Observatório da Qualidade no Audiovisual

Bambuluá

Exibida pela Rede Globo entre 2000 e 2001, a telenovela Bambuluá integrava uma extensa estratégia da emissora direcionada ao público infantil e infantojuvenil. A trama, criada por Roberto Talma, marcava o retorno da apresentadora Angélica após o encerramento do programa Angel Mix e também a estreia da TV Globinho, que ficou no ar durante 15 anos. Na história, a TV Globinho era uma emissora fictícia localizada dentro de cidade onde se passava a atração.

Composta por duas temporadas, a telenovela era ambientada na fictícia Bambuluá, a cidade dos sonhos. O lugar era protegido por um Cristal mágico, que impedia a entrada de pessoas más (exceto as crianças). Para proteger a cidade dos Sombrios e do Senhor Dumal, o Cristal deu poderes especiais a cinco crianças de Bambuluá, transformando Deco (Bernardo Marinho), Tatá (Louise Peres), Rodrigo (Sérgio Vieira), Renatinha (Camille Moritz), Cacau (Jefferson Nascimento), Gabi (Nathália França) e Rafael (Yuri Jaimovich) nos Cavaleiros do Futuro. Cada uma das crianças recebeu um anel que representava uma cor do arco íris e o seu poder. O cavaleiro vermelho representava a energia do sol, a cavaleira amarela representava a energia da luz, o cavaleiro verde representava a energia do vento; a cavaleira laranja representava a energia elétrica, a cavaleira violeta representava a energia magnética; o cavaleiro azul representava a energia da água e o cavaleiro lilás representava a energia virtual.

A história tem início com a chegada de Angélica, que na telenovela interpreta ela mesma, na cidade. Há cada capítulo a apresentadora e os Cavaleiros do Futuro se unem para proteger Bambuluá dos Sombrios, os habitantes de Magush, e do vilão Senhor Dumal. Nesse contexto, os conflitos da trama têm sempre como ponto de partida a disputa do bem contra o mal. Entre os temas abordados nos capítulos estão a amizade, o perdão, a compaixão, a solidariedade, entre outros.

Segundo o site Memória Globo, o nome Bambuluá foi inspirado no livro Princesa de Bambuluá, do autor brasileiro Luís da Câmara Cascudo. Na obra, Bambuluá é descrita como uma terra que “olhos que são maus não podem ver”.

Apesar de manter dialética do bem contra o mal durante suas duas temporadas, a atração passou por mudanças consideráveis enquanto estava no ar. Para aumentar a audiência, as sete crianças que inicialmente interpretavam os Cavaleiros do Futuro foram substituídas, no final da primeira temporada, por adolescentes. Na história a troca de atores foi justificada como o resultado de uma transformação do Cristal.

Bambuluá ia ao ar, na Rede Globo, de segunda a sábado, na parte da manhã. De acordo com a publicação do site da Folha, nessa época, o canal dedicava apenas três horas e 30 minutos da grade de programação diária ao público infantil e infantojuvenil. Além de Bambuluá, que era exibida a partir das 8h da manhã, a faixa ainda contava com as atrações Nenêm e Mascote, Irmãos em Ação, Iscavoka Iscavoka e Garrafinha e sua Turma. Os programas eram anunciados na TV Globinho, a emissora fictícia de Bambuluá.

Como iremos detalhar mais adiante a telenovela explorava diversas linguagens e formatos. O elenco não composto apenas por atores e atrizes, mas por bonecos virtuais e fantoches. O caráter lúdico da história também estava presente em vários momentos da trama como, por exemplo, a loja de Serapião que inventa doces que despertam reações e sentimentos nas pessoas tais como risada, amor, etc, e no Neném (Matheus Rocha) e o cão Mascote que vieram de outro planeta.

A ambientação de Bambuluá é um ponto fundamental na construção do universo ficcional. Para trazer verossimilhança a trama foi construída uma cidade cenográfica de três mil m² nos estúdios Globo. O espaço abrangia todos os cenários da telenovela como, por exemplo, o chafariz de pipoca e a biscoiteca.

