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Análise Ryanair

Por: Cristiano Cruz, Mariana Silva, Nicole Abreu, Rita Oliveira

A Ryanair é uma das companhias aéreas de baixo custo mais influentes da Europa, conhecida não apenas pelos seus preços baixos, mas também pelas suas rotas abrangentes. Fundada em 1985, por Christy Ryan, Tony Ryan e Liam Lonergan, começou em 1986 a sua trajetória do Reino Unido para a Irlanda e, mais tarde, para variados destinos. Ao longo dos anos, a empresa tentou caminhar ao ritmo dos tempos e fazer crescer e manter a sua relevância, recorrendo a múltiplas estratégias. Entre tais, destaca-se o uso e proveito do humor e autodepreciação de forma a interagir com o cliente e lidar com as críticas de forma criativa e inteligente. Esta abordagem ousada rompe com as normas tradicionais de marketing corporativo e dispõe de uma linguagem irreverente de forma a criar uma imagem que se transpareça chocante e memorável, portanto, rentável.

A empresa de aviação fornece um exemplo notável na compreensão de que o humor e o altruísmo podem dinamizar negativa ou positivamente a opinião pública de algo ou de alguém. Neste setor competitivo, onde as principais questões e críticas são normalmente a confortabilidade e a pontualidade, esta estratégia parece, à primeira vista, relevar a empresa, sem que seja necessário investimento na melhoria das condições. Este estudo, embora não investigue o aspecto económico e organizacional da empresa, explora levemente a forma como as marcas podem transformar crises e as mudanças da sociedade em oportunidades para se destacarem no mercado. 

Nele o objetivo é analisar, de acordo com a teoria semiótica de Roland Barthes, algumas publicações da Ryanair nas redes sociais Instagram e X, de forma a estudar o uso de signos que fortalecem a imagem humorística da empresa como uma estratégia complexa de construção de imagem de marca e identidade. Por outro lado, o que a distingue das suas adversárias do ramo e de que forma não recorrer aos mecanismos tradicionais de comunicação entre o consumidor e o vendedor, é uma mais-valia para esse mesmo destaque da empresa no mercado em que se insere.

Ryanair: humor e autodepreciação nos media digitais

A Ryanair é uma companhia aérea irlandesa fundada pelo magnata Tony Ryan, presidente da Guiness Peat Aviation (GPA), uma empresa conhecida por gerir um negócio de arrendamento de aeronaves comerciais. Começou como uma pequena companhia aérea regional e com o avançar dos anos, tornou-se uma das maiores companhias aéreas de baixo custo do mundo. Foca-se em oferecer viagens acessíveis para qualquer passageiro mostrando ao mesmo tempo que voar não é um luxo, mas para qualquer conta bancária. Iniciou funções, oficialmente, a 8 de julho de 1985 a contar, na época, com 25 funcionários utilizando um avião Embraer BEM-110 Bandeirante com capacidade para 15 lugares. Na década de 80 acabou por ligar o aeroporto de Waterford, no sul da Irlanda, ao aeroporto Gatwick de Londres. O que a colocou debaixo de fogo, uma vez que a British Airways e a Aer Lingus eram as companhias que controlavam o caminho aéreo entre esses dois aeroportos, passando a concorrer como uma empresa que oferecia preços competitivos e atrativos.

A companhia low-cost usa uma comunicação que reflete muito da identidade que as pessoas já se habituaram a ver nas plataformas digitais. A marca é conhecida por campanhas que impactam, onde o humor e a autodepreciação tornam os seus anúncios memoráveis. Mesmo com críticas, a Ryanair abraça-as e constrói uma imagem sem filtros capaz de aproximar os consumidores e aumentar a sua potencial influência naqueles que ainda não o são. Agora, serão detalhados alguns aspectos comparativos entre as empresas Ryanair, Easyjet e Emirates. O intuito é evidenciar como suas respectivas estratégias de comunicação distinguem-se uma das outras, traduzindo valores específicos às  identidades das marcas.

EasyJet: Simplicidade e Eficiência

Embora concorrente direta da Ryanair no mercado de viagens “low-cost”, a EasyJet possui uma estratégia de comunicação diferente, bastante mais equilibrada, simples e eficiente, e, sem dúvida, sem recorrer a semelhante nível de autodepreciação ou, até, provocação característico da primeira.

