Observatório da Qualidade no Audiovisual

Análise Titanic

Por: Alexandra Alberto, Catarina Jesus, Érica Carocinho, Joana Pedro, João Martins

O presente texto investiga de que forma o romance entre o Jack e a Rose no filme Titanic desafia as normas sociais e reflete uma transgressão de classes. Foram pensados vários objetos de estudo, nomeadamente a música My Heart Will Go On, música característica do filme Titanic, da cantora Celine Dion, pois é uma música que marca várias gerações, não só pela melodia única e uma letra profunda, mas também porque é associada a um filme visto por muitos.

Devido à escolha deste tema, foi então realizada uma comparação da peça “Romeu e Julieta”, uma tragédia escrita por William Shakespeare, que narra a história de dois jovens apaixonados cujas famílias, os Montéquios e os Capuletos, são rivais. A trama desenrola-se em Verona, Itália, onde Romeu Montéquio e Julieta Capuleto encontram-se num baile e apaixonam-se intensamente, apesar do ódio entre as suas famílias.

Ambos os filmes podem ser examinados através da semiótica de Peirce para investigar temas universais de amor proibido, tragédia e crítica social. As barreiras criadas pelas diferenças sociais, a inevitabilidade do destino e o emprego de símbolos como a água, o colar e o veneno unem estas duas narrativas. Cada filme apresenta uma tragédia de amantes que enfrentam forças superiores a eles, as normas sociais, e resultam numa perda irreparável, transformando-os em narrativas profundamente emocionantes e simbólicas.

Temas sociais em Titanic

Existem vários fatores que influenciaram a escolha deste filme, tais como a abundância de sinais culturais e históricos do filme, este aspecto é explorado de diversas maneiras como, por exemplo, a riqueza das áreas destinadas à primeira classe, como os salões luxuosos e vestimentas elegantes, contrastadas com as condições modestas da terceira classe, que representam não apenas a divisão de classes sociais no início do século XX, mas também as desigualdades económicas e sociais que caracterizam essa época. 

O romance entre Jack e Rose no filme Titanic desafia profundamente as normais sociais da época e reflete uma transgressão de classes, já que ambos pertencem a mundos radicalmente diferentes em termos socioeconómicos. Rose, uma jovem rica da alta sociedade, está aprisionada num ambiente de opressão e de expectativas sociais rígidas, onde o seu casamento com Cal Hockley é percebido como uma maneira de preservar a fortuna e o seu núcleo familiar. Jack, por outro lado, é um artista pobre, aventureiro e livre, que ganhou a sua passagem para o Titanic num jogo de cartas. A relação entre eles transgride as normas sociais ao desconsiderar a barreira de classe, algo impensável na época. 

Na sociedade do começo do século XX, as interações entre as classes eram restritas e rigidamente controladas, com cada grupo social destinado a permanecer na sua posição. Contudo, Jack e Rose contestam essas normas ao se relacionarem romanticamente, desconsiderando os padrões de comportamento esperados de uma jovem da aristocracia. Jack proporciona a Rose a oportunidade de uma vida verdadeira, independente de convenções sociais, enquanto Rosem ao optar por Jack, rejeita os valores elitistas que a reprimem e vai contra as pressões do seu círculo social.

Outro ponto relevante, é como a tragédia do naufrágio iguala os personagens de diferentes classes. O Titanic, representado como um símbolo de poder e de tecnologia, é ainda um local onde as divisões sociais são largamente preservadas até ao desastre. Quando o navio afunda, todos os passageiros, sem exceção de classe social, enfrentam a mesma ameaça letal, mas as oportunidades de sobrevivência permanecem desigualmente distribuídas, mostrando a injustiça das estruturas sociais. Isso ressalta como, no final das contas, a condição humana é suscetível às forças da natureza, independente do status económico. O naufrágio do Titanic serve, simbolicamente, como uma equiparação vinculada a essas classes, já que, no final, todos estão sujeitos ao mesmo destino, independentemente de sua posição social. Além disso, o Titanic simboliza o fim de uma era de otimismo acentuado, refletindo a desilusão com as promessas da modernidade.

Outra questão é a representação das classes sociais, este destaca as divisões de classe social através de cenas que diferenciam os ambientes e os comportamentos das diferentes camadas sociais, os mesmos podem ser analisados pela semiótica, deste modo a observar como a riqueza e a pobreza são simbolizadas por elementos visuais, como o vestuário, ambientes e comportamentos. O Titanic tem vários símbolos visuais, por exemplo o navio Titanic é, por si só, um grande símbolo de modernidade e tragédia. As questões como o iceberg simbolizam a vulnerabilidade da humanidade diante da natureza. Além disso, objetos como o “Coração do Oceano” e a própria água tornam-se signos carregados de significados emocionais e narrativos.

