Por: Barbara Reguengo, Melissa Rezende
O século XX testemunhou uma extensa quantidade de conflitos, dentre os quais vale-se ressaltar o nazismo, um dos períodos mais sombrios da história moderna. O regime nazista, liderado por Adolf Hitler, representa uma ideologia totalitária que emergiu na Alemanha no período entreguerras (1933-1945) e foi marcado por uma combinação nociva de racismo excessivo e nacionalismo extremo. O Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães ascendeu ao poder em 1933, sob o controle autoritário de Hitler, que implementou políticas totalitárias, promoveu a superioridade racial ariana e realizou uma perseguição sistemática aos judeus e outras minorias. Isso resultou em milhões de pessoas exterminadas em campos de concentração, uma das maiores catástrofes humanitárias.
A ideologia Nazista, apesar de extremista, englobou um imenso número de adeptos. Para além do antissemitismo, partilhava ideais racistas, totalitaristas e autárquicas. O alto nível de aceitação e envolvimento do povo alemão sob a doutrina ariana nos leva a questionar os métodos de implementação da mesma. Sob esse panorama, faz-se imprescindível uma análise do papel dos meios audiovisuais que auxiliaram a execução bem sucedida do regime, desde o uso publicitário utilizado para moldar a percepção pública até a promoção ideológica do nazismo e o controle de informação. Para orientar o trabalho, elegemos a pergunta “Como os elementos semióticos presentes na publicidade e propaganda nazista atuaram como uma arma política e fomentaram o poder de persuasivo do regime ?” Buscamos refletir de que forma as mensagens propagandísticas podem moldar a sociedade e influenciar eventos históricos.
Objeto de análise e contexto histórico
Pode-se observar o impacto das mídias sobre a sociedade e seus patamares políticos. O termo “quarto poder”, originado na tradição liberal britânica e influenciado pelo pensamento político inglês do século XIX, trata-se de uma expressão utilizada para designar o jornalismo e os meios de comunicação de massa como órgãos influentes em nossa sociedade. Com esta análise semiótica, temos por objetivo discorrer sobre a influência da grande mídia e sua contribuição em decisões sociais, na opinião pública e na agenda comunicativa. Para concluir tal análise, nosso objeto de estudo encontra-se na publicidade realizada dentro do regime nazista e na exemplificação de alguns caratazes difundidos durante o período.
A ascensão do Nazismo na Alemanha durante o período entreguerras foi um fenômeno complexo moldado por um contexto histórico desafiador e instável. Grande parte dos países estava inserida em um panorama socioeconômico danificado, marcado por desemprego, caos econômico, inflação, crises na indústria e no comércio. Este cenário foi propício para para ascensão de governos totalitários de modo que a crença no capitalismo como sistema econômico vigente estava parcialmente cética.
Nesse contexto de fragilidade econômica e política, a República de Weimar, estabelecida após a abdicação do Kaiser Wilhelm II, estava enfrentando uma gama de desafios para manter uma democracia estável. Um desses desafios foi o surgimento de grupos políticos, que à medida que competiam pelo poder, minavam a estabilidade de um governo democrático.
Além dos significativos desafios enfrentados pela República, a população enfrentava um sentimento de humilhação. Após a derrota na Primeira Guerra Mundial e o Tratado de Versalhes, os indivíduos tinham o desejo de restaurar a grandeza nacional alemã. Esse sentimento foi explorado por Adolf Hitler, ex-general Alemão, membro do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães. Hitler possuía uma oratória persuasiva e capacidade de explorar as emoções coletivas, aspectos que foram fundamentais para conquistar apoio popular.
Seleção e análise das propagandas nazistas
Optamos por escolher os cartazes a seguir, específicos para a nossa análise, devido à singularidade e à riqueza de elementos simbólicos que possuem. Esta escolha fundamenta-se também no facto de serem cartazes de fácil análise e compreensão, tornando-os especialmente pertinentes para o objetivo do nosso trabalho. Por fim, a seleção destes cartazes baseou-se, ainda, na sua capacidade de transmitir claramente as mensagens relacionadas à propaganda nazista.
A escolha da acessibilidade não sacrifica a profundidade analítica; ao contrário, visa proporcionar uma base sólida para a compreensão da manipulação simbólica presente na propaganda. Estes cartazes destacam-se pela sua capacidade de comunicar visualmente os principais elementos ideológicos do Terceiro Reich, o que os torna particularmente relevantes para uma análise semiótica aprofundada. Acreditamos que, ao focar nesses exemplares, seremos capazes não apenas de evidenciar as estratégias semióticas empregadas, mas também de enriquecer nossa compreensão sobre como tais mensagens foram efetivamente transmitidas à sociedade da época.
