Observatório da Qualidade no Audiovisual

Instaverso

Por Nayara Zanetti

Instaverso é uma série produzida pela Pixbee em parceria com o projeto RTP Lab, lançada no primeiro semestre de 2020 na plataforma RTP Play. A produção possui cinco episódios com cerca de quinze minutos de duração, contando a história de Maria (Beatriz Barosa), uma jovem que encontra um portal para dentro dos posts de sua influencer favorita (pessoa que produz conteúdo para um grande número de seguidores na internet), causando um conflito na personagem que se vê dividida entre o mundo real e o mundo virtual.

No mundo real, Miguel (Luís Garcia), namorado de Maria, fica assustado com o desaparecimento da jovem e tenta desvendar o que aconteceu com ela, enquanto Inês (Teresa Tavares), também conhecida como Inêsperada, uma influenciadora digital, busca entender a origem de uma foto em que aparece ao lado de Maria, até então uma desconhecida para ela. Já Rogério, o empresário de Inêsperada interpretado por Pedro Lacerda, se preocupa com os rumos que a carreira da influencer pode seguir a partir dos posts feitos por Maria.    

Entre drama e fantasia a série constrói um universo paralelo fazendo referência ao aplicativo Instagram, chamado Instaverso, composto por postagens digitais e pelos clones de seus usuários, mas esses são vistos de acordo com a versão em que se apresentam nas publicações em suas redes sociais. Nesse sentido, Maria se deslumbra com a realidade paralela, na qual ela experimenta um estilo de vida glamouroso que sempre sonhou ao lado de Inêsperada, sua influencer preferida. Entretanto, no desenrolar da história a protagonista desenvolve uma relação obsessiva e ilusória com Inêsperada. 

No Plano da Expressão foram analisados os recursos técnico-expressivos da produção, dentre códigos visuais, sonoros, sintáticos e gráficos. Em relação aos códigos visuais a fotografia tem um papel fundamental na construção da trama pelo fato de provocar o contraste entre os dois mundos, facilitando a identificação do espectador nas mudanças de cena, como, por exemplo, a composição do cenário do mundo virtual com cores vibrantes e uma iluminação mais brilhante semelhante aos filtros do Instagram, em contraposição com o cenário do mundo real que utiliza cores mais neutras para se aproximar da realidade. Além disso, as portas são o símbolo da transição de um mundo para o outro, juntamente com a iluminação artificial em tons de rosa e amarelo, que ajudam a construir a identidade visual da série, dialogando com a linguagem do Instagram por meio da paleta de cores dos elementos da distopia.

Nessa perspectiva, a narrativa se desenvolve em dois cenários principais, o apartamento de Maria e Miguel, com uma estrutura menor e móveis mais simples, diferente da casa de Inês localizada em um condomínio, que possui um estilo moderno e minimalista, todos os cômodos são propícios para cenários de fotos e vídeos da influencer. Dessa forma, a câmera está sempre em movimento com predominância de planos abertos e de planos detalhe para construir a narrativa utilizando a ambientação como um artifício.

O figurino e a maquiagem segue essa linha divisória dos dois mundos, Maria, seu namorado e Inês, fora das redes sociais, usam roupas casuais e utilizam pouca maquiagem, dando destaque para as olheiras e outros detalhes da pele que se aproximam da realidade, enquanto no universo Instaverso Inêsperada está sempre com penteados, joias, roupas caras e muita maquiagem. Logo no primeiro episódio, a influencer transforma Maria em uma versão mais produzida, as duas se divertem maquiando uma a outra e experimentando roupas, ao mesmo tempo é inserida a cena em que Inês, no mundo real, está tirando sua maquiagem e transmite uma expressão de cansaço e infelicidade.

