bem construído e de clips de vídeos muito bem pensados para o assunto em questão, são usadas com alguma frequência montagens, que ilustram o discurso do apresentador e que são conjugadas com trocadilhos satíricos. Pegando em exemplos de episódios concretos, temos “ Os 125 euros do Governo? – “Foi mais uma promessa de António Costa que caiu, mas está na conta”
Neste episódio reparamos na maneira informal de se expressar, que mais parece uma conversa, com o público, onde comunica não só com quem está em casa, mas também com a plateia que o assiste ao vivo. Ricardo Araújo Pereira comenta o discurso de André Ventura, líder do partido CHEGA, onde o mesmo defende que devia existir uma fiscalização para que os cidadãos não gastassem os 125 euros de apoio do estado em produtos como álcool ou drogas.
De forma a satirizar este discurso começamos com um pequeno vídeo da entrevista onde ocorreu esse discurso e, para além da ironia, trocadilhos e discurso cómico que acompanha todos os episódios, temos a presença de Joana Marques que liga para o partido CHEGA, na tentativa de entender se pode comprar um molho cocktail, visto que este pode estar associado a álcool.
Dentro de brincadeiras deste tipo, o episódio transmite, como usual, informações atuais de uma forma descontraída e engraçada. São ainda usadas montagens de jornais feitas pela produção de modo a enfatizar a ideia e a mensagem satírica que o programa pretende transmitir.
Referindo outro episódio, temos o “Pacote de medidas do Governo”, em que o apresentador o compara aos pacotes das operadoras de telecomunicações “ao princípio parece ter vantagens, mas depois sai caro, e temos de ficar agarrados aquilo durante anos” (…) No fundo, chama- se pacote porque é um conjunto de medidas que só nos vai deixar ficar com dinheiro para comprar vinho de pacote”.
Em suma, nos episódios são utilizados memes, gestos, expressões faciais, olhares e tons de voz diferentes como forma satírica, irónica e cómica. A forma como Ricardo se dirige ao público, utiliza os trocadilhos e todos os vídeos apresentados faz com que o público siga o seu raciocínio, e fique, sem que se aperceba, informado sobre a atualidade enquanto se diverte.
Plano de Expressão
Códigos Visuais
É utilizada uma câmara fixa em todos os episódios, num ângulo normal, com uma visão frontal e um plano médio que se foca no apresentador ou, por vezes, na plateia, continuando no mesmo plano.
Relativamente à iluminação esta é naturalista e são usados em alguns episódios adereços de cena, como placas, por exemplo no episódio “António Costa alvo de bruxaria”. O governo está possuído pelo demónio”, em que é usada uma placa com emojis para simbolizar o estado de espírito do presidente Marcelo Rebelo de Sousa.
Está também sempre presente na sua secretária uma caneca com uma estampa com o nome do programa. É sempre apresentado por Ricardo Araújo Pereira, que se apresenta sempre num estilo formal, de fato e gravata, mais especificamente. A imagem por sua vez, também surge sempre numa excelente qualidade sendo que é um produto televisivo, gravado com qualidade para tal, 1080i (HDTV).
Códigos Sonoros
Sendo que o programa é gravado ao vivo, com presença de plateia, o áudio é também captado ao vivo, enquanto acontece o evento, tendo sempre uma excelente qualidade técnica de áudio, cuidada e trabalhada por profissionais da SIC.
São também apresentados excertos de notícias que já passaram na televisão, normalmente em noticiários televisivos.
O ritmo do programa acontece de forma moderada, permitindo acompanhar os tópicos sem grandes dificuldades, mas não perdendo o interesse pois não existem pausas, intervalos ou longos silêncios. Conclui-se então que os episódios apresentam sempre a mesma estrutura, não sendo necessário analisar um episódio em isolado para compreender o plano de expressão do programa, que foi descrito nos parágrafos anteriores.
Plano de Conteúdo
Este é um programa relevante pois aborda temas atuais e polémicos que chamam a atenção do público, sendo estes estimulantes do pensamento e que levam posteriormente ao debate de ideias, pois faz com que o público reflita sobre os mesmos, ampliando assim o horizonte do seu pensamento.
