Observatório da Qualidade no Audiovisual

Atrás da Pedra: o retrato da luta indígena no Brasil

Produzido em 2015 e com duração de pouco mais de 30 minutos, o documentário “Atrás da Pedra – Resistência Tekoa Guarani” retrata uma luta produzida em qualquer tempo, e que já dura mais de seis séculos. Os idealizadores Taís Oliveira, Thiago Carvalho e Guilherme Queiroz abordaram a luta e resistência dos índios da etnia Guarani Mbyá pela demarcação de terras das três aldeias do bairro Jaraguá, zona norte de São Paulo, que faz divisa com Osasco.

Embora as aldeias Tekoa Itakupe, Tekoa Pyau e Tekoa Ytu sejam terras reconhecidas por estudos técnicos antropológicos aprovados pela Fundação Nacional do Índio (Funai), apenas a Tekoa Ytu é regularizada, com 1,7 hectare demarcado. Os outros 532 hectares que compreendem as aldeias já foram autorizados para a demarcação, mas esperam, desde 2015, a homologação do Governo Federal, que não parece estar interessado em defender os direitos das comunidades tradicionais.

De um lado, lideranças indígenas, antropólogos, representantes da Funai e de organizações pró-indigenistas constroem uma narrativa em defesa dos povos originários. De outro, Antônio Tito Costa, advogado, ex-vereador, ex-prefeito e ex-deputado federal (PMDB-SP), reivindica parte dessas terras, alegando pertencer à sua esposa, já falecida, 72 hectares desse terreno, localizados justamente dentro da Tekoa Itakupe, aldeia que em português significa “Atrás da Pedra” e que dá nome ao documentário.

Nós, os Juruás

Para Comolli, a contradição fragiliza a cena e, por isso, aviva o interesse do espectador, que a todo o momento se vê induzido a mudar de posição. “Aquilo que faz vacilar as referências, aquilo que mina as certezas, incluindo aquelas marcadas no instante anterior, só se faz para trazer novamente à tona a crença – imputando-lhe todas as dúvidas.” (COMOLLI, 2008, p. 95)

Como no jogo das cadeiras, movimentar o espectador é o que pretende um filme documental, e o que “Atrás da Pedra – Resistência Tekoa Guarani” conseguiu concretizar. “Trata-se de ao mesmo tempo suspender e reativar este sonho contraditório que liga o espectador ao filme. Acreditar, não acreditar mais, voltar a acreditar. Mais uma vez, a figura maior do vai-e-vem.” (COMOLLI, 2008, p. 94)

pedra2Os argumentos de Tito Costa, somados ao pensamento do “homem branco”, certamente podem parecer contundentes o bastante para ganhar nossa opinião. Entretanto, as falas favoráveis à demarcação novamente nos inquieta, nos faz pesquisar e refletir sobre a atual situação indígena no Brasil, e nos incita a ir além do pensamento comum da sociedade em que vivemos, organizada tal como ela é.

“Tem deslocamentos. Não dá para você ficar no mesmo lugar quando você está sendo pressionado. É como lá em Rondônia e no Mato Grosso, quando foram passando aqueles militares com seus tratores. A hora que eles chegaram na aldeia, não tinha mais ninguém dentro dela. Claro! Eles iam ficar lá esperando ser esmagados? Não!”, explica a antropóloga Lucia Rangel, aos 10 minutos de vídeo.

“Esse vai-e-vem, de sair e voltar, é uma constante na vida dos indígenas. Porque pra eles, essa saída não é um abandono da propriedade. Eles não têm propriedade. A propriedade privada é uma instituição da nossa sociedade”, completou a estudiosa, na tentativa de fazer com que os espectadores entendam que uma sociedade indígena se organiza de modo diferente dos Juruás, os não-índios.

Eles, os ruralistas

O próximo dia 9 de agosto, Dia Internacional dos Povos Indígenas certamente não será comemorado. Ontem (19), o presidente Michel Temer assinou um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) que incorpora elementos da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o caso da Terra Indígena (TI) de Raposa-Serra do Sol (RR), de 2009, ameaçando a demarcação de terras indígenas em todo o país.

Entre outros pontos, o parecer proíbe a ampliação de TIs e estabelece que todos os órgãos federais, incluindo a Funai, devem considerar que só têm direito à terra as comunidades indígenas que estavam dentro do território no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Brasileira, ou seja, desconsiderando os deslocamentos culturais e os forçados, resultados de anos de massacres sofridos pelas comunidades indígenas, como explicou a antropóloga Lucia Rangel.

“Nos anos 50, o líder André Samuel se estabeleceu na região do Jaraguá. Na década de 60, Joaquim Martim chegou ao Jaraguá e chefiou a aldeia Tekoa Ytu. Já nos anos 70, a terra ocupada pela família de Joaquim Martim sofreu com a construção da Rodovia dos Bandeirantes, que fragmentou o território e destruiu parte da área”, relatou o documentário nos primeiros segundos de filme.

A assinatura deste parecer, somado à PEC 215 que deu para o Legislativo o poder de demarcação das terras indígenas, representam a clara intenção dessas pessoas em ditar regras de convivência em sociedade para uma sociedade que eles sempre quiseram combater. Eles, no caso, os políticos que buscam atender aos interesses dos ruralistas brasileiros, e que, não por coincidência, são eles próprios, amigos ou familiares.

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“Pra mim, um sonho, é que um dia a gente consiga conviver junto com a diferença. Que a sociedade brasileira entenda que o país realmente só vai ser uma nação, quando a gente conseguir respeitar a diferença de cada um” – David Karai Popygua.

Por Luma Perobeli

Assista ao documentário: http://curtadoc.tv/curta/direitos-humanos/atras-da-pedra-resistencia-tekoa-guarani/

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