  Acerca dos códigos sonoros, podemos destacar o foco nos diálogos e nos sons produzidos pelos aparelhos tecnológicos, como o clique ao tirar fotos, os barulhos das notificações do celular e da tecla do notebook. Além disso, outro recurso evidente somente no mundo Instaverso é a repetição das falas dos vídeos publicados na rede social, promovendo uma ideia de alienação do seguidor que, geralmente, reproduz o consumo de determinado conteúdo mais de uma vez sem prestar atenção no que acontece ao seu redor. A trilha sonora é inserida de forma incidental a partir do momento em que Maria atravessa o portal para o mundo virtual. Nesse sentido, é importante destacar o fato da melodia instrumental marcar as fases de indecisão de Maria com relação a superficialidade daquele universo. Isto se torna visível ao  contrapor com cenas do mundo real em que o silêncio predomina, para assim, dar um efeito de incompreensão a respeito dos novos acontecimentos. 

No quarto episódio a música é utilizada em uma cena importante para o caminho da trama, Inêsperada coloca um disco para tocar e dançar junto com Maria até o instante em que a protagonista se sente cansada e não quer continuar a ação, mas a influenciadora digital insiste em repetir a performance, relacionando ao ato de reproduzir o vídeo mais de uma vez. Dessa maneira, Maria surta e reclama com Inêsperada sobre ela estar sempre feliz, como se estivesse tudo bem, quando na verdade a realidade da maioria das pessoas é muito mais complexa do que os poucos momentos que a influencer compartilha em suas redes. Com isso, Inêsperada se zanga com Maria, que ao ver sua ação incomum a obriga a gravar um vídeo dizendo aos seus seguidores sobre ter tido um dia ruim e estar triste. A partir desse momento Maria repensa sua escolha de estar no mundo virtual e acontece uma reviravolta na série.

Já a edição, parte dos códigos sintáticos, é fundamental para a compreensão do público nos momentos de transição entre os dois mundos, devido aos efeitos especiais que dão a ideia de o Instaverso ser um universo diferente toda vez em que a protagonista atravessa o portal. Nesse sentido, podemos citar o celular invisível na mão de Inêsperada, os comentários dos posts que aparecem no teto e a barreira invisível que impede Maria de voltar para o mundo real, como exemplos dos artifícios usados na realidade paralela. Além disso, a edição é essencial quando Maria decide entrar em outras publicações para além da conta de Inêsperada. Dessa forma, ela consegue entrar no post de uma ilustração animada e no de um programa de televisão.

  A respeito dos códigos gráficos, a vinheta inicial é criativa e, além de passar a mensagem do principal assunto abordado na trama, também reforça o gênero fantasia, pelo fato de unir fragmentos digitais formando a tela de um smartphone. Nessa tela está escrito “insta”, mas ao mudar o escrito “verso” aparece. No meio das duas palavras existe uma barreira, semelhante a um espelho, e em volta partículas de vidro ficam no ar como se tivessem sido repartidas da tela. Tal fato faz referência ao último episódio, no qual o celular de Maria quebra, impossibilitando sua volta para o mundo real. Em seguida, o número e o nome do episódio aparecem, e na vinheta final os créditos são colocados de forma simples. 

Já em relação aos recursos do plano do conteúdo, se destaca o uso da intertextualidade na construção do universo ficcional de Instaverso por meio de referências a outras ficções que envolvem a temática tecnológica para criar realidades distópicas, como é o caso da série Black Mirror, disponível na plataforma de streaming da Netflix. Especificamente, o episódio Nosedive se aproxima em vários aspectos da narrativa de Instaverso, pois ambos utilizam o fato de os usuários das redes sociais parecerem estar sempre se sentindo incríveis e felizes, além das protagonistas terem o sonho de fazer parte desse mundo virtual. A paleta de cores também faz referência a um estilo presente no Instagram para representar a realidade paralela, dentre outras semelhanças que as duas séries possuem. Segundo António Sequeira, realizador de Instaverso, em uma entrevista para o canal Séries da TV, afirma que Black Mirror serviu de inspiração para a trama, inclusive a abertura faz referência à série, e também o filme O Rei da Comédia, do diretor Martin Scorsese. Além dessas, a principal elemento intertextual é o aplicativo Instagram, que influenciou estética e narrativamente o mundo virtual. A personagem Inêsperada faz alusão direta ao papel do influenciador digital na sociedade, seus jeitos e posicionamentos conversam com diversos perfis que encontramos nas redes sociais como, por exemplo, na cena em que a influencer oferece uma noite de sushi para Maria e ambas gravam vídeos do sushi, falando sobre a marca, ou seja, um conteúdo publicitário, campo em que os influenciadores digitais vêm ganhando cada vez mais espaço.  

