Em 2013, São Paulo possuía 11 milhões de habitantes, 49 prédios abandonados na região central e 30 ocupações que seguiam pressionando o Estado por uma política habitacional eficiente. Naquele contexto, Matheus Marestoni, graduando em Comunicação Social na Universidade Anhembi Morumbi, dirigia um filme para o trabalho de conclusão de curso da faculdade, junto com o produtor Rafael Augusto da Silva. “Fantasmas Urbanos” trata da ocupação de prédios abandonados no centro da maior cidade do país, buscando refletir sobre o capitalismo a partir de políticas públicas para a moradia em São Paulo.
Didático, em 27 minutos o documentário aborda o tema, levanta problemáticas e aponta soluções. Os pequenos textos que aparecem na tela trazem dados que endossam o problema do acesso à moradia em São Paulo, e servem de gancho para introduzir ou finalizar os assuntos. Trabalho, propriedade privada, ocupação de prédios abandonados, revitalização, direitos violados, gentrificação, especulação imobiliária, capitalismo e movimentos sociais são as questões discutidas pelos especialistas, que expõem suas opiniões a fim de sensibilizar quem os assiste.
No começo, a aparição de algumas pessoas que sofrem com a questão da moradia ambienta o espectador sobre o assunto. Mas num segundo momento, e em grande parte do filme, a realidade é construída a partir do olhar de especialistas. Como ressalva Comolli (2008, p. 83), “o audiovisual conduz o mundo. Pior, ele o substitui, o fabrica à sua medida. É o mundo que a gente enfeia ou embeleza, conforme aquilo que a gente faz”.
No caso de “Fantasmas Urbanos”, o mundo habitacional do centro de São Paulo é construído por pessoas capazes de explicar ao espectador tudo que ele precisa saber sobre o assunto, como um urbanista, um sociólogo, um advogado, um economista e um corretor imobiliário. Mas, ainda assim, a percepção final do filme se dá pela fusão do olhar do filmado com os outros dois olhares que o permeiam: o do documentarista, e o do espectador.
O olhar do documentarista e o do espectador se faz presente quando o primeiro intervém no depoimento dos ocupantes, na tentativa de ouvir deles o quer saber o segundo. Avellar (2010, p. 133) sugere que “talvez seja possível dizer que o documentário é a possibilidade de uma absoluta fusão entre o eu da pessoa que filme e o eu da pessoa filmada; […] ou que o documentário é o instante em que o gesto da pessoa que filma se alinha com o da pessoa filmada e com o da pessoa que vê o filme”.
Além dessa intervenção, que em “Fantasmas Urbanos” objetiva sensibilizar o espectador pelas perguntas indiretas, o olhar do documentarista também está refletido na construção feita pela linha narrativa. Distanciar os dois mundos (o de quem tem teto e o de quem não tem) para que sejamos instigados a refletir e identificar a desigualdade social, é uma intenção do posicionamento de cada entrevistado: os ocupantes estão em lugares barulhentos, na rua, ou nas janelas e varandas dos prédios; e os especialistas estão em cenários internos, sem ruídos ao fundo, ou cor cinza predominante.
Para quem assiste, a percepção se forma num misto das informações da tela, das vivências dos ocupantes e das explicações dos especialistas. O lado político do espectador se faz presente no filme quando opiniões sobre um mesmo aspecto são colocadas lado a lado, forçando-o a uma reflexão sobre aquilo, mesmo que já influenciada pelos discursos anteriores.
“Fantasmas Urbanos” foi capaz de chamar a atenção para o problema da moradia em São Paulo, mas, como sabemos, as vidas que sensibilizam no documentário nem sempre existem no real. Se existem, são vagabundas, baderneiras e criminosas. Para além de uma política habitacional eficiente em São Paulo, no ano de 2013, o problema continua em 2017, no Brasil todo, e carente de olhares. Olhares que ultrapassem os advindos do documentário, e que atinjam as seis milhões de famílias sem moradia, nessa realidade de sete milhões de imóveis vazios, hoje, no país.
Assista, na íntegra, o documentário: http://curtadoc.tv/curta/cotidiano/fantasmas-urbanos/
Por Luma Perobeli
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