A companhia comunica de forma a esclarecer o consumidor da sua praticidade, acessibilidade e conveniência, sem deixar de manter uma certa distância de qualquer conotação negativa que possa surgir intrínseca ao seu baixo custo ou a abordagens mais pessoais e pouco profissionais, como as que caracterizam a marca escolhida. Evita o tom agressivo, pessoal e autocrítico e preza a comunicação profissional e a sua confiabilidade.

O que significa que, mesmo que os signos de baixo custo estejam presentes e sejam semelhantes às duas companhias, ambas os abordam de formas distintas. Um dos motivos que nos conduz ao quão fulcral é o estudo do humor e autodepreciação e o seu impacto na Ryanair, na qualidade de novidade empresarial no mundo do marketing, utilizada por pouquíssimas marcas.

Emirates Airline: Luxo, Tradição e Prestígio

A Emirates é o total oposto da Ryanair, tanto pela sua oferta que preenche os olhos do mercado das viagens de aviação de luxo, como pela sua abordagem comunicacional. A sua comunicação é focada em signos de luxo, excelência e prestígio, pelo que dispõe de um conjunto completamente diferentes de signos verbais e visuais, ao prezar, por exemplo, a exposição de imagens que projetam conforto, exclusividade e sofisticação. 

As suas publicações (tal como a imagem 2 demonstra) apresentam muitas vezes imagens de cabines de luxo, serviços de alta qualidade ou refeições gourmet, portanto, totalmente contrárias aos signos do conceito “Low-cost”. Esta companhia, por outro lado, não recorre de forma alguma ao humor ou à autocrítica e auto depreciação de si mesma, sendo que preza uma visão positiva e requintada da sua oferta.

Ryanair: Humor e Autodepreciação

Anteriormente referimos a pertinência do estudo desta companhia e face à recente comparação com duas suas concorrentes de mercado, é interessante sublinhar que é distinta a abordagem desta face às duas comparadas. Nenhuma das outras utiliza o humor ou a autodepreciação como ferramenta para se erguer de quaisquer críticas ou conotações negativas a si apontadas. Assim como nenhuma se mostra interessada em afirmar a sua posição como “mais barata” a partir da aceitação de que a margem de preço mais baixa corresponde a voos desconfortáveis. A Ryanair prova-se, assim, a escolha certa no mercado em questão, como a única que dispõe de tal estratégia de marketing.

Análise semiótica das publicações da Ryanair

A Ryanair é muito conhecida pela sua linguagem irônica, sarcástica, prova que é humorísticamente e visivelmente distinta de outras abordagens de outras marcas. Uma vez que brinca com o facto de ser uma companhia low-cost para conectar-se com o seu público. Esta empresa é o nosso objeto de estudo, especificamente 4 publicações feitas pela mesma nas redes sociais Instagram e X.

A primeira publicação que o demonstra, refere-se à icônica frase de “When life gives you lemons, make lemonade”, uma expressão muito conhecida. Na sua publicação, a palavra “lemons” é substituída por “cheap flights”, ancorando o significado na ideia de oportunidade e positividade associada aos preços baixos.

A linguagem casual e humorística faz com que o público, que está representado pelos três círculos embaixo da frase, entenda que deve voar com a companhia irlandesa por ser uma escolha óbvia.

A mensagem publicitária complementa-se com o fundo e a descrição visto que nele está escrito a palavra “Threads” (a rede social onde foi publicada a frase) num fundo de cor azul que reforça a ideia de confiança e modernidade que se associam a esta companhia “low-cost”. A descrição “life hack” é uma forma irônica e sarcástica de destacar algo que os consumidores à partida sabem e a companhia reforça (ideia de que são a escolha óbvia porque oferecem os preços mais baratos).

Na publicação, é possível ver o logótipo da companhia que é constituído por uma harpa que evoca um sentido de origem e autenticidade, sublinhando o orgulho da Ryanair em ser uma empresa irlandesa. Já a mensagem icônica é a ligação da imagem e do texto que conotam a ideia de simplicidade e espontaneidade criando um tom descontraído que dá a conhecer a identidade da marca.

A segunda imagem mostra uma ilusão ótica que roda conforme é observada pelo público, acompanhada por um texto que se pretende que provoque o espectador para marcar um outro voo com a Ryanair. Neste caso, e segundo Barthes, o texto funciona como ancoragem para o significado da publicação

A descrição, “dont think, just do” reforça a mensagem da legenda. E a ilusão ótica é um elemento visual projetado para capturar a atenção do público simbolizando a força irresistível das ofertas da companhia, sugerindo que é impossível não perder esta oportunidade de viajar com preços baratos. A publicação, acima de tudo, quer mostrar que voar com a Ryanair não é só uma questão económica, mas também uma experiência inesquecível, divertida e tranquila.