Os elementos emocionais e universais, também estão presentes nesta obra cinematográfica, o romance entre Jack e Rose transcende barreiras de classe e explora signos universais de amor e sacrifícios. O colar, as cenas finais de sobrevivência e a música My Heart Will Go On são símbolos que comunicam emoções universais e estabelecem conexões profundas com o público. Nesta história, a memória e a Identidade Cultural e os diálogos com a sociedade contemporânea, estão presentes, pois reinterpreta um evento histórico e, ao fazê- lo, contribui para a memória coletiva da tragédia do Titanic. A busca por artistas submersos e o resgate de memórias são símbolos da tentativa humana de preservação e do sentido do passado. Lançado em 1997, o filme também pode ser visto como um reflexo das questões socioculturais da época, como o fascínio por histórias de superação, tragédia e desigualdade. As questões de classe e o avanço tecnológico versus a natureza são temas que dialogam com o público contemporâneo.

O filme, ao ilustrar esse amor inalcançável, convida o público a ponderar sobre as desigualdades sociais e as barreiras artificiais que dificultam o pleno exercício da liberdade e da individualidade. Ao desafiar as normas sociais, o romance entre Jack e Rose questiona a ordem estabelecida e propõe uma visão onde as conexões humanas podem, e devem, transcender as restrições impostas pelas estruturas de classe.

A pergunta de investigação “Como é que o romance entre o Jack e a Rose desafia as normas sociais e reflete uma transgressão de classes?” encontra-se diretamente relacionada com várias cenas importantes ao longo do filme. Quatro cenas serão analisadas a seguir, a partir de conceitos semióticos, para acessar as diferentes camadas interpretativas que o filme abre.

Cena do Embarque

A cena do embarque no início do Titanic também pode ser analisada com base nos conceitos de primeiridade, secundidade e terceiridade. Nessa sequência, a preparação do navio para desatracar e o contraste entre as classes sociais fornecem uma base enriquecedora para análise.

No plano do conteúdo, a cena do embarque no Titanic reflete de forma marcante as barreiras de classe social, funcionando como um microcosmo das desigualdades da época. A narrativa realça o contraste entre os passageiros da primeira e da terceira classe, evidenciado nos tratamentos recebidos por cada grupo. Os passageiros de primeira classe gozam de privilégios, como entradas luxuosas e receção exclusiva, enquanto os de terceira classe enfrentam filas, restrições e condições simples. Jack Dawson, vindo da terceira classe, chega de forma improvisada, com uma simplicidade que contrasta com a elegância formal dos ricos. Já Rose DeWitt Bukater, apesar de pertencer à elite, demonstra desconforto com as normas da sua posição social. Este contraste inicial entre as duas personagens antecipa a transgressão às barreiras de classe que marcará a narrativa.

O Titanic, enquanto símbolo, espelha estas hierarquias sociais na sua estrutura física: áreas amplas e sofisticadas para a elite versus espaços austeros e funcionais para os menos favorecidos. Assim, o embarque não é apenas um ato prático, mas um retrato das divisões de classe que governam tanto o navio como a sociedade da época.

Tratando do plano da expressão, a diferença de enquadramento e profundidade de campo é utilizada para enfatizar as barreiras sociais entre as classes. Os passageiros da primeira classe são filmados em planos mais amplos, simbolizando o seu privilégio e liberdade, enquanto os da terceira classe aparecem em planos mais apertados, sugerindo confinamento e separação, tanto física como social.

A iluminação e as cores também reforçam esta distinção. A luz dourada que envolve a primeira classe transmite riqueza e sofisticação, enquanto a luz fria e sombria que incide sobre a terceira classe reflete a sua posição humilde. Este contraste visual intensifica a desigualdade e as tensões entre classes. Além disso, os gestos e as interações das personagens reforçam estas divisões. A postura confiante dos passageiros da primeira classe sugere familiaridade com o luxo, enquanto a postura desconfortável dos da terceira classe, como Jack, indica um ambiente hostil. As interações entre Jack e Rose também realçam as diferenças de classe e as tensões entre os dois mundos presentes no Titanic.