Os cartazes englobam um gênero textual marcado especialmente pela função informativa, bem como pela função apelativa. Neste estudo, analisaremos os 3 cartazes representados a seguir.
Primeiro cartaz
O cartaz, que tinha como título “Sieg oder Bolschewismus” (Vitória ou caos bolchevique), foi um dos mais importantes durante o regime. Sua relevância era tamanha que era proibido a existência de outros cartazes em suas proximidades. Além disso, deveria estar localizado em espaços limpos, para que obrigatoriamente não tivesse sua atenção dividida por outros anúncios.
Ao analisarmos a imagem, é facilmente identificado que o cartaz é dividido em seu centro, em duas partes igualmente contrastantes. A parte presente ao lado esquerdo é representada por uma cor clara, enquanto a outra por uma cor escura. Essa diferença de coloração escolhida pelo artista é proposital, de modo que a coloração mais clara traz os benefícios da associação do branco com pureza, limpeza e dignidade, enquanto a coloração mais escura, ao aludir à cor preta, associa-se à desgraça, opressão e morte. A atribuição da “vitória” ao lado esquerdo e do “bolchevismo” ao lado direito implica em um possível ganho da Alemanha em uma guerra contra os soviéticos.
Vale-se ressaltar, além da coloração do fundo, a cor vermelha usada na palavra “Siege” (vitória), que, frente à cor clara, faz com que o leitor absorva primeiro o conteúdo da palavra antes do conteúdo íntegro do cartaz. O amarelo presente nos cabelos da mãe e da criança, e em seu vestido, remete ao orgulho que representaria uma vitória alemã.
O cartaz possui diferentes personagens: uma família ariana alemã, constituída por uma mãe e uma filha, e o bolchevique, que alude nitidamente à sujeira e à feiúra. Vale-se apontar que, além do bolchevique em evidência, também existem indivíduos abaixo dele. Todos aparecem representados com feições magoadas, coloração escura e ossos em evidência. Essa contraposição com a família saudável e feliz ao lado referencia, mais uma vez, a superioridade ariana e a vitória da Alemanha.
Finalmente, é de notória importância destacar o contraste entre as duas figuras femininas no cartaz. Ambas as mulheres estão posicionadas de maneira muito semelhante, apesar de possuírem muitas diferenças. Os contrastes existentes entre bem/mal vestida, feliz/triste e limpa/suja ressalta ainda mais a oposição entre vitória e derrota.
Segundo cartaz
O cartaz acima foi criado por Felix Albrecht em 1932 para divulgar o partido nazista nas eleições do mesmo ano. Ao observá-lo, é possível identificar o forte uso das cores branco/preto/vermelho, a tríade cromática, cuja identidade visual sustentará a publicidade referente ao partido nazista durante sua extensão histórica.
O céu vermelho, ao invés de azul, chama a atenção do leitor à frase que o sobrepõe, “Wir Arbeiter sind erwacht” (Nós trabalhadores despertamos) e para suástica em grande proporção. Tanto a frase quanto a suástica aludem à revolução do partido nazista com sua chegada ao poder.
Nesse sentido, existem dois pontos de foco do cartaz: a suástica e o trabalhador. O primeiro deles é o símbolo do Partido Nazista, o signo do regime em si. A maneira como ele é representado, em uma proporção astronômica e na coloração cinza, faz alusão ao concreto, o que, junto às silhuetas industriais, conversa com a imagem do trabalhador. O trabalhador atua como representante do próprio povo ariano, e o cimento, como objeto de sua construção, colabora para a narrativa de que os indivíduos são atuantes dentro do próprio regime, ajudando a construí-lo e consolidá-lo.
As demais figuras representadas no cartaz, da esquerda para a direita, representam, respectivamente, o comunista, o judeu controlador da mídia, o banqueiro marxista e, por último e de interpretação mais complexa, o Chanceler alemão Heinrich Brüning, figuras essas facilmente reconhecidas pelo povo Alemao da época. O cartaz conseguiu por meio de signos representar, tanto os ideais do partido, quanto seu futuro de grandeza e seus inimigos.
Contextualização dos resultados
Ao analisar os dois cartazes distintos da propaganda nazista, é possível perceber como os elementos semióticos foram habilmente empregados para transmitir mensagens políticas e ideológicas, exercendo um poder persuasivo sobre o público e reforçando a narrativa do regime nazista. Os elementos exploram cores, símbolos, contrastes visuais e representações para influenciar as percepções, incutir emoções específicas e manipular a opinião pública em favor do regime nazista. Essa análise destaca a poderosa arma política que a propaganda se tornou sob o comando do partido nazista, evidenciando como elementos visuais podem ser usados para moldar e direcionar aspectos da sociedade de acordo com ideologias.
