Por: Isabella Veiga, Isadora Matta, Isadora Pressoto, Lara Gourlart
A presente análise tem como foco o estudo da marca de cerveja Itaipava e as polêmicas que envolvem a objetificação e sexualização da imagem feminina em suas campanhas publicitárias. A escolha deste objeto foi motivada pela significativa controvérsia suscitada por campanhas emblemáticas, notadamente “Verão com Itaipava” (2015) e “Itaipava Premium Pilsen” (2014), nas quais a marca associou a imagem da cerveja a representações sensuais de mulheres em trajes de banho. Tais estratégias publicitárias frequentemente sugerem que o consumo da cerveja está intrinsecamente ligado à atração de mulheres, perpetuando a noção de que o corpo feminino pode ser instrumentalizado como um meio de satisfazer os desejos masculinos.
Este estudo não se limita à mera exposição de práticas controversas, mas busca, através da lente da semiótica, desvendar como os signos e símbolos empregados nas campanhas publicitárias da Itaipava contribuem para a construção da identidade da marca. Pretende-se, assim, analisar de que forma tais elementos influenciam a perceção do consumidor e moldam a interpretação social das mensagens publicitárias. Ao trazer à tona a interseção entre a linguagem publicitária e as representações de gênero, esta análise visa contribuir para uma compreensão mais profunda do papel da publicidade na construção e perpetuação de estereótipos, especialmente no contexto da indústria cervejeira no Brasil. Para tanto, propomo-nos a pensar como os signos e símbolos utilizados nas campanhas publicitárias da marca Itaipava contribuem para a construção da identidade da marca, influenciam a perceção do consumidor e afetam a interpretação social das mensagens publicitárias.
Objeto de análise
A marca Itaipava se destacou negativamente em relação às práticas publicitárias que exploram a imagem feminina para impulsionar vendas. No entanto, não está sozinha nessa discussão. Outras cervejarias de renome, como a Skol, também desempenham papéis significativos na apropriação da imagem feminina em suas propagandas. Por exemplo, a campanha Skol no Comando (2012) foi amplamente criticada por retratar mulheres como objetos de consumo. Na campanha, elas vestem fantasias sexuais de comissárias de bordo, enquanto os homens permanecem em uma posição de autoridade, reforçando os estereótipos de gênero.
Já a campanha Skol 360 (2015) gerou repercussão ao incluir um rótulo nas garrafas da cerveja que, ao ser escaneado pela câmera do smartphone, abria um aplicativo de realidade aumentada com a representação de uma mulher virtual dançando sensualmente. A campanha foi apontada como um reforço a um estereótipo prejudicial ao gênero, contribuindo com a cultura de objetificação do corpo feminino dentro da publicidade. O lançamento da Skol Hops (2018), uma nova cerveja da marca, também incomodou o público ao colocar mulheres vestidas de forma sensual e em poses sugestivas para promover a bebida. Diversos críticos argumentaram sobre a exploração da imagem da mulher para favorecer as vendas da indústria cervejeira.
Outra marca que investia em um mesmo estilo de propaganda é a Devassa. Seu primeiro vídeo de lançamento foi retirado do ar, devido ao conteúdo sexista e desrespeitoso em relação às mulheres. Além de produzir conteúdos extremamente apelativos, a marca contratou mulheres famosas para atrair a atenção do público em algumas campanhas, como Devassa Bem Loura (2010), que contou com Paris Hilton, e Universo Devassa (2013), cuja garota propaganda era Alinne Moraes. Ambas sexualizam os corpos femininos: Paris esfrega a cerveja no corpo e é fotografada por um paparazzi, enquanto a campanha de Alinne Moraes tem como lema “Tenha sua primeira vez com a Devassa”. Além desse slogan ser inteiramente relacionado à sexualidade, as mulheres presentes no comercial falam frases como “a Devassa te pega pelo colarinho, te seduz pelo aroma e te dá água na boca”, reforçando o caráter sexualizado da campanha.
Em relação ao objeto de análise, a campanha Verão com Itaipava (2015) é um exemplo notório de como a marca associou a cerveja a imagens sensuais de mulheres em trajes de banho. A publicidade frequentemente as destacava como elemento central e sugeria que a cerveja poderia ser um instrumento para atrair mulheres, promovendo a ideia do corpo feminino como objeto para satisfação dos desejos masculinos. Outra campanha, Itaipava Premium Pilsen (2014), também utilizou a imagem feminina de maneira provocativa para chamar a atenção do público, com imagens de mulheres atraentes servindo ou apreciando a cerveja. Além destes dois exemplos, decidimos analisar e aprofundar o estudo a partir de outras três propagandas da marca, sendo elas Vai e Vem (2015), Sair do Mar (2015) e Teste (2013).