Primeiridade – Aspecto Qualitativo-icônico: 

Na cena do embarque no Titanic predominam os tons claros e luminosos, como o branco das roupas da alta sociedade e o brilho do casco recém-pintado do navio. Estas cores conferem uma sensação de grandiosidade e novidade. O contraste entre as roupas escuras dos trabalhadores e os fatos elegantes dos passageiros evidencia diferenças de textura e detalhe, como tecidos requintados, chapéus decorados e linhas limpas nos fatos. O navio, com a sua estrutura imponente e linhas longas e suaves, transmite monumentalidade e equilíbrio visual. A presença de bandeiras coloridas e detalhes dourados nos acabamentos do Titanic intensifica a percepção de sofisticação e prestígio. Os sons, como o apito do navio, as vozes agitadas da multidão e o movimento constante de pessoas, remetem para uma atmosfera dinâmica e efervescente, enquanto as formas retas e robustas da embarcação contrastam com o movimento fluido das figuras humanas. Estes elementos criam uma primeira impressão de opulência, organização e entusiasmo.

Secundidade – Aspeto Singular-indicativo:

Na cena do embarque no Titanic, as qualidades anteriormente observadas ganham significado ao serem inseridas no contexto específico da partida de um navio que simboliza a inovação tecnológica e o estatuto social. Os tons claros e brilhantes das roupas da alta sociedade, em contraste com as vestes escuras dos trabalhadores, indicam não só distinções estéticas, mas também as hierarquias sociais da época. A imponência do navio, com as suas dimensões colossais e estrutura ordenada, deixa marcas visuais que atestam a grandiosidade do projeto humano e a confiança no progresso. Os sons do ambiente, como o apito do Titanic, que ecoa de forma marcante, funcionam como índices diretos do início de uma viagem grandiosa, enquanto as vozes e o movimento constante de pessoas dão pistas sobre a agitação e a expectativa da ocasião. As bandeiras coloridas e os detalhes dourados, para além de estarem associados à sofisticação na primeiridade, tornam-se indicativos de um acontecimento histórico, como vestígios materiais de um momento de celebração e de partida. A relação de causa e efeito surge na forma como as formas, as cores e os sons, inicialmente percebidos na sua estética pura, passam a ser entendidos como traços de uma realidade específica: o contraste entre passageiros e trabalhadores reflecte a estrutura social do período; o brilho do navio e a sua organização visual remetem para a modernidade e para o orgulho humano; e o som constante do movimento no porto sugere o impacto coletivo de um acontecimento que envolverá muitos destinos.

Terceiridade – Aspeto Convencional Simbólico: 

Nesta cena, o navio representa uma sociedade estagnada, onde o luxo e a modernidade são acessíveis apenas a uma minoria privilegiada. O Titanic, sendo considerado inafundável e invencível, simboliza a arrogância humana e a crença no progresso ilimitado, que será desafiado pelo destino da embarcação. Para a classe alta, o navio é um símbolo de conquista social, glamour e de poder, enquanto para os imigrantes, é uma oportunidade de fuga e de mudança, embora limitada por barreiras sociais e económicas. A cena mostra as tensões sociais entre as classes e as expectativas de mobilidade social, evidenciando as restrições do sistema e a fragilidade humana.

Cena do Jantar na Primeira Classe

A cena do jantar em questão no filme Titanic acontece na elegante sala de jantar da primeira classe, representando um dos momentos mais marcantes e simbólicos da história de Jack e Rose. Nesta cena, Jack, um jovem artista sem posses, é convidado por Rose a jantar entre a elite do navio. Este jantar é altamente significativo porque ocorre em um ambiente destinado exclusivamente aos passageiros mais ricos e influentes, os quais olham Jack como um “intruso” no seu espaço. Esse contraste entre a informalidade de Jack e a formalidade rígida da elite enfatiza as barreiras de classe, que são centrais ao enredo do filme. 

Na cena do jantar, Jack é convidado por Rose para jantar na luxuosa sala de jantar da primeira classe, um espaço restrito aos ricos e poderosos. Ao entrar neste ambiente, Jack sente a pressão das normas de etiqueta e dos olhares críticos dos outros convidados, que o veem como um intruso num espaço que, socialmente, não lhe pertence. A forma como Jack lida com esta situação representa uma transgressão das barreiras de classe.

No plano do conteúdo, o contraste entre as classes sociais é evidente, com a luxuosa sala de jantar da primeira classe a simbolizar a opulência e as divisões sociais. Jack, da terceira classe, é um “intruso” no ambiente da elite, mas mantém a sua autenticidade, enquanto Rose, da primeira classe, desafia as normas sociais ao convidá-lo para jantar. O ambiente sofisticado e os gestos formais dos restantes convidados contrastam com a postura descontraída de Jack, refletindo as barreiras de classe. A relação entre Jack e Rose simboliza a resistência às normas sociais, e o jantar torna-se uma metáfora para a superação das divisões sociais, representando a possibilidade de um amor que transcende essas barreiras.

