Ilha Rá-Tim-Bum foi um seriado infanto-juvenil produzido e exibido pela TV Cultura entre 2001 e 2002. O projeto já havia sido concebido desde a finalização de Castelo Rá-Tim-Bum,em 1995, mas enfrentou dificuldades com a captação de recursos para sua realização. O seriado contou com alto orçamento para as produções infantis patrocinado pela Lei Rouanet (R$ 1,5 milhão) e pela Fundação Bradesco (cerca de R$ 4,5 milhões). O custo por episódio era de cerca de R$ 100 mil, próximo do custo das superproduções da Rede Globo como, por exemplo, a telenovela Porto dos Milagres exibida no mesmo período, com custo de cerca de R$ 160 mil por episódio. Além disso, a história também se expandiu para o cinema no filme intitulado O Martelo de Volcano, cujo orçamento foi de R$ 2,5 milhões.
O programa foi exibido originalmente às 19h30 entre o bloco Hora do Esporte e o programa de variedades Vitrine.Nesse horário, o SBT exibia a novela infanto-juvenil Cúmplices de Um Resgate enquanto outros canais abertos como a Globo, a Record e a RedeTV! exibiam conteúdo voltado parao público adulto (respectivamente, a novela Desejos de Mulher, Jornal da Record e o tablóide TVFama). Nesse sentido, a escolha desse bloco na grade horária abria a possibilidade de conteúdo direcionado para essa faixa etária na televisão aberta o que se mostrou uma decisão acertada, visto que o seriado atingiu uma média quatro pontos de audiência tornando-se um dos maiores sucessos da emissora.
A narrativa de Ilha Rá-Tim-Bumse desenvolve a partir de cinco jovens que ao perderem a embarcação que os levariam para um concurso musical decidem pilotar uma lancha até o destino. Porém, o combustível do veículo se esgota no meio do Oceano Atlântico e eles ficam à deriva até encontrar uma ilha que ainda não consta nos mapas. Nesse lugar, precisam desenvolver habilidades com poucos recursos e sem os artefatos da civilização moderna para sobreviver as aventuras e, também, ao antagonista.
O seriado utiliza um modelo hibrido de narrativa abrangendo tanto arcos episódicos (com início, meio e fim no mesmo episódio) quanto arcos seriados que são prolongados durante toda a temporada. Elementos importantes da história só são explorados no decorrer da narrativa como, por exemplo, o composto mágico Moftaá Shabaáb que permite manter-se jovem. Desde o primeiro episódio, essa poção é citada, mas seus usos só serão revelados no meio da temporada. Hipácia detém o saber a respeito da preparação da porção assim como a Deusa Isís que recorrentemente faz referência. A indagação dos motivos pelos quais Nefasto não há destrói estão presentes desde o princípio da narrativa, mas só adiante serão relacionadas a este elemento.
Os cenários são variados, mas em geral agregam elementos naturais como a floresta e as montanhas da ilha ficcional. A computação gráfica e os efeitos visuais especiais são utilizados com muita frequência tanto para indicar a personalidade mágica de alguns personagens como elementos drámaticos. Na batalha entre Hipácia e Nefasto, por exemplo, a tela se divide entre um fundo verde (atrás dela) e um fundo vermelho (atrás dele) indicando suas posições opostas e essa dictomia. A visão de Nhã Nhã Nhã também é apresentada deturbada como se vissemos através dos olhos de uma aranha. Na fotografia há sempre muito contraste e as cores são mais sóbrias em momentos de calmaria e mais fortes em momentos de ação.
A trilha sonora é primordialmente instrumental e com muito uso de fundos musicais sob as falas dos personagens. Nesse sentido, em alguns momentos a edição de áudio não permite escutar claramente todas as palavras do roteiro. A música de abertura Ilha Rá-Tim-Bumé composta por Mario Manga e interpretada por Pedro Mariano, Bukassa e Fernanda Takai. A canção descreve de maneira misteriosa o mundo ficcional como, por exemplo, no trecho “meio escondida, misteriosa, meio encolhida, lindamente estranha como teia de aranha”. Os personagens também tem temas próprios lançados, pela Abril Music, em um CD com 14 faixas.
