Observatório da Qualidade no Audiovisual

Busto no emprego

Por Luma Perobeli

Dos criadores João Moreira, Pedro Santos e João Pombeiro, Busto no Emprego é um história derivada do Programa do Aleixo, conteúdo exibido pela SIC Radical em novembro de 2008. Numa espécie de talk show, esse programa é coapresentado por Busto, personagem fictício personificado por um busto de Napoleão Bonaparte, e que em Busto no Emprego torna-se a figura central da narrativa. Na obra em que aparece pela primeira vez, Programa do Aleixo, Busto é assistente de Bruno Aleixo, personagem de animação digital português.

Além de Busto no Emprego, outras produções também surgiram como spin-offs do Programa do Aleixo, como Aleixo no Hospital, Aleixo no Brasil, Aleixo na Escola e Mister Cimba. Uma produção GANA (Guionistas e Argumentistas Não-Alinhados), Busto no Emprego aborda o dia a dia de um homem num dos seus trabalhos, como atendente de call center.

Situações que ocorrem comumente aos profissionais que trabalham em centrais de atendimento, como perguntas de clientes que nada têm relação com a empresa para a qual eles ligaram, distração no trabalho, embates com o chefe, ou relações pessoais com colegas de profissão, e as respectivas soluções dadas pelo personagem Busto, são o foco da produção de 2009, que em fevereiro de 2010 também passou a ser exibida na SIC Radical.

Com sete episódios de aproximadamente 4 minutos cada, a série está disponível no site da produtora, e possui as mesmas escolhas estéticas do universo a que pertence, o universo do Bruno Aleixo. Nesta produção, que é uma extensão do Programa do Aleixo, há a ampliação dos horizontes narrativos do espectador ao dar a conhecer um pouco mais da vida de Busto, aqui personagem protagonista.

Como nas outras produções, a linguagem característica do universo é bastante simples devido ao software de animação que utiliza. Com relação aos códigos visuais, do plano da expressão, as imagens são poucas e estáticas, e o ponto de vista é objetivo. O cenário é na maior parte do tempo a grande sala em que Busto e outros atendentes trabalham, com predominância da cor branca, mesma cor do personagem principal. O ângulo é quase o tempo todo normal (visão frontal), a iluminação é naturalista e o plano médio é o principal. Nesta série não há a presença de personagens humanos, e a maioria dos personagens que aparecem já são conhecidos do espectador do universo Aleixo devido às outras produções.

Sobre os códigos sonoros, os ruídos nesta série são muito presentes para ambientar o público sobre os locais mostrados, como sons do teclado do computador, notificações de mensagens e toques de telefone. Essa estratégia estimula a imaginação do espectador, que constantemente tem que completar os sentidos recorrendo à criatividade para construir as cenas.

No que se refere aos códigos sintáticos, a narrativa é linear, mostrando desde o momento em que o pai de Busto cobra que o filho arrume um emprego, passando pelo jeito que o personagem tem de engabelar no trabalho, até o momento em que ele cria relações pessoais com uma colega. Dos códigos gráficos, não há vinheta final ou de abertura, mas as imagens que mostram Busto a procrastinar no trabalho conversando com seus amigos pelo computador são importantes para o público entender um pouco mais da personalidade de Busto.  

No que se refere ao plano do conteúdo, é natural do universo Aleixo a presença da oportunidade para o desenvolvimento das tramas e conflitos. Não por se guiar necessariamente pela agenda midiática, isto é, pelas pautas factuais do dia a dia, mas por trazer à tona temas e assuntos passíveis de acontecer à vida de qualquer pessoa que tem uma família, amigos, cobranças, sentimentos e um emprego.

Nesta série, por exemplo, a referência aos temas da época (2009) é constante. Para além de uma menção, plataformas como o Hi5 – rede social virtual que até 2008 estava entre os 20 sites mais visitados na internet e foi muito utilizado em Portugal – e Windows Live Messenger, o famoso MSN – programa de comunicação instantânea pela Internet muito popular nos anos 2000 –, têm a função de encadear fatos e dar sequência à trama.

É o que acontece, por exemplo, quando o patrão de Busto chama a sua atenção por estar frequentemente conversando no computador. A imagem da tela mostra a janela do MSN aberta, e assim o espectador observa que Busto estava mentindo diante do patrão. Entretanto, vale salientar o papel dos diversos barulhos que se ouve na série. Sons de notificações do chat são, na trama, reveladores, e tornam algumas imagens por vezes desnecessárias, tamanha capacidade para a produção de sentido que esses sons podem estimular no espectador, que com algum repertório dessas plataformas de conversas já percebe se tratar do MSN.