A maneira como o apresentador aborda cada situação promove a consciencialização política e social, estimula a participação cívica e permite a diversidade de pontos de vista de todos aqueles que assistem ao programa. Além de mostrar excertos de notícias com acontecimentos da semana, maioritariamente ligados à política, de interesse público, não só informa os espectadores como os entretém. Traz também temas adequados e que apelam à imaginação e ao pensamento crítico.
Mensagem Audiovisual
Na mensagem audiovisual do programa entendemos que “Isto é gozar com quem trabalha” é um projeto inovador, não existindo até hoje nenhum formato de programa parecido, mostrando a originalidade e criatividade de Ricardo Araújo Pereira e Joana Marques.
Cada semana os episódios apelam a temas polémicos, que podendo ser de certo modo enfadonhos para os espectadores, Ricardo Araújo Pereira apela à curiosidade dos mesmos pela sua redundância, pela sua proposta clara de sátira, mas nunca desvalorizando os assuntos em questão, observando-se assim a eficácia na transmissão da mensagem. O apresentador não tem uma ligação direta com o público, podendo na mesma ouvir as suas gargalhadas contagiantes, não só para Ricardo, mas para todos os espectadores em casa.
Conclusão
Ao longo desta pesquisa apoiámo-nos em Roland Barthes, no que este defende e nas suas obras. Uma revisão literária que nos permitiu aprofundar a nossa análise semiótica, bem como a compreensão da mesma. De modo a abordar a televisão e o ambiente onde este programa surge, tivemos também como base o excerto de uma obra, de Umberto Eco, que surge como título “Apontamentos sobre a televisão” e que nos auxiliou na investigação semiológica da mensagem televisional e, mais concretamente, do programa “Isto é gozar com quem trabalha”.
Assim, através de uma análise aprofundada ao programa, aliada a uma boa revisão literária e ao conteúdo lecionado na unidade curricular, conseguimos dar resposta à pergunta que colocámos inicialmente, sendo esta “Que elementos utiliza este programa para chegar, através do humor, ao seu público?”, resposta essa que foi explicada ao longo de todo o trabalho mas que, de forma sucinta, se baseia na estruturação pensada do texto apresentado, bem como nos elementos que lhe dão “vida”, podendo estes ser montagens, cenários, diferentes vozes, entre outros apresentados anteriormente.
Este programa consegue assim, com um texto estrategicamente bem pensado, aliado a uma boa dose de humor, característica dos guionistas em questão, e com a junção de elementos verbais e não verbais chegar, através do humor, ao público.
Como já foi referido a semiótica tem um papel bastante relevante na análise dos conteúdos mediáticos, especialmente neste caso em que nos auxiliou a compreender a mensagem e a forma como esta era transmitida para o recetor. Assim, é possível concluir que a semiologia pode responder e aprofundar de forma detalhada os códigos e os quadros de referência, bem como auxiliar na análise aprofundada de conteúdos mediáticos.
Referências
RTP Arquivos. (2022). Fonte: Rádio e Televisão de Portugal: https://arquivos.rtp.pt/programas/
Eco, U. (1964). APOCALÍPTICOS E INTEGRADOS. Relógio D’Água.
Farinha, R. (2021). Fonte: NIT: https://www.nit.pt/cultura/livros/depois-de-17-anos-na- visao-ricardo-araujo-pereira-muda-se-para-o-expresso
Fnac. (s.d.). Fonte: Biografia Ricardo Araújo Pereira: https://www.fnac.pt/Ricardo-Araujo- Pereira
Fox, N. (2022). Ricardo Araújo Pereira: “Há poucas sensações no mundo que me deem mais prazer do que uma gargalhada que faz as paredes da casa abanarem”. Expresso.
Isto é Gozar com quem Trabalha (s.d.). Fonte: SIC: https://sic.pt/programas/istoegozarcomquemtrabalha/
Isto é Gozar com quem Trabalha.(s.d.). Fonte: betasites: https://www.betaseries.com/pt/show/isto-e-gozar-com-quem-trabalha
Pereira, R. A. (2017). Reaccionário com Dois Cês Rabugices sobre os Novos Puritanos e Outros Agelastas. Tinta da China.
Ricardo Araújo Pereira. (s.d.). Fonte: Portal da Literatura: https://www.portaldaliteratura.com/autores.php?autor=631
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