A terceira publicação apresenta um texto que pede para o público imaginar o que seria odiar uma companhia aérea que mesmo assim viajar em redor da Europa por um preço baixo. Segundo a teoria de Barthes, trata-se de um uso de linguagem coloquial, irônica e de tom humorístico. O início da frase humaniza o avião como se fosse uma pessoa ofendida estando a ser alvo de críticas e mesmo assim não deixar de oferecer preços baratos aos consumidores, a tal intencionalidade que o autor refere estar presente na imagem publicitária.

A âncora, ou seja, o texto, revela o foco na proposta “low-cost” da marca como algo acessível e banal, sendo injusto estar a ser alvo de críticas.Por outro lado, mais uma vez, é possível, através do fundo, identificar a rede social Threads onde foi publicada a frase. A descrição usa dois emojis de unhas a serem pintadas, uma trend da atualidade que significa falar algo que está certo ou fazer algo marcante. Com isto referem que o que anteriormente foi dito foi marcante e é verdade.

Em relação à mensagem conotativa, o espectador é levado a imaginar o avião a ser odiado e reagir ofendido. Sendo o próprio avião o fator icónico neste caso. O avião e o texto conectam o objeto físico à ideia dos preços baixos. Essas duas componentes criam um tom leve e autodepreciativo mostrando que o serviço da companhia é sempre acessível.

A quarta imagem contém o famoso meme do cantor Drake, usada em várias situações por todas as redes sociais. Neste o cantor rejeita a frase “hire an appropriate amount of staff” e em seguida aprova quando se diz “delay and cancel flights instead”. Segundo Barthes, a mensagem linguística mostra que o texto e a imagem estão unidos para criar humor. A oposição das duas frases, combinadas com a expressão facial do cantor, criticam de forma irônica as práticas de controle de tráfego aéreo e usam a legenda para se posicionar como vítimas da falta de staff nos controladores.

Este meme é muito conhecido na cultura pop tendo uma conotação que depende do conhecimento do público sobre o meme e da situação dos controladores aéreos. O meme diz que a culpa não é da Ryanair, mas de decisões externas a si. O facto de estar a ser usado o humor contribui para que as pessoas levem o problema de forma mais leve e brincalhona, não séria e problemática.

A quinta imagem tem como frase principal “What people say our bags cost” em relação a uma figura cómica remetendo ao preço das bagagens. Esta publicação é uma resposta a outra, que apresenta um número exageradamente alto, ao qual a Ryanair vincula a sua piada. A frase que foi “republicada” remete para uma outra publicação acerca da Rússia ter condenado a empresa Google a pagar 20º biliões de dólares (exagerar nos números representa uma estratégia lúdica que reforça o humor).

Portanto, em questões de conotações, tanto a questão russa como a própria piada da Ryanair são mensagens simbólicas a ter em conta. Assim como o uso da ironia é um importante fator, pois, obviamente que o número apresentado não corresponde ao preço real das suas malas, logo, trata-se de uso de ironia que intensifica e exagera de forma cômica a situação.

A Ryanair não nega diretamente as críticas que são feitas, mas mostra-se sempre acessível e consciente das opiniões que recebe sobre os seus serviços. A frase “What people say our bags cost” é a âncora que guia a interpretação da imagem de Vladimir Putin que, por sua vez, representa uma reação cômica e exagerada que se prevê no espectador ao ver esta publicação.

Relação entre as estratégias e a proposta “low-cost”

O humor e a autodepreciação são usados como ferramentas estratégicas que reforçam a sua identidade como uma marca de baixo custo. As tais estratégias beneficiam a marca porque humanizam-na e à sua forma de interagir com o consumidor a partir do uso dos problemas da Ryanair. A autodepreciação é uma estratégia de reforço para combater as críticas de que é alvo, transformando as desvantagens (como os lugares apertados ou serviços básicos) como algo que corresponde ao que significa ser low-cost (algo sem grandes luxos). Assim a companhia constrói uma identidade distinta, conecta-se com o público com uma linguagem moderna e consolida a sua posição como escolha óbvia do consumidor, visto que defende que qualquer pessoa pode viajar de avião sem necessidade de luxos.