O indicador diversidade não tem destaque na trama. O foco nas situações do cotidiano de Busto faz com que suas opiniões e soluções construam a narrativa sem qualquer espaço para a diversidade. Mas longe de ser uma característica negativa, essa ausência é só mais uma especificidade da série, que não necessariamente precisa ser diversa em seus pontos de vista para atingir o seu objetivo.

Narrar uma história em cima do cotidiano de um protagonista pode ser o suficiente para gerar identificação no espectador. Seja pelas críticas que Busto faz ao comportamento de outras pessoas, ou pelas críticas que o próprio personagem recebe dentro das tramas, há, no geral, uma crítica à sociedade como um todo, e ao modo como ela se dá. Desta forma, inúmeras possibilidades podem surgir quando um espectador se reconhece dentro do enredo. E isso nos leva a outros dois indicadores. 

Desconstrução de estereótipos e ampliação do horizonte do público também não são indicadores adotados como estratégias para a construção da série. Narrativas ou temas novos não são trazidos para o público, ou, se levantados, são rápidos e superficiais, e estereótipos são tampouco desconstruídos pela narrativa. Entretanto, o estímulo ao pensamento passa a ser possível uma vez que a história é vista como um retrato da sociedade em que vivemos. No quarto episódio, por exemplo, de menos de 5 minutos de duração, a trama retoma um conflito estabelecido no episódio dois, em que Bussaco liga para a central de atendimento e procura soluções para reaver um dinheiro que por engano carregou em outro número de telefone, que não o dele.

Dando sequência à solução desse problema, o episódio quatro começa com Busto tentando ajudar Bussaco a encontrar o endereço da pessoa que recebeu o dinheiro por engano, mesmo que isso vá contra as permissões de um funcionário de call center. Diante da dificuldade de Bussaco encontrar o endereço, Busto se irrita com o comportamento do homem e questiona a real necessidade de uma pessoa fazer 30 km e ter todo esse trabalho só por causa de 20 euros. Com isso, o mesmo questionamento é feito para o espectador, que tem aí a possibilidade de repensar certas relações de dinheiro estabelecidas pelo sistema em que vivemos. 

Na mensagem audiovisual, podemos considerar que originalidade/criatividade são presentes em Busto no Emprego pelo fato de este ser parte de um universo que há mais de 10 anos sobrevive com um conteúdo feito por uma estética de animação arcaica – ainda hoje que a tecnologia avançou tanto. A trama se torna original num contexto de grandes produções, e isso exige dedicação e criatividade no roteiro.

Quanto à clareza da proposta, Busto no Emprego é bem sucedido. A série atinge seu objetivo de possibilitar ao espectador do universo Aleixo uma experiência mais profunda quando se propõe a dar a conhecer um pouco mais de um de seus personagens, colocando-o no foco das atenções. História derivada do Programa do Aleixo, pode-se considerar que a série aqui analisada é uma das ações transmídia adotadas pelos produtores do universo, que queriam expandir a narrativa inicial.

Em relação ao diálogo com outras plataformas, além de ser desde a sua natureza um diálogo direto com a história da qual se derivou (por se tratar de um spin-off), Busto no Emprego traz no roteiro os principais personagens do universo sem explicar para o espectador como aquela relação entre eles e Busto se estabeleceu. Por pura coincidência, as ligações que o protagonista recebe em seu trabalho como atendente de call center são de pessoas que também são amigas de Bruno Aleixo, colega de Busto. Fazer referência a esses outros personagens, portanto, nas circunstâncias mais improváveis, é dialogar com as outras plataformas que compõem o universo.

Esse diálogo, inclusive, aponta para o indicador solicitação da participação ativa do público, que se limita a este convite que é feito de forma indireta para que os espectadores tenham uma maior imersão nos outros conteúdos. Por outro lado, a intertextualidade, também presente na trama, ganha um pouco mais de destaque. Há referências aos atores brasileiros, às redes sociais muito populares na época em que a produção foi lançada, e à SPORT TV, por exemplo, principal canal televisivo português de conteúdos desportivos.

No geral, o foco dos sete episódios é lançar críticas sutis ao modo de existir das pessoas, tendo como pano de fundo uma central de atendimento. É o que acontece, por exemplo, ao final do último episódio, quando o telefone toca e o funcionário não atende. Desta vez o atendente não é o protagonista Busto, mas o busto de Beethoven, compositor alemão, que era surdo.

* Todas as imagens usadas nesta análise são capturas de tela.

Observatório da Qualidade no Audiovisual

Comentar