Já no plano da expressão, a iluminação suave e as roupas refinadas da elite contrastam com o comportamento mais solto de Jack, um passageiro de terceira classe, o que realça as barreiras sociais e as diferenças de estatuto. A postura dos convidados da primeira classe é rígida, simbolizando a formalidade e a hierarquia da classe alta, enquanto Jack, com a sua postura relaxada e espontânea, demonstra respeito e confiança sem se submeter às normas rígidas do seu ambiente, sublinhando a sua autenticidade.

A expressão facial dos restantes convidados, marcada por olhares de desdém, reforça esta tensão, enquanto o sorriso confiante de Jack, que se sente à vontade com a sua identidade, evidencia a sua resistência ao olhar crítico da elite. O uso de tons dourados e os detalhes opulentos no ambiente da primeira classe reforçam o contraste com a simplicidade das roupas e da postura de Jack, que acentuam ainda mais as desigualdades de classe. A cena do jantar funciona, portanto, como um excelente exemplo dos conceitos de primeiridade, secundidade e terceiridade, pois explora signos sensoriais imediatos (como a iluminação e as cores), as interações sociais e as significações culturais mais profundas, revelando a resistência de Jack e a subversão das normas sociais da época.

Primeiridade – Aspecto Qualitativo-icônico:

Na cena do jantar em que Jack é convidado por Rose, destacam-se elementos visuais e sensoriais que compõem o ambiente. A paleta de cores predominante inclui o dourado, o branco e o brilho dos cristais e pratas, que conferem um ar de sofisticação. A mesa está arrumada com precisão, apresentando toalhas bordadas, talheres alinhados, copos delicados e pratos decorados. A decoração do salão é imponente, com tetos altos, lustres brilhantes e detalhes ornamentados que reforçam a grandiosidade do espaço. Os fatos das personagens também chamam a atenção, com vestidos detalhados e smokings irrepreensíveis. A iluminação suave reflete nos objetos metálicos e nos vidros, criando um efeito visual que realça o brilho e o cuidado estético. Os movimentos e gestos das personagens são marcados pela formalidade e precisão, enquanto a amplitude do espaço e a música ambiente completam o cenário de luxo e requinte. 

Secundidade – Aspeto Singular-indicativo:

Na cena do jantar no Titanic, os aspectos anteriormente destacados, como as cores douradas e brancas, o brilho da prata e dos cristais, as formas ornamentadas do salão e os trajes formais, passam a conectar-se diretamente com o contexto social de alta classe. Estes elementos deixam de ser apenas qualidades visuais e passam a ser percebidos como sinais de luxo e exclusividade. Por exemplo, o brilho dos cristais e da prata, que inicialmente impressiona pelo seu aspeto estético, relaciona-se agora com a demonstração de riqueza e estatuto dos convidados. A grandiosidade do salão, com os seus detalhes elaborados e tetos altos, reflete a opulência de um espaço reservado à elite. A relação entre os elementos sensoriais e o contexto social revela uma clara ligação de causa e efeito: o impacto visual e emocional dos elementos transforma-se em indicativos de uma hierarquia social rígida. Os trajes formais, que antes chamavam a atenção pela sua sofisticação, tornam-se um símbolo de conformidade às normas da época, reforçando o contraste entre os diferentes grupos sociais presentes no navio. Deste modo, os detalhes da cena, inicialmente percebidos como impressões sensoriais, ganham significados concretos ao dialogarem com o ambiente social e histórico representado.

Terceiridade – Aspecto Convencional-Simbólico:

A cena do jantar do Titanic também é rica em simbologia. O navio em si, como um “palácio flutuante”, representa a ideia de progresso, riqueza e a confiança das elites da época. No entanto, o fato de o Titanic ser um símbolo da arrogância humana e da crença em sua invulnerabilidade, e o que acontece após o jantar (o naufrágio), acrescenta uma camada de significado, representando a fragilidade daquilo que é considerado indestrutível e imbatível. Além disso, o contraste entre os dois mundos (o jantar dos ricos e o dos pobres) é um reflexo das divisões sociais da época. A cena simboliza a luta entre as classes sociais e a maneira como a sociedade da época via o luxo, a elegância e a riqueza como símbolos de status, enquanto as classes mais baixas eram invisíveis ou marginalizadas. O poder representativo da cena é forte: ela não é apenas sobre um jantar, mas sobre o que ele representa culturalmente – a arrogância de uma classe privilegiada e sua visão do mundo. O jantar reflete as expectativas culturais e sociais de uma época, além de ser um marco na construção das identidades dos personagens, como a evolução de Rose, que está no meio dessa troca de códigos sociais.

