Observatório da Qualidade no Audiovisual

Inquilinos

Por Ricardo Souza

No ano de 2018, a RTP lançou dentro do seu projeto “RTP Lab” a websérie Inquilinos, produzida por Rui Contra. Esta é uma série de comédia que aposta na irreverência e no envolvimento do público. Uma história profunda contada de forma burlesca, composta por momentos que funcionam como estímulos a um público que irá procurar em Inquilinos uma distração do mundo real. Segundo o jornal Paper Plane, Inquilinos surge do desejo de contar uma história num formato de curta duração para uma plataforma em que a narrativa não sofresse as limitações que existem noutras plataformas mais tradicionais. Assim surge Inquilinos, uma série de cinco episódios em que o amor e as bizarrias do mundo virtual ganham vida nos temas e personagens. 

Abordando temas contraditórios de forma satírica e exagerada, como uma discussão sobre a terra plana presente no segundo episódio, Inquilinos mescla o “humor escrachado”, a perspicácia em introduzir os temas de forma bem humorada e a simplicidade na construção técnica do seu produto. Em cada episódio temos a presença de um personagem diferente na casa de Fred e Catarina, e esses convidados compõem a narrativa apresentando novas situações para os protagonistas.

A websérie é construída com o intuito previamente apresentado de ser uma realidade que se aproxime com o público, demonstrando de forma quase que caseira para seus telespectadores a vivência de Fred e Catarina. Eles são um casal de ex-namorados que agora dividem uma mesma casa. O relacionamento deles é bom, são amigos e dividem o mesmo ambiente sem constrangimentos. Em relação aos recursos técnico-expressivos do plano da expressão se destacam os códigos sintáticos, pela edição e ritmo do programa. Inquilinos é dinâmico em seus episódios, a edição é rápida, com cortes secos e ágeis, que aumentam as doses de humor em suas cenas exibidas momentaneamente de forma que por vezes nos surpreende ou nos pega desprevenidos por ser algo improvável de acontecer, mas que acaba acontecendo. Como por exemplo, no primeiro episódio, “O cavalo e a cenoura descascada”, em uma cena em que Fred, após discutir com Catarina e um amigo que o foi visitar, começa tocar teclado para provocar os seus dois amigos. A cena é exibida com cortes muito rápidos, transitando de Fred para Catarina e seu amigo, que exibem reações engraçadas, mas de reprovação ao que estão ouvindo de Fred. Cenas como essas são corriqueiras na narrativa de Inquilinos, mostrando assim que há uma identidade presente no estilo de edição e ritmo do programa. 

Os códigos sonoros de Inquilinos reforçam mais uma vez a simplicidade da produção de fácil identificação com o telespectador, isso porque não há a presença de microfones para uma captação de som próxima e nítida. A captação é feita pela própria câmera, o que acaba sendo uma captação simples e bem natural, que é o objetivo da série. Temos os sons “ecoados” da casa em ambientes como o banheiro ou a varanda e sons externos que por vezes surgem nas cenas, como carros passando na rua. 

A série utiliza poucos códigos gráficos em sua produção. Não há uma vinheta inicial, e nem uma final, com exceção do título que surge em grafismo no início, sobreposto sobre uma cena do episódio, e dos créditos que surgem na tela ao final dos episódios. 

Por fim temos os códigos visuais, que são igualmente utilizados para destacar a simplicidade da produção e da narrativa. A fotografia e a iluminação são naturais em cenas como as da varanda, cozinha e banheiro, que por vezes são até escuras, e cenas na sala são compostas por luzes artificiais. Entretanto, no quinto episódio, “festa com os amiguinhos”, as luzes artificiais destacam-se pela utilização de pisca-piscas e luzes eletrônicas utilizadas em festas. A festa que Fred e Catarina dão é toda iluminada com essas luzes, diferenciando esse episódio dos demais, que contém em sua maioria luzes naturais. Destaca-se também o cenário, já que a série possui somente uma locação, que é a casa de Fred e Catarina. Não conhecemos nada além dos ambientes de dentro da casa, a sala, a cozinha, a varanda e o banheiro. Não vemos os quartos e nem o lado de fora da casa. 

Partindo para os recursos do plano do conteúdo, Inquilinos não aprofunda e não se preocupa em nos apresentar os personagens. Não conhecemos o passado de Fred nem de Catarina. Não sabemos quais são suas motivações, nem o que leva os protagonistas a tomarem atitudes tão cômicas ou inesperadas. Sabemos que Fred e Catarina se conheceram em uma festa, que acabaram ficando e a partir disso o relacionamento entre eles surgiu. Sendo assim, por meio do plano do conteúdo da narrativa, os indicadores que apresentam os personagens são apresentados de forma rasa, introduzindo personagens diferentes em cada episódio, sem aprofundar em sua apresentação. Esse recurso é uma escolha narrativa que torna cômica e sugestiva a inserção dos personagens nas tramas em questão. Entretanto, além de Fred e Catarina, em cada episódio são apresentados novos personagens que compõem aquele episódio, trazendo uma trama para aquele episódio. No primeiro, temos a presença do personagem Pedro, que surge no episódio vestindo uma máscara de cavalo. Ele aparenta ser um personagem com problemas de autoestima e ele é também amigo de Fred. Não nos aprofundamos muito mais do que isso durante o episódio, que tem como trama um ciúmes que Fred passa ter quando Catarina e Pedro começam a conversar. 