Todos os espaços eram compostos por minuciosos detalhes que dialogavam com o principal arco narrativo da atração. Nesse contexto, a arquitetura das casas, as cores usadas nas fachadas, os estabelecimentos comerciais, faziam alusão as cores do arco íris e o caráter lúdico da história. Isto é, a ambientação de Bambuluá transportava o telespectador para um lugar mágico, distante da realidade, em que tudo era possível.

A ambientação do programa também abarcava a cidade de Magush. Para ressaltar o antagonismo dos habitantes do lugar, os elementos cênicos contrapunham as cores e a atmosfera lúdica de Bambuluá. As casas pretas e cinzas se confundiam com os lixos deixados nas ruas, com os pneus abandonados e com a fumaça saindo dos bueiros. O universo ficcional do programa também apresentava ambientes virtuais como, por exemplo, a caverna do vilão Senhor Dumal e arena de batalha. Desenvolvido a partir da computação gráfica, o cenário tinha poucas variações, mas ampliava o universo ficcional da atração.

Algumas sequências do programa eram gravadas fora da cidade cenográfica, nas matas que rodeavam os estúdios Globo. Dessa forma, os aspectos visuais e estéticos da ambientação reforçavam a proposta da trama e estimulavam a imaginação dos telespectadores.

A caracterização dos personagens de Bambuluá é norteada pelo principal arco narrativo da trama, a luta do bem contra o mal. Os habitantes de Bambuluá usavam sempre roupas coloridas e que, mesmo que indiretamente, facilitavam a interpretação do telespectador. Como, por exemplo, o uniforme de Serapião Amaral (Anderson Müller), mesmo sem conhecer a história e/ou o perfil ao ver o figurino do personagem o público iria concluir imediatamente que ele era confeiteiro.

O uso da caracterização dos personagens para ajudar na compreensão dos telespectadores também esteve presente no figurino dos Cavaleiros do Futuro, no dia a dia as crianças usavam, na maioria das vezes, roupas com as cores que representavam os seus poderes. Por exemplo, Deco (Bernardo Marinho), o cavaleiro vermelho, usava várias peças vermelhas.

Em contraste com as cores dos habitantes de Bambuluá, os Sombrios usavam roupas e assessórios nos tons de preto e cinza, sempre com aspecto de velho. Por fim, o figurino de Angélica também ressaltava as cores do arco íris, apenas em momentos pontuais da trama, que a apresentadora usava fantasias como de princesa, bailarina, etc.

Além de músicas que já integravam a carreira de Angélica, tais como Vou de Taxi, Sonhos e Cuida de Mim. A trilha sonora de Bambuluá ainda contou com duas canções originais, compostas especialmente para o programa, o tema dos Cavaleiros do Futuro e abertura da série, interpretada por Lenine. As músicas eram executas em todos os capítulos e abordavam alguns pontos centrais da atração.

Como, por exemplo, o trecho da canção tema homônima a telenovela que diz No mundo de um sonhonhoca / Não pode faltar diversão / Lá no chafariz de pipoca / A chuva não chega no chão. A estrofe chama a atenção para o emblemático chafariz de pipoca que fica no centro da praça e a diversão que impera nos habitantes da cidade, os sonhonhocas. Apesar da mudança dos atores que interpretavam os sete Cavaleiros do Futuro, a música tema dos guardiões do cristal permaneceu a mesma.

A fotografia de Bambuluá segue o estilo naturalista, apenas em momentos pontuais foi observado o uso de filtros que alteravam a coloração das cenas. Como, por exemplo, em algumas sequências dos Sombrios e da Mulher do Espelho. Dessa forma, a fotografia das cenas não interferia nos desdobramentos narrativos nem dialogava diretamente com o universo ficcional.

Bambuluá apresentou uma edição linear, isto é, os acontecimentos seguiam uma sequência cronológica. Os flahsbacks foram usados apenas para aprofundar algum arco narrativo. Como, por exemplo, no episódio de estreia da atração em que os Cavaleiros do Futuro contam para Angélica como eles ganharam poderes especiais do Cristal. Para delimitar e indicar ao telespectador que se tratava de uma analepse foram adotadas algumas setas chamativas, tais como vinheta de transição demarcando o presente e o passado, eco nas vozes, narrador em off explicando cada acontecimento, etc. Dessa forma, ao longo das duas temporadas programa as mudanças nas linhas temporais foram direcionadas apenas para o passado e tinha a função de aprofundar e legtimar o fato que a personagem estavam narrando.