Cena da divisão para os barcos salva-vidas

Outra cena deste filme que se enquadra com a questão de investigação é no momento da colisão e principalmente o seu após, quando não existem barcos suficientes para toda a tripulação ser salva e por isso recorre-se à hierarquia. Durante o caos da evacuação, a prioridade na utilização dos barcos salva-vidas é dada às mulheres e crianças de classes sociais elevadas, evidenciando a brutalidade da hierarquia social da época. As mulheres e crianças de primeira classe são resgatadas primeiro, revelando que o estatuto social determina quem merece ser salvo. Esta cena, portanto, não apenas ilustra a brutalidade da hierarquia social, mas também reforça a ideia de que o amor entre Jack e Rose é uma forma de resistência. Num momento de tragédia e incerteza, eles mostram que as verdadeiras conexões humanas podem superar as normas estabelecidas, tornando-se um símbolo de esperança e liberdade em meio à adversidade.

No que se refere ao plano do conteúdo, a cena em questão expõe a brutalidade da hierarquia social, com as mulheres e crianças da primeira classe a serem priorizadas, enquanto os passageiros da terceira classe são deixados para trás. Rose, no entanto, resiste a esta norma ao optar por ficar com Jack, um homem de terceira classe, desafiando as expectativas sociais da sua posição. A sua decisão simboliza a transgressão das barreiras sociais e o valor do amor genuíno, que não reconhece divisões de classe. Este ato de resistência e sacrifício de Rose sublinha o tema central do filme, de que o amor verdadeiro transcende as normas sociais e as estratificações de classe.

Já o plano da expressão revela uma paleta de cores frias e escuras, com tons de azul e cinzento, reflete a tragédia iminente, enquanto a luz suave sobre Rose e Jack destaca a sua ligação e resistência à ordem social. A edição rápida e fragmentada, com planos amplos e fechados, capta o caos envolvente, enquanto a fotografia se foca nas emoções das personagens principais, especialmente na tensão entre os protagonistas. O som dos gritos e o barulho da água contrastam com a música mais suave quando o foco está em Rose e Jack.

Os gestos dos passageiros expressam pânico, enquanto Jack demonstra sacrifício ao proteger Rose, que, por sua vez, desafia as normas ao optar por ficar com ele. Os diálogos são curtos e tensos, refletindo a urgência e o conflito interno das personagens. O recurso a planos gerais e fechados acentua a separação entre Rose e Jack e a multidão, sublinhando a sua transgressão contra as barreiras sociais. O enquadramento coloca os dois protagonistas no centro da ação, destacando a sua escolha de amor e sacrifício no meio do caos da crise.

Primeiridade – Aspecto Qualitativo-icônico:

A tragédia do naufrágio é marcada por uma intensificação das qualidades visuais e sensoriais. Na cena da divisão dos barcos salva-vidas em Titanic, os elementos visuais e sonoros criam um impacto inicial marcante. As cores predominantes na cena são escuras, com tons de preto, azul-marinho e cinzento, que contrastam com o branco dos barcos salva-vidas e as luzes artificiais do navio. Esta paleta transmite um ambiente frio e denso, reforçado pela iluminação limitada e pelas sombras que realçam a tensão do momento.

Os barcos salva-vidas, com as suas formas simples e tamanho reduzido, destacam-se no meio da vastidão do mar e da grandiosidade do Titanic. As linhas retas e angulares do navio contrastam com as curvas suaves dos barcos, criando um contraste visual imediato. No campo sonoro, o ruído do mar, os gritos das pessoas e as ordens apressadas dos tripulantes misturam-se com sons metálicos do navio, como o ranger das cordas e o barulho das ferragens. Estes sons, somados à movimentação apressada e caótica, criam uma atmosfera carregada de urgência.

As expressões faciais e os movimentos corporais das pessoas em cena refletem tensão e movimento frenético. O enquadramento da câmera alterna entre planos fechados nos rostos das pessoas e planos mais amplos, que mostram a multidão reunida e os barcos a serem preparados. Estas mudanças de perspectiva reforçam as primeiras impressões de uma situação caótica e decisiva. O contraste com as cores mais brilhantes e quentes da parte inicial do filme (quando o navio ainda está intacto) reforça a sensação de perda e destruição. O mar agitado, e a imensidão do oceano geram uma sensação de impotência frente à grandiosidade da natureza, criando uma atmosfera de perigo absoluto. A dinâmica visual é também intensificada pelos movimentos rápidos da câmera e pelos planos fechados nas expressões de medo dos passageiros. O uso de planos amplos, mostram o Titanic inclinado o que intensifica a sensação de fragilidade humana perante a magnitude do desastre. A iluminação dramática, com sombras e luzes repentinas, cria uma sensação de desconforto.

