Composta por treze episódios, exibidos ao longo de duas temporadas, a minissérie Hoje é dia de Maria é protagonizada por Carolina Oliveira. Na trama, de Luiz Fernando Carvalho e Luís Alberto de Abreu, a atriz interpreta Maria uma criança alegre, doce e sonhadora. O arco narrativo da primeira temporada, exibida entre 11 de janeiro de 2005 e 21 de janeiro de 2005, é centrado na busca de Maria (Carolina Oliveira) pelas ‘franjas do mar’. Após a morte de sua mãe, Ceição (Juliana Carneiro da Cunha) e de sofrer constantes abusos do pai (Osmar Prado), a menina decide abandonar sua casa e sair em busca do seu sonho, conhecer o mar. A decisão de Maria (Carolina Oliveira) também é motivada pelo repentino casamento do pai (Osmar Prado) com a Madrasta (Fernanda Montenegro). Depois de ser maltratada pela personagem interpretada por Fernanda Montenegro, a menina decide enfrentar os perigos das estradas do País do Sol a Pino rumo a imensidão azul do mar.
Já a segunda temporada, intitulada Hoje é dia de Maria – Segunda Jornada, é focada em temáticas contemporâneas como, por exemplo, a guerra, a pobreza, o capitalismo, etc. Exibidos entre os dias 11 de outubro de 2005 e 15 de outubro de 2005, a trama dá continuidade aos arcos narrativos da primeira temporada. Depois de encontrar as ‘franjas do mar’, Maria (Carolina Oliveira) é arrastada pelas ondas e vai parar em uma caótica metrópole. Cercada dos perigos da cidade grande, para voltar para o País do Sol a Pino a menina tem que enfrentar a ganância de Asmodeu (Stênio Garcia) e a guerra, causada pelo despertar do Gigante.
Além Letícia Sabatella e Rodrigo Santoro as temporadas da minissérie também contam com Ricardo Blat, João Sabiá, André Valli, Rodolfo Vaz, Thainá Pina, Rodrigo Rubik, Daniel Oliveira, Phillipe Louis, Catarina Viamonte, Denise Assunção, Gero Camilo, Ilya São Paulo, Inês Peixoto, Marco Ricca, Mario Cesar Camargo, Suzana Faini e Zé Rescala.
No Plano da Expressão iremos destacar os seguintes indicadores: ambientação, caracterização dos personagens, trilha sonora, fotografia e edição. Construídos em um estúdio com cerca de 2.300 m² de área, os espaços cenográficos criados por Luiz Fernando Carvalho, na primeira e na segunda temporada de Hoje é dia de Maria, foram fundamentais não só para a estética da trama, mas para a expressão corporal do elenco e para o desenvolvimento dos arcos narrativos. Ao ser diretamente influenciada por elementos folclóricos, míticos e por contos populares a cenografia da minissérie ressaltava a atmosfera lúdica da história. O céu pintado com aquarela, o mar feito de pano, os bichos de madeira e os materiais reciclados que compunham os figurinos reforçavam a fábula que imbricava realidade e fantasia.
Nesse sentido a ambientação de Hoje é dia de Maria se tornou parte vital da história de Luiz Fernando Carvalho. Como iremos discutir ao longo de outros indicadores de qualidade, os detalhes cenográficos eram carregados de simbolismo e faziam referências a cultura popular e a religiosidade do povo brasileiro. Desta forma, cada elemento que compunha as cenas reafirmava o universo ficcional da minissérie.
Com a proposta de reutilizar os materiais do acervo de figurinos da Rede Globo, a caracterização dos personagens da minissérie se destacou por seu primoroso trabalho artesanal. Além de dialogarem com a personalidade e as características dos personagens, as roupas chamavam a atenção do telespectador por sua riqueza de detalhes.