Análise da campanha Vai e Vem (2015)
A Itaipava destaca-se como uma figura proeminente no cenário de cervejas no Brasil. Conforme relato do Jornal MoneyTimes, o consumo de cerveja no país representa 7% do consumo mundial, posicionando-o como o terceiro maior mercado global, atrás apenas da China (27%) e dos Estados Unidos (13%). Segundo a mesma fonte, a Itaipava figura como a quinta marca mais vendida no Brasil, consolidando sua posição como líder de vendas na região Nordeste. No entanto, essa proeminência no mercado cervejeiro brasileiro também traz à tona questões pertinentes relacionadas à representação social em suas campanhas publicitárias. O histórico da marca suscita debates, especialmente quando consideramos que o público-alvo tradicional das cervejas é composto predominantemente por homens heterossexuais de diferentes classes econômicas, com faixa etária acima dos 18 anos.
Ao definir esse perfil como o público-alvo, a publicidade de cerveja emprega estratégias persuasivas, sendo o uso da imagem feminina uma das táticas mais comuns para atrair a atenção desses homens. A partir do propósito principal deste estudo, que consiste em examinar as interpretações atribuídas à representação feminina nas campanhas de verão da cerveja Itaipava, desenvolvemos o seguinte objetivo: analisar, dentro da perspetiva semiótica de Peirce, os signos e símbolos presentes nas campanhas de verão da cerveja Itaipava, buscando entender como ela constrói significados e como se apresentam os elementos de caráter qualitativo-icônico da propaganda.
Dentro da perspetiva de análise qualitativo-icônico, a cor é uma qualidade visual que pode ser usada para transmitir uma variedade de significados. As cores podem ser associadas a emoções, conceitos ou valores. O tom de azul está presente no céu e no mar, criando um ambiente de descontração e lazer. O vermelho é uma cor majoritária, que se destaca na roupa da Verão, além de ser parte do logotipo da marca. O vermelho é associado à paixão, à sensualidade e ao desejo, o que enfatiza a sexualidade feminina. Essa combinação cria um ambiente de contraste, onde o azul representa a pureza e a tranquilidade e o vermelho representa a paixão e a sensualidade, criando um efeito de sedução, que é reforçado pela imagem da mulher e pelo contexto da propaganda.
A iluminação utilizada é predominantemente natural. A cena é filmada durante o dia, em uma praia, com luz solar abundante, responsável pela sensação de um ambiente de descontração e lazer. A iluminação é paralelamente utilizada para destacar a beleza da mulher, sendo utilizada de forma a ressaltar seus atributos físicos, como o corpo curvilíneo e o cabelo longo.
A campanha sugere que a Itaipava é a cerveja perfeita para o verão. A imagem de Aline Riscado, também chamada de Verão (aumentativo do nome Vera), retrata uma mulher sensual e sedutora, que representa a estação mais quente do ano. A estratégia parece reforçar os papéis de gênero tradicionais, associando a figura feminina à beleza e à sensualidade.
No aspecto linguístico, a campanha adota uma abordagem coloquial e informal, em uma tentativa de estabelecer uma conexão mais próxima entre a marca e seu público-alvo. Complementando essa estratégia, a música, animada e contagiante, típica das festas de verão, visa criar um ambiente propício à alegria e descontração.
Análise da campanha Sair do Mar (2015)
Outra campanha publicitária feita pela Itaipava no mesmo ano é a Sair do Mar, que causou diversas polêmicas e foi, inclusive, suspensa pelo Conar, o Conselho Nacional Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, devido ao apelo sexual excessivo. No começo do vídeo, a câmara enquadra a mulher no mar, com o biquíni apertado. Ela se levanta da água após o mergulho de forma sensual, ajeitando o cabelo e deixando o corpo em foco. Ao tocar em seu próprio biquíni, a moça chama a atenção para sua região mamária, que é uma zona sexualizada. Ela veste um biquíni vermelho, cor associada à paixão e à sensualidade.
Em seguida, enquanto Aline Riscado anda e se movimenta, aparece outro personagem na propaganda, que tenta dar um tom humorístico à peça publicitária. Devido ao foco na atriz, fica claro que o homem está olhando para ela. Sugere-se uma ereção no homem, que é sinalizada pela maneira em que ele olha para baixo e coloca a mão na frente do corpo.
É interessante reparar que o homem busca representar um cidadão comum, passando ao público a sensação de que este poderia ser qualquer indivíduo que está assistindo ao vídeo. Após esse acontecimento, a câmara foca em um terceiro elemento crucial da propaganda: uma espécie de narrador, que relaciona a situação anterior com a cerveja Itaipava.
Nota-se que este personagem tem o estereótipo do menino engraçado, que faz piadas. Ele usa uma blusa de verão aberta, com estampas diversificadas e uma bermuda cinza. Assim, o indivíduo, que parece ter por volta de 40 anos de idade, caracteriza-se por um estilo considerado “brega” e exibe uma figura física mais robusta. Sua comunicação é marcada por um senso de humor expressivo, evidenciado por suas piadas e comentários bem-humorados, o que contribui para um ambiente descontraído ao longo do vídeo.
Este homem afirma que o outro homem se “empolgou demais” e sugere o “caô da conchinha”, explicando que, para situações como essa, os homens devem fingir que pisaram em uma concha, assim conseguem se curvar e mancar até sua cadeira de praia sem ninguém identificar o real acontecido.