A edição é predominantemente linear, mas apresenta alterações pontuais em sua cronologia para aprofundar alguns arcos narrativos como, por exemplo, a explicação dos motivos pelos quais os personagens estavam perdidos em alto mar, apresentada apenas no segundo episódio. A denominação da ilha, Rá-Tim-Bum, também só é exibida neste episódio após a comemoração do aniversário de Raio e advém, provavelmente, do trecho final de Parabéns pra você.
O programa consegue promover a ampliação do horizonte do público visto que muitos conteúdos informativos e educativos estão imbricados na narrativa. Uma das principais questões se relaciona com a constante menção à mitologia greco-romana por parte de Hipácia. Além disso, o personagem Micróbio também trás frequentemente fatos curiosos que servem tanto de apoio para a continuidade da história ou de solução para determinado problema como algo novo para os telespectadores.
Os personagens que compõem o grupo divergem em muitos pontos, apresentado de maneira recorrente diversos pontos de vista. A imposição da figura masculina dominadora de Gigante é frequentemente desafiada pelo forte posicionamento de Majestade. A contraposição da aparente dicotomia entre o bem o mal também se desenvolve de modo que apresenta outras nuances e perspectivas como, por exemplo, a origem de Nefasto. O antagonista surge a partir de um experimento de Arielibã, um dos primeiros habitantes da Ilha junto com Hepácia, e está diretamente ligado a ele. Por ser uma bactéria, precisa do Moftaá Shabaáb para sobreviver. Nesse sentido, ela faz concessões cedendo-lhe a poção tanto para salvar as crianças como, também, para manter o espírito de Arielibã vivo, afastando essa noção extrema entre bem e mal.
O público alvo definido pela TV Cultura determina a faixa etária entre 7 e 11 anos. A idade dos personagens principais varia entre 10 e 16 anos e alguns temas podem estar descolados da faixa etária pretendida como, por exemplo, o arco amoroso de Gigante e Rouxinol. No entanto, a série atende ao público infanto-juvenil de maneira geral e a amplitude dos sujeitos representados permite que uma maior parcela dos telespectadores possa se identificar com os personagens. É importante ressaltar a importância da presença de dois jovens negros no elenco principal e do papel de Majestade na contestação da posição feminina na sociedade.
O programa faz uso de muitos recursos lúdicos na composição narrativa, na caracterização dos personagens fantásticos e no uso de efeitos especiais. Em conjunto, isso permite ao público um deslocamento da realidade para habitar um espaço fértil da imaginaçãoalém da proposição de eventos elaborados que demandam uma leitura mais atenta.
O primeiro episódio tem a função de introduzir os personagens do núcleo central. Nefasto (Ernani Moraes) é o antagonista da trama, e pretende destruir os humanos para controlar o mundo. O personagem é caracterizado como um humanoide deformado com protuberâncias no topo da cabeça que se assemelham a um cérebro e que, em determinados momentos, pulsam como tal servindo também de recurso narrativo.O vilão tem o plano de estudar os jovens que chegam em sua ilha para compreendero comportamento da humanidade como um todo e, por fim, usar suas descobertas como matriz de sua destruição.
Já a caracterização de Hipácia (Graziella Moretto) se aproxima da figura de humanos da Antiguidade, mas também com algumas características de povos nativos, indígenas assim como a introdução de recursos mágicos. A personagem tem cabelos longos e trançados como dreadlocks que remontam também à Antiguidade, principalmente na Índia e na África. Usa um corselete revestido de folhas em alusão àsua relação com a natureza e carrega consigo seu cajado mágico. O nome da personagem é, provavelmente, uma referência à matemática e pensadora do Império Romano, Hipácia da Alexandria. Isso pode se confirmar devido as diversas referências em suas falas que destacam deuses das mitologias greco-romana como Prometheu e Isís. Na narrativa, ela serve como contraponto à Nefasto e como protetora dos jovens perdidos.