Secundidade – Aspecto Singular-indicativo:

Na cena da divisão dos barcos salva-vidas em Titanic, os elementos previamente identificados ganham significado dentro do contexto narrativo, formando relações de causa e efeito com a realidade apresentada. As cores escuras e o contraste com o branco dos barcos, inicialmente percebidos como qualidades visuais, passam a indicar a separação entre segurança e perigo iminente. O branco dos barcos torna-se um vestígio de esperança no meio da escuridão que representa o caos e o desespero. As formas dos barcos, pequenas e curvas, são realçadas em contraste com a magnitude angular do Titanic. Este contraste evidencia a insuficiência da quantidade de embarcações em relação à escala do navio e ao número de passageiros, marcando a gravidade da situação. As linhas retas e rígidas do navio, que antes faziam parte do impacto visual, assumem o papel de um vestígio da grandiosidade perdida, agora em oposição à fragilidade dos barcos salva-vidas.

Os sons caóticos, antes percebidos como um aspecto imersivo da cena, passam a ser indicadores concretos do desespero e da luta pela sobrevivência. Os gritos e as ordens representam a interação direta entre tripulação e passageiros, mostrando a tentativa de impor alguma organização no meio da crise. O ranger das cordas e dos equipamentos torna-se um vestígio auditivo do esforço físico de preparar os barcos para o resgate.

As expressões faciais e os movimentos frenéticos das pessoas, inicialmente captados como elementos visuais de tensão, passam a remeter para a luta pela sobrevivência e para a desigualdade no acesso aos barcos. O enquadramento que alterna entre os rostos dos indivíduos e as multidões em espera indicia, de forma concreta, a dificuldade de organização e a incapacidade de atender a todos, explicitando a relação entre o contexto do naufrágio e as escolhas forçadas que a cena apresenta. Assim, as qualidades visuais e sonoras identificadas inicialmente como impressões isoladas tornam-se evidências do contexto dramático, relacionando-se com a narrativa e transformando-se em signos indicativos das dinâmicas de desespero, desigualdade e urgência que marcam a cena.

Terceiridade – Aspecto Convencional Simbólico: 

O naufrágio do Titanic é um ponto culminante da história, carregado de vários significados culturais e simbólicos. O simbolismo cultural também aparece no facto de que o naufrágio quebra as ilusões de classe social, apesar das diferenças de classes durante a viagem, no momento da tragédia, todos são igualmente vulneráveis, o que cria uma reflexão sobre as desigualdades sociais, que, embora visíveis e presentes antes da catástrofe, são temporariamente anuladas pela gravidade do evento. Além disso, a ideia do “destino” e da inevitabilidade reflete-se no naufrágio. A destruição representa a queda da arrogância humana e, por extensão, a falha de um sistema social que coloca o progresso e o luxo acima da equidade e da segurança. O contraste com as cores mais brilhantes e quentes da parte inicial do filme (quando o navio ainda está intacto) reforça a sensação de perda e destruição. O mar agitado, e a imensidão do oceano geram uma sensação de impotência frente à grandiosidade da natureza, criando uma atmosfera de perigo absoluto. As personagens, durante o naufrágio, também são símbolos de valores humanos universais, Jack, por exemplo, representa a classe trabalhadora e a luta pela sobrevivência, enquanto Rose, ao seguir a sua decisão de ficar com Jack e afastar- se das normas rígidas da sua classe, simboliza a liberdade e a busca pelo verdadeiro amor, livre das restrições sociais. Juntos, estes representam a superação das barreiras sociais, mas, ao mesmo tempo, são arrastados pela tragédia.

Cena Final

O momento final do filme Titanic, em que Jack entrega-se para salvar Rose, é um dos mais tocantes e simbólicos. Esta tragédia final, caracterizada pelo afastamento das duas personagens, possui significados profundos e pode ser examinada na perspectiva dos conceitos de primeiridade, secundidade e terceiridade.

No plano do conteúdo, a cena da tragédia final em Titanic, em que Jack se sacrifica para salvar Rose, é um momento crucial que representa a superação das barreiras sociais. Jack coloca o bem-estar de Rose acima da sua própria vida, um gesto que simboliza a igualdade entre os dois, independentemente da classe social de cada um. A morte de Jack, enquanto se entrega por amor, transcende a divisão social que marcou a sua relação desde o início. Este ato de sacrifício é o culminar da sua escolha de amar sem se importar com as normas sociais que separavam as classes.