As setas chamativas são um artifício usado na distopia para uma melhor compreensão do conteúdo pelo público, e estão presentes, principalmente, na tela do celular e do notebook, com informações sobre o que está acontecendo na rede social, como novas e antigas publicações e nome dos usuários. Isto fica evidente na cena em que Miguel tenta acessar sua conta no aplicativo “insta” para descobrir o paradeiro de Maria, mas é surpreendido com o aviso de conta inativa mostrado pelo notebook, o que reforça que ele não é adepto das redes sociais, um traço forte de sua personalidade. Outra cena que exemplifica esse elemento é quando Inês decide apagar sua conta e o espectador percebe a sua ação por meio da notificação na tela do celular. Dessa forma, o indicador escassez de setas chamativas não foi identificado. 

Os efeitos especiais narrativos estão presentes no plot twist da série quando Maria se decide a respeito do dilema central da trama: “vale mais uma vida perfeita, mas falsa, ou uma vida verdadeira repleta de imperfeições?”, a personagem escolhe voltar para o mundo real, pois se vê feliz na simplicidade e ao lado de quem ama, mesmo com todos os obstáculos da vida. No entanto, o espectador é surpreendido com um desfecho incomum, pois a protagonista não consegue voltar para o presente. Ela continua no mundo virtual, mas se transporta para o momento em que conheceu Miguel e a série acaba dando indícios de uma possível continuação. 

Os recursos de storytelling são usados para ampliar a complexidade narrativa de Instaverso, por se tratar de uma fantasia, a trama promove diversas sequências oníricas para ilustrar as experiências de Maria na realidade paralela. Além disso, não segue uma cronologia linear, já que são intercaladas cenas no presente do mundo real com cenas no presente do mundo virtual por meio de publicações antigas, o que exige a atenção do espectador para compreender a mensagem sem se confundir com a ordem de ocorrência dos fatos. 

A dramaturgia e encenação da série destacam a composição dos personagens e a construção da narrativa de forma diversa em cada mundo, o virtual realça a personalidade e características específicas de cada personagem, já que uma boa imagem é importante para ganhar likes e seguidores, assim, é visível a representação exagerada de Inêsperada como uma mulher vaidosa, feliz, rica, que valoriza muito os bens materiais e não se preocupa com os problemas reais. No caso do mundo real, essas representações não são tão intensas, pois nesse universo as faces reais dos personagens são o foco, dessa maneira, eles reagem aos acontecimentos da série, suas fragilidades são expostas e eles não são definidos por apenas uma característica, como o alto astral da influencer, por exemplo. Maria se sente desmotivada e confusa por diversas vezes, mas ao mesmo tempo fica feliz, se diverte e realiza o sonho de ter uma vida igual à da pessoa que admirava. A representação de uma imagem exemplar não é vista como o essencial fora do universo Instaverso.

Acerca dos indicadores de qualidade do conteúdo, o indicador oportunidade aborda temas presentes no cotidiano de grande parte dos espectadores, o que gera uma identificação maior com os personagens e desperta o interesse do público. Nesse sentido, é visível a presença dos smartphones na maioria das cenas e no dia-a-dia de grande parte da população o seu uso também é frequente. Esse olhar sobre um outro lado da tecnologia, assunto central da trama, é um tema relevante que está presente na agenda midiática. As cenas em que Inês está deitada no sofá, no banheiro, conversando com o seu empresário e ao mesmo tempo sempre está mexendo no celular são exemplos que dialogam com a realidade dessa era digital que vivenciamos.