O uso do humor e da autodepreciação nos media digitais pela Ryanair é parte de uma estratégia que dinamiza e esclarece a sua proposta “low-cost”. Deste modo, a semiótica é utilizada para construir uma identidade de marca distinta, fazendo uso de memes, emojis e expressões coloquiais. Do ponto de vista semiótico, a Ryanair utiliza habilmente a comunicação simbólica para se posicionar como a marca “fora da caixa” no setor da aviação. A sua linguagem visual, textual e performática cria uma identidade marcante que ressoa com públicos que valorizam economia e autenticidade. Contudo, o sucesso contínuo dessa estratégia dependerá da capacidade de equilibrar irreverência e relevância cultural, evitando os riscos de alienação ou saturação semiótica.

Ao brincar com suas próprias limitações, a Ryanair transforma aspetos que poderiam ser vistos como negativos (como assentos apertados ou a cobrança por serviços adicionais) em algo aceitável e até esperado. Tweets e memes abordam tópicos como o espaço limitado ou custos adicionais com sarcasmo, transformando fraquezas em atributos “autênticos”. Ao brincar com as falhas percebidas, a marca reforça a ideia de que seu foco é o custo- benefício, um atributo positivo para seu público-alvo. O exemplo da Ryanair é uma prova de que o humor e a autodepreciação, quando bem aplicados, podem ser ferramentas poderosas na construção de uma imagem forte e acessível no mercado low-cost.

A aviação é uma indústria intrinsecamente associada à segurança, precisão e responsabilidade. Uma abordagem excessivamente humorística pode fazer com que o público perceba a empresa como menos séria ou preocupada com esses valores fundamentais. Piadas sobre os serviços básicos ou cobranças adicionais podem reforçar estereótipos negativos, como a ideia de que a empresa prioriza cortes de custos em detrimento de aspectos essenciais, incluindo manutenção e segurança.

A mesma estratégia que transforma críticas em humor pode ser vista como insensível ou desrespeitosa pelos consumidores que têm experiências negativas genuínas. O uso constante de humor autodepreciativo pode reforçar a percepção de que a empresa aceita ou não se importa com falhas operacionais, associando sua imagem à baixa qualidade de serviço. Caso haja um incidente relacionado à segurança ou outro problema grave, o tom irreverente anterior pode dificultar a comunicação séria e eficaz durante a gestão de crises. Nesse contexto, o histórico de humor pode ser usado contra a marca. E a conotação pode ser uma percepção de falta de compromisso ou seriedade. Um post humorístico sobre filas de embarque caóticas pode ser interpretado como admissão de ineficiência.

A companhia aérea low-cost irlandesa que conta já com 40 anos de existência, prova-se agora um ícone nas redes sociais pelo seu posicionamento, que explora o uso de memes e peças de humor para atingir e marcar o público. No âmbito da semiótica, pode interpretar-se o uso da comédia e autodepreciação como veículo rico em signos que constroem toda uma identidade única baseada na natureza dos serviços que a marca oferece (acessíveis e elementares) e que lhe permitem destacar-se em relação às suas concorrentes no mercado, esclarecendo de formas originais a sua oferta “low-cost” sem que tal signifique baixa qualidade, pouca segurança ou distância e pouca confiança entre si e o consumidor. Neste estudo é percetível concluir uma resposta afirmativa à questão de investigação colocada, na medida em que se mostra visível a influência do humor e da depreciação na construção, dinamização e esclarecimento da oferta low cost desta empresa. A partir do qual a Ryanair desarma a tensão e mantém uma imagem positiva, mostrando que está disposta a rir de si mesma, enquanto se associa a um público jovem do qual se aproxima.

Referências

Emirates. (2012). Emirates. X. https://x.com/emirates;

Easyjet. (2009). easyjet. X. https://x.com/easyJet;

Lowcostairlineguide. (s.d.) Tudo o que precisa saber sobre voos low cost. acedido a 12, dezembro de 2024. http://www.low-cost-airline-guide.com/pt/articles/tudo-sobrevoos-low-cost.htm;

Ryanair. (2013). Ryanair. X. https://x.com/Ryanair;

Ryanair. (2015). Ryanair_European_ Airline. Instagram. https://www.instagram.com/ryanair/;

Santaella, L. (2002). Semiótica Aplicada. Thomson: São Paulo DOI: 85-221-0276. https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/7532714/mod_resource/content/1/Aula%2004c_Santaella_Semi otica%20aplicada.pdf;

Wikipédia, a enciclopédia livre. (2024). Ryanair. acedido a 12, dezembro de 2024. https://pt.wikipedia.org/wiki/Ryanair

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