O sacrifício de Jack reflete uma transgressão das normas sociais da época, uma vez que, em vez de se submeter à lógica das divisões de classe, opta por agir com pureza e altruísmo. A sua ação reafirma que o valor de uma pessoa não é determinado pela sua classe, mas pelas suas ações e pela sua capacidade de amar de forma genuína e incondicional. Esta transgressão das normas é central na narrativa, pois Jack, um homem de classe baixa, não só arrisca a sua vida, como se oferece em sacrifício a alguém da elite, desafiando as convenções sociais que separavam os dois mundos. Além disso, a cena sugere que, no momento da morte, as divisões sociais perdem completamente o seu significado. A relação entre Jack e Rose, marcada pelo verdadeiro amor e sacrifício, evidencia que, no final de contas, o amor transcende todas as barreiras impostas pela sociedade.

No plano da expressão, o contraste entre as cores e as luzes é flagrante: a luz fria e a água gelada criam um ambiente de desespero, enquanto o calor humano do gesto de Jack ao sacrificar-se por Rose enfatiza a pureza e a nobreza do amor. Este amor, desconsiderado pela sociedade, é realçado visualmente no momento da tragédia. O movimento de Jack, afastando-se lentamente enquanto segura a jangada e protege Rose, cria uma imagem poderosa de amor, sacrifício e igualdade, como se estivesse disposto a transcender qualquer barreira social por ela. O enquadramento final, com Rose a sobreviver e a manter viva a memória de Jack, simboliza o fim das divisões de classe, uma vez que o amor entre ambos persiste para além da morte e da tragédia, mostrando que, na sua essência, já não existem separações entre as classes.

Primeiridade – Aspecto Qualitativo-icônico: 

Na cena final do filme Titanic, em que Jack se sacrifica por Rose, as qualidades visíveis e concretas desempenham um papel crucial na criação das primeiras impressões. As cores predominantes são os tons frios, como o azul-escuro e o branco, que dominam o cenário gelado do oceano. Estas cores são reforçadas pela iluminação naturalista, destacando o brilho do gelo circundante e a escuridão profunda do mar, enquanto o reflexo da lua cria pontos de luz dispersos na superfície.

O contraste visual entre o gelo cristalino e a imensidão escura da água é flagrante, enquanto as formas angulares e irregulares dos pedaços de gelo flutuantes são evidenciadas pela textura do ambiente. O corpo imóvel de Jack na água e a fragilidade da pequena porta onde Rose está deitada destacam-se no meio da vastidão do oceano. Os sons presentes na cena incluem o barulho contínuo das ondas e o som abafado do vento gelado, que criam uma sensação auditiva de isolamento e hostilidade do ambiente. O movimento lento da água, juntamente com a rigidez e a imobilidade das personagens, sublinha a natureza estática e gelada da situação. Tudo na cena, desde as cores aos sons e às formas, contribui para uma forte impressão sensorial inicial de frio, solidão e vastidão inóspita.

Secundidade – Aspeto Singular-indicativo:

Na cena da tragédia final de Titanic, as qualidades inicialmente percebidas (primeiridade) – como os tons frios, as formas do gelo e a imensidão escura do oceano – ganham significado quando relacionadas com o contexto da narrativa e com o momento vivido pelas personagens, caracterizando a secundidade. Os tons frios (azul-escuro, branco e cinzento) não só representam o ambiente gelado, como também indicam as condições extremas e fatais enfrentadas pelos sobreviventes. O contraste entre o brilho do gelo e a escuridão do mar torna-se um vestígio visual da luta entre a esperança e a fatalidade. Este cenário visual não só remete para o frio físico, como também se torna uma evidência concreta da impossibilidade de sobrevivência naquelas circunstâncias, ligando o ambiente diretamente à história do sacrifício de Jack. 

As formas angulosas e rígidas dos pedaços de gelo, que na primeiridade eram apenas aspectos sensoriais, passam a ser interpretadas como marcas da hostilidade do oceano, reforçando a impossibilidade de refúgio ou segurança naquele espaço. O pedaço de madeira flutuante onde Rose está deitada, em contraste com o corpo submerso de Jack, funciona como um índice da decisão dramática de sobrevivência, traçando uma relação de causa e efeito entre o espaço físico limitado e o sacrifício da personagem. Assim, as qualidades visuais e sonoras que na primeiridade provocavam sensações transformam-se, na secundidade, em traços indicativos que evidenciam o conflito entre a sobrevivência de Rose e a morte inevitável de Jack, marcando o impacto concreto e singular desta cena no contexto da história.