Micróbio (Rafael Chagas), Milton Pereira da Silva ou Miltinho é o personagem mais novo. Muito inteligente e com excelente memória, é ele que sempre assume o papel de pesquisador e de usuário ativo da tecnologia vigente. Como, por exemplo, câmeras filmadoras de mão e, também, enciclopédias eletrônicas. Além disso, Micróbio (Rafael Chagas)representa o agente educativo e informativo da trama, com suas citações de filósofos e explicações para fenômenos como, por exemplo, a queima de combustível. Usa óculos retangulares verdes, uma mochila amarela e sua camiseta tem um padrão semelhante ao do personagem Charlie Brown dos quadrinhos Snoopy podendo indicar uma referência à cultura geek e as HQs.
Gilberto Soares (Paulo Nigro), o Gigante, é o personagem mais velho da turma de jovens. Ele é um adolescente esportista que foi bem-sucedido em uma série de modalidades e, por isso, é dotado de diversas habilidades. O porte físico do personagem é típico dos jovens da época e se aproxima de outros seriados juvenis em exibição como Malhação. Gilberto (Paulo Nigro) usa bermuda azul e camiseta vermelha, além de um modelo de tênis frequentemente usado em atividades de exploração ao ar livre.
Rosana Pereira da Silva (Greta Antoine), a Rouxinol, é irmã de Micróbio e ela que se refere a ele como Miltinho. A personagem é descrita como uma típica pré-adolescente paulistana de classe média e seus interesses a princípio são tidos como fúteis. Segue Gigante como seu líder por estar apaixonada por ele, apesar de ser bem mais nova. Sua caracterização física também segue o padrão da época com camiseta com estampa de borboleta, short vermelho e tênis.
Raio (Abayomi de Oliveira), o Ramiro Serrano, representa a parte lúdica da infância através de seus dons de articulação da imaginação e habilidades artísticas. Ele frequentemente apresenta neologismos, principalmente concatenação de palavras, que expressão sentimentos ambíguos ou confusos que não consegue descrever como, por exemplo, “dividúvida” – uma dúvida que o divide. O personagem usa calças brancas com detalhe laranja, camiseta amarela, um colar prateado com um grande pingente retangular e, por vezes, boné vermelho.
Majestade (Thuanny Costa) ou Maíra Rocha é uma personagem forte e com grandes tendências a liderança. Seu apelido foi definido por ela mesma e justificado através da fala “gosto de mandar e não obedecer”. Nesse sentido, ela entra em embate com Gigante por essa posição acarretando por vezes na divisão do grupo. Ela usa uma tiara no cabelo, camiseta curta, calças brancas e carrega uma mochila laranja.
Além do núcleo central a história apresenta outros personagens recorrentes que compõem outros arcos narrativos ou servem de indexadores da história do episódio como, por exemplo, a aranha Nhã NhãNhã (AngelaDip) e o ser híbrido metade humano e metade lagarto Solek (Luiz de Abreu) que se torna o braço direito de Gigante.
Os narradores da história são onipresentes. São três animais: o tatu Rá (Pedro Mariano), a passarinha Tim (Fernanda Takai) e o bicho-preguiça Bum (BukassaKabengele). Eles têm um papel central na narrativa visto que servem de fio condutor e também para dar congruência aos diversos arcos explorados. Além disso, os personagens facilitam a compreensão do todo, especialmente para as crianças. Eles apresentam um vício de linguagem individual e finalizam suas frases com, respectivamente, “viu?”, “tá?” e “né?”. Essas interjeições se articulam como um elemento indicativo do fechamento de uma fala e como uma espécie de leitmotiv que se repete durante toda a produção servindo para contribuir com o ritmo e sequência.