Apesar de sempre abordar a dialética do bem contra o mal, Bambuluá trata o tema a partir de vários pontos de vista. Isto é, mesmo condenando as atitudes dos habitantes de Magush, os protagonistas da telenovela tentam compreender os motivos que levaram os antagonistas a agirem de determinada forma. Um dos principais arcos narrativos se desenvolve especificamente em torno dessa questão, quando Angélica tenta trazer Bruck (Pedro Vasconcelos), o braço direito do Senhor Dumal, para o lado do bem. Os diálogos da apresentadora consideram a realidade em que o vilão foi criado, mas sempre argumentando a importância de ser fazer o bem. Nesse sentido, o programa estimula o debate de idéias, mesmo que de maneira breve e em poucos arcos narrativos.

Outro ponto interessante nos conflitos apresentados nos capítulos são os constantes desafios e dificuldades que os protagonistas são expostos. Para vencer os contratempos os personagens reforçam questões como o companheirismo, o perdão e a solidariedade, passando uma mensagem de superação aos telespectadores. Dessa forma, além dos temas centrais da história, Bambuluá ainda aborda outros assuntos relacionados a bondade, ao amor.

Como iremos detalhar mais adiante, na apresentação dos personagens, a telenovela representa os sujeitos de modo pertinente, quebrando estereótipos. A maioria das meninas da trama, principalmente as que integram os Cavaleiros do Futuro, não são apresentadas a partir de aspectos como a fragilidade. Elas se colocam a frente dos problemas e não dependem, necessariamente, dos meninos para superem os conflitos da trama. Outra questão relevante nesta discussão é o personagem Teobaldo (Cosme dos Santos), que é prefeito de Bambuluá e dono do hotel da cidade. Nesse sentido, a atração se distancia de estereótipos geralmente associados aos personagens negros na teledramaturgia brasileira.

A imaginação dos telespectadores é constantemente estimulada em Bambuluá. Desde a ambientação da cidade até os desdobramentos narrativos se distanciam da realidade e aproximam o público de um lugar mágico em que tudo pode acontecer. Dessa forma, apesar de não tratar de temas do cotidiano das crianças e jovens, a trama convida os telespectadores a conhecerem um mundo a parte, uma cidade protegida por um cristal e em que crianças ganham super poderes. O uso de diversas linguagens também reforça o caráter lúdico da telenovela. Os personagens Senhor Dumal e Senhor Dubem e a Mulher do Espelho habitam um cenário virtual, já o sábio Tchilim, o mago das mil faces é um fantoche. Até os estabelecimentos da cidade partem do lúdico como, por exemplo, Biscoiteca de Serapião (Anderson Müller), que vendia doces que despertavam sentimentos e sensações nas pessoas. No primeiro capítulo da telenovela, Angélica come uma bala de Serapião (Anderson Müller) e tem uma crise de riso. Dessa forma, vários elementos do universo ficcional se distanciam da realidade e estimulam a imaginação do público.

Os personagens de Bambuluá são, de forma geral, dividos em dois núcleos: os sonhonhocas, habitantes de Bambuluá e os Sombrios, habitantes de Magush. Os sonhonhocas têm como característica central a alegria, que como discutimos anteriormente, esta questão reflete também na caracterização dos personagens. Apesar de apresentarem poucas camadas interpretativas, ou seja, os personagens raramente apresentam mudanças bruscas e se transformam longo dos episódios, os sonhonhocas não reforçam estereótipos.

Os Cavaleiros do Futuro são meninos e meninas com oportunidades iguais nas batalhas e não se prendem a funções e posturas sexistas. Por exemplo, Renatinha (Camille Moritz) é apaixonada por ciência, já Tatá (Louise Peres) é sonhadora e romântica. Por ser um programa direcionado ao público infantil e infantojuvenil, grande parte do elenco da telenovela é composto por crianças e adolescentes. Os adultos estão sempre dispostos a ajudar as crianças de Bambuluá, mas com exceção de Angélica e Bruck (Pedro Vasconcellos), raramente assumem o posto de protagonistas.