Em relação à ampliação do horizonte do público, a série discute questões como o uso excessivo das redes sociais, a qualidade do conteúdo publicado, sua superficialidade e questiona sua veracidade, proporcionando uma reflexão sobre as consequências da internet, com diferentes pontos de vista, o do produtor da mensagem, o do consumidor e o da pessoa que não está inserida diretamente no contexto por não ser ativo nas redes, mas possui uma opinião sobre a situação. Nesse sentido, percebemos que Instaverso se comunica, principalmente, com o público jovem, levantando debates sobre esse suposto mundo de alegria constante nas redes, o distanciamento da vida real e da família, dentre outros temas que englobam o uso constante desses aplicativos. Dessa forma, podemos citar como exemplo o hábito que Inês possui de postar todos os dias fotos de receitas com abacate, pois segundo ela fica bonito visualmente, mas na realidade ela não gosta de comer abacate.

Além disso, outros assuntos importantes são desenvolvidos ao longo da trama, como relacionamento abusivo e autoconhecimento. No decorrer da história, notamos o desenvolvimento da relação abusiva entre Maria e Inêsperada no mundo Instaverso, Maria acredita saber tudo sobre a influencer e acha que necessita de sua companhia para ser feliz, enquanto a influenciadora fica obcecada por Maria e não aceita quando ela decide voltar para o mundo real, envolvendo agressões físicas e verbais, até que a protagonista para de seguir a influencer no aplicativo.

Já o indicador diversidade se destaca abordando a diferença socioeconômica entre Maria e Inês, ocasionando um conflito constante na narrativa por ser um dos motivos que impulsiona a fuga da protagonista para a realidade paralela, movida pela vontade de ter uma vida luxuosa igual à da influencer. Logo no primeiro episódio Miguel pede Maria em casamento por meio de um jantar no apartamento deles com o cardápio igual ao que eles comeram quando se conheceram e Maria acha o pedido sem graça e o anel simples. Nos próximos episódios ela se desfaz do anel e aceita a joia que Inêsperada lhe oferece. Apesar de não ser o foco da trama, no decorrer da série a diversidade sexual é abordada por meio da relação amorosa de Maria e Inêsperada.

Em Instaverso o indicador estereótipo é visto na construção do debate acerca da existência de um padrão de beleza presente no mundo virtual, com o intuito de reforçar o discurso da importância de manter uma imagem nas redes sociais. No entanto, essa problemática é desconstruída ao longo da trama, como podemos citar a preocupação exagerada de Inês com a sua imagem virtual que a impede de contar sobre sua gravidez para seus seguidores, por não achar que seu corpo está “ideal”. Isto muda quando Inês reflete sobre essa falsa imagem que representa e decide apagar sua conta, procurando um grupo de apoio para viciados em redes sociais, e acaba se sentindo livre desse ideal de perfeição.  

No âmbito da mensagem audiovisual, o indicador originalidade/criatividade evidencia o caráter inovador da produção por meio do uso de diversos recursos como, por exemplo, a quebra de expectativa no último episódio quando Maria não consegue retornar para o mundo real, surpreendendo o público. Além disso, a série também inova enfatizando os recursos estéticos na criação da realidade paralela, com o uso de uma padronização da paleta de cores que ajuda a contar a história, deixando visível a diferença entre os dois mundos juntamente com os efeitos especiais. A criatividade da narrativa em apresentar inovações tecnológicas expande a visão do espectador sobre a possibilidade do surgimento de novas ferramentas num futuro próximo.

Instaverso também dialoga com outras plataformas tanto na distribuição do produto audiovisual podendo ser acessado pelo streaming da RTP Play, pelo Youtube da RTP e no próprio canal Instaverso, quanto na divulgação da distopia por meio do Facebook e Instagram (@instaverso.rtp) e na produção de conteúdos exclusivos para as redes sociais, como teaser de casa episódio, imagens com recortes de algum diálogo, apresentação da equipe e divulgação de entrevistas.  

*Todas as imagens são capturas de tela.

Observatório da Qualidade no Audiovisual

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