Além de se distanciar das narrativas infantis tradicionais presentes na televisão, o seriado experimenta convergir não só formatos narrativos, mas também os gêneros de aventura, romance e comédia. O uso de recursos gráficos é bastante inovador para a época e se justifica através do orçamento que permitiu isto. A parte da verba destinada à própria produção, a TV Cultura investiu ainda cerca de R$ 7 milhões de reais na modernização de seus estúdios e estruturas para desenvolvimento de Ilha Rá-Tim-Bum. A história aborda muitos arcos narrativos e comporta muitas nuances revelando uma trama muito criativa e que conquistou as audiências.
A narrativa também se expandiu para as telas do cinema através do filme O Martelo de Volcano. É interessante notar que o conteúdo explora uma parte da história que integra o universo ficcional da série, mas não se trata de uma simples tradução intersemiótica ou mesmo de uma continuação do produto televisivo. A narração onipresente característica do seriado é abandonada para composição de uma narrativa linear com duração de 1h20.
No entanto, alguns problemas de congruência podem ser facilmente identificados o que compromete a experiência de expansão da dimensão diegética. O figurino dos personagens não se altera durante o programa na televisão, levando a crer que isso não era possível devido as condições que se encontravam, mas no filme os personagens vestem roupas diferentes das anteriormente apresentadas. Além disso, o filme tem um limite temporal que se enquadra entre os episódios 27 e 34 da temporada na televisão, mas apresenta algumas informações que só foram apresentadas nos últimos episódios.
A TV Cultura investiu também na elaboração de um site que continha expansões transmídia do conteúdo, jogos e atividades educativas. Na página para a orientação de professores quanto ao uso em sala de aula da narrativa, a emissora afirma “a televisão e a Internet são veículos que podem se complementar e enriquecer o processo educativo. Assim, a série e o site Ilha Rá-Tim-Bum visam colaborar, de forma agradável, para a formação da criança, estimulando-a no desenvolvimento de valores positivos e de atitudes mais justas e solidárias”.
Em quinze dias, o site alcançou a marca de 700 mil acessos e a produção recebeu cerca de 500 e-mails de telespectadores. A página inicial apresenta o mapa da Ilha Rá-Tim-Bum com cinco áreas clicáveis: Árvore da Hipácia, Teia da Nhã-Nhã-Nhã, Canto do Solek, Caverna dos Coisos e Torre do Nefasto.No canto inferior esquerdo da tela principal do site, eram apresentados resumos das problemáticas do episódio em exibição naquele dia.Como, por exemplo, “Nefasto usa sua mágica e apaga todo o fogo existente na Ilha. As crianças vão ter problemas para conseguir fogo, né?” em referência ao oitavo episódio.
Além dos jogos e conteúdos educativos como histórias e teste de memória, as seções também apresentam expansões da narrativa somente disponíveis nessa plataforma tais como capturas das câmeras de segurança controladas por Nefasto ou a possibilidade de contar sua própria história, e enviá-la aos produtores, como os personagens fazem com a aranha Nhã-Nhã-Nhã.
Outras quatro seções laterais estavam disponíveis para a navegação do público: Crianças, Mochila, Elencyclo e E-mail. Na primeira estavam contidas as informações sobre os personagens do elenco central. Na segunda, encontravam-se as sinopses dos episódios, um clipe musical, uma página para escutar a trilha sonora e outra denominada “Brindes” foram disponibilizados papéis de parede para download. A terceira seção emulava a enciclopédia eletrônica que o personagem Micróbio utilizava em seu computador. A última se destinava ao envio de e-mails para a produção.
Por Vinícius Guida
Ficha Técnica:
- Direção: Fernando Gomes e Maísa Zakzuk;
- Roteiro: Flávio de Souza;
- Elenco: Paulo Nigro, Greta Antoine, Thuanny Costa, Rafael Chagas, Abayomi de Oliveira, Graziella Moretto, Ernani Moraes;
- Exibição: 01/07/2002 a 12/09/2002;
- Temporadas: 1 temporada;
- Número de episódios: 54;
- Duração: 24 minutos.
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