Ao retornar para a cadeira, ele retira sua Itaipava do cooler, cruza as pernas e, dessa forma, soluciona o devido problema, conforme a imagem abaixo. A mulher é totalmente sexualizada no comercial e aparenta ser culpada pela situação. Ainda no final do vídeo, a câmara foca no primeiro homem do vídeo, que está, agora, sozinho na água. Isso reforça que o “caô da conchinha” é a solução ideal, remetendo à cerveja Itaipava. Além disso, a praia, onde se desenrola toda a trama, é também um ambiente em que as pessoas estão normalmente com menos peças de roupas, o que contribui para o desenrolar da situação machista criada.
A iluminação do vídeo remete totalmente ao período da campanha, o verão. É mais iluminada e amarelada devido ao sol, que está no seu ápice. A trilha sonora divertida, que complementa o código sonoro, tem um som de fundo animado, colaborando para o humor que os criadores tentaram fabricar. Dessa forma, a campanha reafirma a mulher como um objeto que se consome, visto e analisado apenas pelo seu aspecto físico. Assim, esse outro corpus escolhido para o trabalho foi considerado relevante para ser analisado, dado aos mesmos motivos da última campanha, sendo uma confirmação autêntica do estudo.
Análise da campanha Teste (2013)
O último comercial a ser analisado está disponível no canal da Itaipava e é uma propaganda de 1 minuto. A primeira cena mostra um homem, sentado em uma cadeira, e uma “bancada de jurados” formada por seus amigos. A sala possui muitos espaços vazios e a iluminação é baixa. Eles iniciam um diálogo: “agora o último teste, a ex-namorada do Pedrão”. A seguir, uma mulher usando salto alto entra na sala, caminhando vagarosamente em direção ao rapaz sentado à frente dos seus colegas. Esta maneira de andar da mulher, desfilando de forma sedutora, explora e reforça estereótipos de gênero, contribuindo para a objetificação das mulheres. A estética é sexualizada, e o corpo feminino é representado, novamente, como um objeto de desejo.
O salto alto, muitas vezes associado à feminilidade e sensualidade, é utilizado como um dispositivo simbólico. Essa representação reforça a ideia de que a feminilidade está ligada à aparência e ao comportamento sedutor, perpetuando normas prejudiciais e limitadoras para as mulheres. Além disso, a escolha de apresentar a caminhada em direção ao homem sugere uma dinâmica de poder na qual a mulher é voltada à satisfação masculina.
A mulher passa as mãos pelo corpo do homem de forma extremamente sexual, enquanto o olha desejosamente e suspira em seu ouvido. Ele, por sua vez, narra os pensamentos para quem está assistindo: “ela é uma deusa”, “será que o Pedrão é tão meu amigo assim”, “vem só mais perto para eu poder te dar um beijo”. Entretanto, quando ela se inclina para beijá-lo, ele desvia. Todos os seus amigos – que até então assistiam à cena de boca aberta – comemoram a negação e fazem um brinde com a cerveja Itaipava. A bebida aparece pela primeira vez faltando apenas 5 segundos para o fim do comercial. O espectador passa 55 segundos sem saber do que se trata o anúncio, pois o conteúdo não faz referência alguma à cerveja antes do brinde dos amigos.
É possível observar que a iluminação objetiva a dramatização dos acontecimentos. Por exemplo, quando a mulher entra na sala, escura e iluminada apenas por uma janela, somente seus pés aparecem, e há um silêncio dos homens que estão na bancada. Só o barulho do salto alto é ouvido. Esses elementos criam tensão, corroborada pelas expressões faciais de nervosismo. A bancada dos amigos simboliza um ambiente de julgamento, e a ênfase na frase “a ex-namorada do Pedrão” torna-se um signo que aumenta essa tensão. O comportamento sensual da mulher e as reações dos amigos remetem a padrões culturais e sociais relacionados à sedução e às interações de gênero, enquanto a negação final, seguida pelo brinde com a cerveja, atua como um símbolo de triunfo e celebração da resistência do homem na cadeira.
Os comentários no vídeo da Itaipava, majoritariamente de homens, exaltam a propaganda, afirmando, por exemplo, que deveria ser eleita a melhor do ano, que foi uma das coisas mais engraçadas que já assistiram e que o homem na cadeira foi incrível por resistir a um “mulherão desse”.
A análise das publicidades da Itaipava destaca uma estratégia publicitária que utiliza uma combinação de elementos visuais, sonoros e narrativos para vincular uma imagem sexualizada da figura feminina à cerveja. As campanhas associam a marca não apenas a um produto, mas também a valores, desejos e identidades culturais.
Apesar do histórico extremamente sexista, a equipe de marketing da Itaipava decidiu ressignificar suas propagandas e seu estilo de vendas. Hoje, muitas de suas campanhas englobam a diversidade e integram a mulher não mais como um objeto de consumo e desejo, mas sim como consumidora do produto.
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