Atualmente, os cartazes ilustrativos de campanhas políticas continuam a fazer uso de estratégias persuasivas. Um exemplo é um dos banners de André Ventura, Presidente do Partido português CHEGA.
A análise semiótica do cartaz evidencia uma disposição estratégica dos elementos visuais, que visa direcionar a interpretação do espectador e reforçar mensagens políticas específicas. O signo do partido, destacado à esquerda, torna-se imediatamente visível e central na composição, apontando para sua importância e proeminência na mensagem transmitida.
A representação dos “inimigos” do partido, abaixo do signo do partido, é marcada pela presença de políticos, com destaque para a imagem de André Ventura em uma paleta de cores mais viva, em oposição ao uso predominante de branco e preto dos demais. Essa diferenciação cromática cria uma ilusão de realidade e destaque, conferindo à figura de Ventura uma aura de confiança e autenticidade em contraste com os demais políticos. A utilização de cores vívidas em sua representação contribui para a focalização da atenção do espectador sobre ele, tornando-o mais visível e destacado na composição.
Além disso, a inclusão de um “x” vermelho sobre os políticos representa uma marca de rejeição ou negação, ressaltando a ideia de que esses políticos são considerados como adversários e são indesejados pelo partido. Esses elementos visuais dialogam com a frase enfática “Portugal precisa de uma limpeza”, reforçando a mensagem de que uma mudança radical na classe política é necessária para a renovação do país.
A disposição estratégica dos elementos visuais, o uso seletivo de cores, a focalização em determinados políticos e a associação de símbolos de rejeição colaboram para criar uma narrativa persuasiva, influenciando a interpretação do público-alvo e reforçando a mensagem política que o cartaz busca transmitir. Essa análise ressalta como os signos são utilizados de forma eficaz na construção de discursos visuais na propaganda política contemporânea.
As campanhas políticas buscam criar identificação, mobilizar eleitores e comunicar ideias e valores específicos associados a determinados candidatos, partidos ou causas políticas. A manipulação consciente dos elementos visuais visa não apenas informar, mas também persuadir e influenciar a opinião pública, moldando a percepção das pessoas em relação aos temas em discussão.
Embora a abordagem e a intensidade possam variar, os cartazes de viés político continuam a ser uma ferramenta poderosa para comunicar e persuadir. Assim, ainda desempenham um papel significativo na esfera política, fazendo uso dos signos de maneira estratégica para alcançar seus objetivos comunicacionais.
Considerações finais
Os elementos semióticos presentes na publicidade e propaganda nazista atuaram como uma poderosa arma política, ampliando consideravelmente o poder persuasivo do regime liderado por Adolf Hitler. A manipulação habilidosa dos signos visuais, símbolos e mensagens transmitidas por meio de cartazes, pôsteres e outras formas de propaganda foi fundamental para influenciar as percepções e emoções das massas, consolidando o apoio ao regime nazista.
A utilização estratégica de cores, símbolos e imagens visava a evocar respostas emocionais específicas na população. Por exemplo, a escolha cuidadosa de cores como o uso do branco associado à pureza ariana e do preto associado à desgraça e opressão, juntamente com a presença proeminente de símbolos como a suástica e a estrela de Davi, exerciam uma forte influência sobre as emoções e a psicologia coletiva.
Além disso, a configuração da mensagem visual nos cartazes nazistas era planejada para atrair a atenção imediata e direcionar a interpretação do espectador, muitas vezes destacando elementos-chave, como palavras ou imagens, para serem absorvidos em primeiro plano, como visto na priorização da palavra “Siege” (vitória) sobre o restante do cartaz. Essa estratégia manipulativa buscava fixar na mente das pessoas as mensagens que o regime queria enfatizar.
A representação visual de uma família ariana alemã contrastando com a imagem de judeus e bolcheviques em estado debilitado reforçava a narrativa de superioridade racial e poderia incentivar a hostilidade contra aqueles considerados inimigos do Estado alemão. Assim, a propaganda nazista, por meio de seus elementos semióticos, foi uma ferramenta eficaz para moldar a percepção e o comportamento das massas, construindo uma narrativa persuasiva que promovia os ideais e a liderança do regime nazista, influenciando drasticamente a opinião pública e solidificando o apoio ao partido de Adolf Hitler.
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