Como, por exemplo, o terno de Boneco, interpretado por Daniel de Oliveira na segunda temporada de Hoje é dia de Maria, que foi confeccionado apenas com páginas de jornal da seção de classificados, e o sutiã de Alonsa (Letícia Sabatella) feito de com papeis de bala e tampinhas de garrafa. A utilização de materiais recicláveis na composição dos figurinos também esteve presente no vestido usado por Maria (Letícia Sabatella) na fase adulta durante a primeira temporada, em que foram usadas mais de 850 folhas de papel prensado.
Além da preparação vocal e musical, para interpretar os personagens de Hoje é dia de Maria o elenco da trama teve que passar por aulas de expressão corporal. Esse aspecto pôde ser observado no vilão da minissérie, Asmodeu (Stênio Garcia), mesmo com a ajuda do figurino e da maquiagem, as principais características do personagem eram enfatizadas através do seu gestual. O corpo arqueado, o andar ligeiro e a expressão maquiavélica traduziam as intenções do vilão ao criar empecilhos para desviar Maria das ‘franjas do mar’.
Por se tratar de uma fábula, as duas temporadas de minissérie também tinham a presença de bonecos e de marionetes. Desenvolvidos por Tiche Vianna, Luis Louis e pelo Grupo Giramundo os bichos que interagiam com Maria (Carolina Oliveira/Letícia Sabatella) e os personagens que compunham os núcleos da cidade, do reino do príncipe, entre outros, traziam uma mistura de linguagens e texturas para a trama.
Criado por Raimundo Rodrigues, o Pássaro, que depois é interpretado na forma humana por Rodrigo Santoro, foi manipulado pelo Grupo Giramundo. Para quê a marionete, composta por 20 fios, pudesse interagir com Maria (Carolina Oliveira/Letícia Sabatella) e mantivesse a leveza durante os vôos pelo País do Sol a Pino foram necessários dois meses de trabalho até chegar em um modelo que pesava apenas 12 quilos. Além de reforçarem o caráter lúdico da história, a presença dos bonecos e marionetes também contribuíam para a imersão do telespectador no universo ficcional de Luiz Fernando Carvalho.
Já no indicador trilha sonora podemos destacar a forma como a música estava imbricada aos desdobramentos arcos narrativos das duas temporadas. De modo geral, a trilha da minissérie foi composta por grandes nomes da música brasileira como, por exemplo, Villa-Lobos, Guerra Peixe, Francisco Mignone e Alceu Boquino, além de antigas cantigas de roda e das canções criadas especificamente para a atração. O resgate de compositores clássicos nacionais reforçou a identidade e a cultura popular que permeava toda a trama, apesar de terem ganhado novos arranjos, assinados por Tim Rescala, musicas emblemáticas como Melodia Sentimental, de Villa-Lobos, e Mourão, de Guerra Peixe, embalaram momentos cruciais da história. A trilha sonora em Hoje é dia de Maria também tinha a função de expressar o sentimento dos personagens e ajudar os telespectadores a compreenderem a narrativa. Como, por exemplo, quando Maria caminha sozinha no País do Sol a Pino (Carolina Oliveira) ou quando Dom Chico Chicote (Rodrigo Santoro) decide se atirar no mar.
A relevância da música no universo ficcional da atração é tão forte que na segunda temporada foram compostas 50 canções inéditas para serem interpretadas pelos personagens. Nesse sentido, a trilha sonora da minissérie cumpria também uma função narrativa, pois contribuía diretamente para o desdobramento dos acontecimentos. Outro ponto importante na minissérie foi o uso de efeitos sonoros, durante a primeira temporada Asmodeu (Stênio Garcia) e Pássaro/Amado Rodrigo Santoro eram anunciados através de sons de instrumentos musicais. Ou seja, cada aparição dos personagens era antecipada por um efeito sonoro característico.
Por se tratar de uma fábula, a fotografia de Hoje é dia de Maria reforçava o caráter lúdico e fantasioso do universo ficcional. Na primeira temporada a iluminação, feita com 420 refletores, ressaltava o calor do sertão causado o sol a pino. Os tons pastel, que representavam a poeira, era evidenciados com uma fotografia esfumaçada, que fazia com que as cenas remetessem a grandes telas de aquarela.