O perfil de Angélica imbrica aspectos relacionados à personalidade real da apresentadora e algumas características fictícias. Na trama, a cantora sempre vê o lado bom das pessoas e se solidariza com os problemas de Bambuluá. Como discutimos anteriormente, a telenovela apresenta diversidade nos sujeitos representados. Essa questão pode ser observada no personagem Teobaldo (Cosme dos Santos) que ocupa uma posição de poder na cidade, se distanciando dos estereótipos geralmente atribuídos aos atores negros.

Os Sombrios, por integrarem um núcleo reduzido, não apresentam características dinâmicas e sempre reforçam o antagonismo, se opondo aos valores de Bambuluá. Nesse sentido, os personagens acabam sendo superficiais e se desenvolvendo, dramaturgicamente, pouco na trama.

Por ser uma telenovela, os conflitos de Bambuluá são provisórios. Isto é, ao longo dos capítulos os problemas são solucionados e, consequentemente, substituídos por outros. Dessa forma, a trama não apresenta uma estrutura unitária, pelo contrário, os desdobramentos narrativos podem se estender por semanas e até por toda a temporada. Porém, sempre mantendo o principal conflito da luta do bem contra o mal.

Um ponto importante no formato de Bambuluá é sua capacidade de adaptação. Por ser escrita enquanto está no ar, a trama está sujeita ao ‘julgamento’ do público, da crítica e também pode ser afetada por questões mercadológicas. Em decorrência da baixa audiência, a Rede Globo optou por trocar, no fim a primeira temporada, todos os atores e atrizes que interpretavam os Cavaleiros do Futuro. Segundo a emissora, grande parte da audiência eram composta por pré adolescentes, dessa forma, era fundamental que os Cavaleiros do Futuro tivessem idades semelhantes as dos telespectadores.

O universo ficcional de Bambuluá não apresenta elementos inovadores. A trama segue a estrutura de uma telenovela, prolongando os arcos narrativos e os conflitos dos personagens. O modo de construção dos personagens e o papel que cada um ocupa na história também repete a proposta de tramas populares em que crianças ganham super poderes para defenderem a população do mal. Dessa forma, Bambuluá não possui uma proposta inédita e/ou que já não tenha sido explorada nas produções seriadas infantis e infantojuvenis.

Entretanto, é importante ressaltar que apesar de não propor novas linguagens Bambuluá se distancia dos estereótipos. Os personagens têm as mesmas oportunidades e não reforçam questões como o sexismo e o preconceito. A partir da dialética da luta do bem contra o mal, a telenovela discute temas como a amizade, o perdão, a solidariedade, a justiça, entre outros. Porém, essas questões são tratas dentro dos arcos narrativos e muitas vezes de modo superficial.

Durante a exibição de Bambuluá foram lançados produtos licenciados da telenovela. Tais como material escolar, jogos e doces. As balas, pirulitos e chicletes eram inspirados nas invenções de Serapião (Anderson Müller), o dono da Biscoiteca. No site oficial da trama era possível ler os capítulos, o perfil dos personagens, assistir a vídeos e fazer um tour virtual pela cidade. Porém, a participação ativa dos telespectadores não era estimulada.

Por Daiana Sigiliano

Ficha técnica:

  • Criador: Roberto Talma
  • Roteiristas: Cláudia Souto, Júlio Iglesias, Cláudio Lobato, Mariana Mesquita, Chico Soares, Toni Brandão e Mariana Caltabiano
  • Elenco: Angélica, Pedro Vasconcelos, Thierry Figueira, Cláudio Galvan, Bernardo Marinho, Rafael Rocha, Louise Peres, Ana Carolina Dias, Camille Moritz, Gabriela Lebron, Jefferson Nascimento, André Luiz Miranda, Nathália França, Railane Borges, Sérgio Vieira, Caio Baldini, Yuri Jaimovich, Rodolfo Saraiva, entre outros.
  • Exibição: 9/10/2000 a 21/12/2001
  • Temporadas: 2 temporadas
  • Número de episódios: 315
  • Duração: 30 minutos

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