No segundo episódio temos um personagem que provavelmente se chama Almir, isso porque somente em uma cena é dito esse nome por Fred. Ele e Fred são amigos, mas entram em uma discussão sobre a terra ser plana ou não. Fred defende que a terra é plana e Almir que é redonda, e enquanto isso, Catarina tenta apaziguar os ânimos dos dois. 

O terceiro episódio nos apresenta Cláudio Turbo, um homem que surge na casa de Fred e Catarina reivindicando o espaço para ele ensaiar com seu grupo chamado “Os Incrivelmente Flexíveis”. O personagem entra em uma disputa com Fred e Cláudia pela casa, e aquele que fizer a melhor coreografia ganha o espaço. 

O quarto episódio não nos apresenta nenhum personagem novo, já que a trama apresenta uma suposta inteligência artificial que prende Fred e Catarina dentro da casa, obrigando-os a realizar provas que se cumpridas, permitirão que saiam da casa para buscar comida. Já o quinto e último episódio reúnem todos os outros personagens que apareceram nos episódios anteriores na festa que Fred e Catarina organizam, e a narrativa é construída por meio de Catarina se apaixonando por Fred, encerrando-se quando aparentemente os dois percebem que se gostam. 

Inquilinos é uma é uma história de amor e descoberta entre um casal de ex-namorados que, juntos, vão explorar as absurdidades do mundo sem sair de casa. Aqui, nada obedece à lógica. Os temas são instigantes porque a série aposta na irreverência e no envolvimento do público. Essa é uma história profunda contada de forma burlesca, composta por momentos que funcionam como estímulos a um público que irá procurar em Inquilinos uma distração do mundo real.

A dramaturgia e encenação da série, são construídas propositalmente de forma exagerada para compor a narrativa. São montagens caricatas, seguidas de situações absurdas e reações exageradas que aumentam o teor cômico da série. Os atores contribuem na atuação ao encenar as situações mais adversas com descomedimento, que por sua vez faz com que as situações apresentadas se tornam ainda mais engraçadas. Além disso, Inquilinos possui um humor que é constantemente ligado a piadas de teor sexual, que são usadas principalmente pelos personagens masculinos da série. 

Os parâmetros de qualidade de Inquilinos aparecem pontualmente na narrativa, e alguns produzem o efeito negativo do que se espera ao analisá-los na narrativa. A começar pela diversidade e o estereótipo. A série não apresenta nenhum tipo de diversidade de pontos de vistas, e não amplia seu elenco para a criação de representação de outros grupos sociais. Dos seis personagens presentes na série, cinco são homens brancos, e um é uma mulher, que é a Catarina. O estereótipo aqui é reforçado na representação dos personagens, principalmente Fred. Ele é um jovem-adulto, que é apresentado como um homem imaturo, que possui atitudes vexatórias e bem contraditórias, representando um cinismo do personagem, que podemos ver melhor no segundo episódio da série com a apresentação da discussão sobre a terra ser plana. 

A oportunidade assim como a ampliação do horizonte do público, constroem o humor escrachado com algumas pautas atuais. A série não tem por proposta abordar assuntos sérios e debatê-los de forma inteligente e crítica. Inquilinos é uma comédia com o propósito de divertir e distrair o público que a assiste, com temas comumente incomuns, e sem relevância na fomentação de debates da agenda midiática. 

A originalidade/criatividade vem por parte da narrativa da série e de sua proposta de ser um programa assumidamente fora de lógica. A formatação dos episódios, ou seja, a edição, é outro ponto a se destacar na complementação desse parâmetro e da narrativa. 

A convergência midiática presente na mensagem audiovisual na formatação desse tipo conteúdo é algo trabalhado densamente pelos produtos da RTP Lab. O diálogo entre plataformas é visto na distribuição dos episódios de Inquilinos, que estão disponíveis na própria plataforma da RTP, como também no YouTube. A série, que possui Instagram próprio, também distribuiu seus conteúdos por essa plataforma em formato de vídeos curtos e imagens dos episódios. Há também memes e conteúdo de remixagem que chamam a atenção do público para a narrativa, sendo assim, a série também se abre para a participação ativa do público, pela forma transmidiática com que Inquilinos trabalha seus conteúdos e os distribui entre as plataformas. 

*Todas as imagens são prints ou foram retiradas do site da RTP Lab disponível em: https://media.rtp.pt/rtplab/

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