Terceiridade – Aspecto Convencional Simbólico:

O ato de sacrifício de Jack representa muito mais do que apenas um ato de romantismo. Ele representa princípios universais, tais como o altruísmo, o amor sem reservas e a batalha pela sobrevivência. No contexto do filme, simboliza o fim de uma era e a mudança de Rose de uma jovem submetida a normas sociais para uma mulher que tem agora a liberdade de viver a sua vida sem as restrições da sociedade de elite. Os sons da água e do vento, inicialmente percebidos como parte da atmosfera sensorial, tornam-se indicadores diretos do isolamento e do silêncio mortal que acompanha a vastidão do oceano.

A cena possui também um forte simbolismo de desigualdade social e o custo que as personagens enfrentam para ultrapassar tais obstáculos. Jack, oriundo de um contexto modesto, e Rose, membro da elite, parecem, por momentos, partilhar o amor que nutrem um pelo outro. Contudo, o desfecho, onde Jack morre no frio do oceano e Rose sobrevive, representa a severidade das circunstâncias que a sociedade e o destino impõem às pessoas. A água, que no início do filme representava a liberdade e a união, transforma-se agora num limite entre a vida e a morte, entre o amor incondicional e a separação física. A morte de Jack evoca também a noção de transcendência do amor, pois, mesmo após a sua partida, este continua presente na memória de Rose e no seu coração. Além disso, o desfecho de Jack e Rose simboliza a irreversibilidade da morte, um tema crucial no filme, considerando a tragédia do naufrágio. A morte de Jack não só assinala o término do amor entre ambos, como representa o término de uma era marcada pela perda de muitos e pela destruição do navio, que simboliza uma grandeza agora desintegrada pelo oceano.

Sobre os aspectos semióticos do filme

A análise de semiótica peirceana do filme Titanic permite uma leitura rica e profunda dos significados construídos ao longo da narrativa audiovisual, especialmente nos momentos analisados, como o embarque, o jantar, a separação para os barcos salva-vidas e a tragédia final. Esses momentos, interpretados à luz da tríade de Peirce (ícone, índice e símbolo), revelam como o romance entre Jack e Rose transgride as normas sociais e desafia as rígidas barreiras de classe da época. No momento do embarque, o contraste visual entre os passageiros da primeira e da terceira classe, associado aos elementos simbólicos como a grandiosidade do navio e a ostentação de riqueza, introduz as diferenças de classes que serão centrais ao conflito. A relação entre Jack e Rose emerge como um sinal de liberdade e autenticidade, simbolizando uma conexão que desafia os códigos sociais impostos.

Durante o jantar, o jogo de olhares, o tom das conversas e os elementos iconográficos acentuam a tensão entre os mundos que Jack e Rose habitam. Aqui, a linguagem audiovisual destaca as estratégias de transgressão de Rose, ao subverter as expectativas da classe alta e aproximar-se de Jack, cuja presença simboliza o espírito livre. A separação para os barcos salva-vidas é carregada de simbolismo e emoção. O caos e a desigualdade na evacuação do navio, servem como um índice de uma sociedade hierarquizada e injusta. A escolha de Rose em permanecer com Jack, mesmo diante da morte, é um ato icônico que cristaliza a sua rotura com os valores de sua classe e reafirma a centralidade do amor como um valor universal.

Finalmente, na tragédia final, o sacrifício de Jack e a sobrevivência de Rose encapsulam a mensagem transgressora do romance. O desfecho não apenas simboliza a fragilidade das estruturas sociais diante de forças maiores, mas também marca a transformação de Rose, que carrega consigo os valores de liberdade e igualdade representados por Jack.

Assim, as barreiras impostas pelas normas da sociedade são transcendidas pelo romance de Jack e de Rose, servindo como um símbolo da luta contra as divisões de classe. Através da semiótica peirceana, podemos entender como o filme usa signos audiovisuais para criar uma história que mesmo ocorrendo no início do século XX, traz uma mensagem eterna sobre a força do amor e da humanidade em superar as barreiras sociais e culturais.

Referências

Borges, G. (2024). Semiótica Peirciana [Apresentação de slides da aula]. Curso de Ciências da Comunicação, Universidade do Algarve.

Cameron, J. (Director). (1997). Titanic [Film]. Paramount Pictures; 20th Century Fox. Disponível na Netflix: https://www.netflix.com

Wikipédia. (2024). RMS Titanic. Wikipédia

Dísponivel em : . https://pt.wikipedia.org/wiki/RMS_Titanic

Wikipédia. (2024). Titanic (filme de 1997). Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Titanic_(filme_de_1997)

Observatório da Qualidade no Audiovisual

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