Já na segunda temporada a fotografia foi usada para reforçar a megalomania da metrópole em que Maria (Carolina Oliveira) estava perdida. Além dos 420 refletores, Luiz Fernando Carvalho usou três balões difusores se deslocavam em cabos de aço e projeções luminosas para representarem o caos dos arranha céus e da multidão que transitava pelas ruas. Nesse contexto, o indicador em questão não interferia diretamente no desdobramento da trama, mas ajudava a construir – seja fazendo alusão ao sertão nordestino, as grandes cidades ou a atmosfera lúdica das histórias infantis – o universo ficcional das duas temporadas.
Por fim, o último indicador do Plano da Expressão, a edição, se difere nas duas temporadas de Hoje é dia de Maria. Na primeira temporada foram usados cortes lentos, representando a solidão da jornada pelo País do Sol a Pino, já na segunda os cortes eram ágeis e ressaltam o ritmo frenético da metrópole. Dessa forma, apesar de ser linear, e muitas vezes didática, a edição traduz os ambientes em que se passavam as tramas da minissérie.
No Plano do Conteúdo iremos destacar os seguintes indicadores: intertextualidade, escassez de setas chamativas, efeitos especiais narrativos e recursos de storytelling. O primeiro indicador de qualidade no Plano do Conteúdo, a intertextualidade, esteve presente em, praticamente, todos os episódios de Hoje é dia de Maria. Influenciada pelos contos infantis e pela cultura popular, a atração fazia as referências externas ao seu universo ficcional através dos figurinos, da construção dos personagens e do desenvolvimento dos arcos narrativos.
A intertextualidade da trama pôde ser observada, por exemplo, no simbolismo do figurino da personagem Morte, interpretada por Suzana Faini. Durante a sua conversa com Maria (Carolina Oliveira) a personagem tece um fio de linha vermelho fazendo alusão as Moiras. Na mitologia grega, as Moiras são três irmãs que fabricavam, teciam e cortavam o fio da vida das pessoas. Nesse contexto, apesar de não interferir diretamente da trama, ao reconhecer o dialogo entre a colocação da personagem em cena e a mitologia grega, o telespectador ampliava o universo ficcional da minissérie.
A intertextualidade também esteve presente na construção dos personagens de Hoje é dia de Maria. Como, por exemplo, em Dom Chico Chicote (Rodrigo Santoro), na segunda temporada do programa. Além da clara referência na grafia do nome, a expressão corporal e a armadura faziam alusão a Dom Quixote de la Mancha. Assim como o cavaleiro de Miguel de Cervantes, o personagem de Rodrigo Santoro era caracterizado por sua inocência e melancolia. Entretanto, ao invés de lutar contra moinhos de vento, o cavaleiro nômade Dom Chico Chicote (Rodrigo Santoro) se opunha as injustiças da sociedade contemporânea.
Os desdobramentos dos arcos narrativos das temporadas de Hoje é dia de Maria também apresentavam referências externas ao universo ficcional. Esse aspecto pôde ser observado no encontro de Maria (Letícia Sabatella) com o Príncipe (Rodrigo Rubik), o plot dos personagens segue a mesma estrutura de Cinderela. Isto é, assim como no conto de fadas, Maria (Letícia Sabatella) perde seu sapato ao deixar o baile à meia noite.
A intertextualidade esteve presente no arco narrativo do Pai de Maria (Osmar Prado) na primeira temporada. Ao sair pelo País do Sol a Pino o personagem é tentado pelo Diabo (Stênio Garcia) em uma clara referência a Bíblia. As intertextualidades também podem ser observadas no arco narrativo dos Saltimbancos, nas citações a aparição de Nossa Senhora Aparecida, nos elementos culturais (repente, maracatu, etc.), entre outros.
Apesar de ser permeada por intertextualidades e transitar entre a realidade e a fantasia, Hoje é dia de Maria apresentou várias setas chamativas. Os cartazes narrativos da minissérie eram dispostos pela narradora da trama e pelos personagens. Todos os episódios do programa eram narrados pela atriz Laura Cardoso, nesse sentido o telespectador era didaticamente informado, pela voz em off, de cada acontecimento da história. As setas chamativas também estavam presentes nos diálogos dos personagens, como, por exemplo, quando Maria (Carolina Oliveira) encontra as crianças carvoeiras ela retoma toda a sua trajetória até ali, explicando o que a levou fugir de casa e que seu sonho é ver as ‘franjas do mar’. Este recurso narrativo que diminui o esforço analítico necessário para o entendimento da trama também foi usado na sonorização.
Na primeira temporada de Hoje é dia de Maria o Diabo Asmodeu (Stênio Garcia) se transfigura em seis personagens diferentes. Para indicar ao público que se trata do mesmo personagem, porém com outra feição, a minissérie usava um efeito sonoro característico. Isto é, cada aparição de Asmodeu (Stênio Garcia) era acompanhada do som de uma flauta. Dessa forma, o público relacionava imediatamente o vilão com as suas distintas formas. Por fim, a minissérie retomava alguns momentos importantes da trajetória da Maria (Carolina Oliveira/Letícia Sabatella), por exemplo, quando a personagem cita o casamento de seu Pai (Osmar Prado) com a Madastra (Fernanda Montenegro) foram mostradas imagens do acontecimento em questão. Nesse sentido a própria trama ‘costurava’ e relembrava os arcos narrativos para público.
O indicador efeitos especiais narrativos não esteve presente nas temporadas de Hoje é dia de Maria. Apesar ser composto por clímax e reviravoltas, o desenvolvimento dos arcos narrativos da minissérie apresentam desdobramentos usuais dos plots e sub plots. Isto é, mesmo quando há alguma revelação na trama ela partia de um acontecimento prévio, dessa forma o telespectador não tinha que reconsiderar o que tinha sido apresentado até então sobre o universo ficcional.
Outro ponto que deve ser considerado foi o uso de outras linguagens, como, por exemplo, a animação, o stop motion e o pixillation (em que cada gesto dos atores era fotografado e, posteriormente, animado). Porém, apesar desse hibridismo, as sequências que exploravam outras estéticas eram curtas e não se estendiam por todo o episódio. Nesse sentido, a linguagem central da minissérie mantinha-se mesmo com a inserção de outros formatos.
Por fim, apesar de ter analepses e sequências fantasiosas as temporadas analisadas de Hoje é dia de Maria não apresentava o indicador recursos de storytelling. Os recursos foram usados de maneira didática e demarcada se distanciando da complexidade. Dessa forma, enquanto os flashbacks ajudavam o público na compreensão da narrativa as sequência fantasiosas reforçavam a estética lúdica da minissérie.
Por Daiana Sigiliano
* Todas as imagens da minissérie usadas nesta análise são capturas de tela.
Ficha Técnica:
Hoje é dia de Maria – 1ª Jornada
- Autoria: Luiz Fernando Carvalho e Luís Alberto de Abreu, inspirada no texto de Carlos Alberto Soffredini.
- Direção-geral: Luiz Fernando Carvalho
- Núcleo: Luiz Fernando Carvalho
- Período de exibição: 11/01/2005 – 21/01/2005
- Nº de episódios: 8
- Horário: 23h
Hoje é dia de Maria – 2ª Jornada
- Autoria: Luiz Fernando Carvalho e Luís Alberto de Abreu
- Direção-geral: Luiz Fernando Carvalho
- Núcleo: Luiz Fernando Carvalho
- Período de exibição: 11/10/2005 – 15/10/2005
- Nº de episódios: 5
- Horário: 23h
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