Observatório da Qualidade no Audiovisual

It’s a Date

Por Ricardo Souza

It’s a Date é uma websérie de comédia que simula um programa de blind dates, ou encontro às cegas. Lançada em 2019, a série é apresentada por Pedro Ferreira, e acompanha o rapaz em uma série de encontros em busca do seu par ideal. Sendo uma das ideias escolhidas para integrar o projeto da RTP Lab de abarcar produções desenvolvidas num ambiente digital, It’s a Date constrói sua história utilizando personagens reais, como o apresentador Pedro, e ficcionais que são escolhidos para cada episódio. Pedro Ferreira já é conhecido por suas participações em #CasaDoCais, Frágil e Inquilinos, produtos esses que também fazem parte do catálogo da RTP Lab. 

No plano da expressão analisamos os recursos técnicos-expressivos das produções, que são divididos em códigos visuais, sonoros, sintáticos e gráficos. Referente aos códigos visuais, o cenário é um dos elementos de destaque. It’s a Date possui um único cenário durante todos os seus 12 episódios, que é um hamburgueria. A escolha desse cenário é para promover a casualidade de um encontro e assim simular com realismo a forma com que alguns encontros acontecem. 

É utilizado um plano médio que enquadra os personagens da cintura para cima, e raramente é utilizado outro tipo de enquadramento. Sobre a atuação de Pedro, o personagem principal da série, ele utiliza constantemente uma câmera de frente para si, o que acaba por ocorrer o fenômeno conhecido como quebra da quarta parede, quando Pedro olha tímida e fixamente para essa câmera para apontar ou fazer humor sobre alguma fala dos personagens de seus encontros.  a qualidade da iluminação é estabelecida através de luz artificial pela ambientação se passar em uma lanchonete, sendo assim, há pouca utilização de luz natural nas cenas. Por fim o figurino é igualmente casual a situação estabelecida nos encontros, são roupas comuns que podem ser vistas no dia a dia em situações como essa apresentada no programa. 

Em relação aos códigos sonoros, a vinheta inicial possui uma música composta por alguns instrumentos de sopro. Durante os episódios, entretanto, não há a presença de trilha sonora como background, sendo assim, eles reforçam os sons externos da própria hamburgueria, em que se pode ouvir os sons da preparação das comidas, sons de fritura e os sons externos da rua e de outras pessoas no ambiente. 

A vinheta é um dos elementos que compõem os códigos gráficos da série, sendo apresentada no início e no final com o mesmo grafismo, cores e lettering. Durante os episódios não há a utilização de nenhum elemento gráfico. 

Por fim, com relação aos códigos sintáticos, a edição e ritmo do programa é corrida com vários cortes e transições durante o episódio. Essas transições são realizadas sempre após alguma piada como forma de “encerrar” um assunto e começar outro. Além disso, essas transições são feitas com elementos do ambiente, sendo mostradas imagens da hamburgueria, como dos hambúrgueres sendo feitos, papéis de parede e quadros, fritadeiras, dentre outros elementos que compõem o cenário. Como dito anteriormente, Pedro utiliza uma das câmeras para promover a quebra da quarta parede, dando assim um ritmo bem humorado nas situações que dialogam com os telespectadores. 

A websérie foca em Pedro Ferreira, uma figura midiática que é convidada para um encontro diferente com pessoas totalmente aleatórias numa roulote de fast food. Simulando um blind date, acontece uma entrevista pouco ortodoxa, em frente a duas câmaras e muita gordura processada. Dividida em 12 episódios, Pedro bate um papo sobre os mais variados assuntos, como fetiches, sexualidade, gostos musicais e muitos outros. Dessa forma, a série aborda temas como a sexualidade, religião, masculinidade, entre outros que são apresentados em cada um dos episódios do programa. 

Como já dito, cada episódio apresenta um personagem diferente que se encontra com Pedro para se conhecerem. Introduzindo os personagens que fazem parte do plano do conteúdo, temos Inês Faria, uma mulher casada que vai se encontrar com Pedro a fim de somente conhecer pessoas novas. Ela é jovem e bonita, e se dá muito bem com Pedro que constantemente flerta com a jovem, até ela revelar que é casada. O segundo episódio apresenta Maria Seixas Correia, uma mulher bem mais madura que a anterior, mas com uma conversa bem informal sobre lanches e comidas, o que acaba por surpreender Pedro. O terceiro episódio traz uma mulher trans para o encontro com o protagonista. Conhecida como Kiko, ela e Pedro conversam sobre preconceitos e formas de agir e de sentir num encontro com uma pessoa trans. Kiko reage bem a algumas suposições e brincadeiras que Pedro faz, e o mesmo passa a se sentir mais confortável à medida que a vai conhecendo. 

O quarto episódio apresenta o João Moreira, o primeiro homem a se encontrar com Pedro no programa. João é jovem e bastante indeciso sobre sua sexualidade, sendo assim, ele e Pedro conversam sobre questões de sexualidade e de masculinidade enquanto um “tira sarro do outro” sobre essas mesmas questões. No quinto episódio temos Patrícia Tavares uma mulher madura e bem humorada que questiona o local em que Pedro escolheu para esse encontro ocorrer. A conversa dos dois é bem descontraída e eles se questionam sobre o tipo de pessoa que procuram encontrar para ser seu amor. O sexto episódio nos apresenta Conguito, um rapaz irônico que em diversos momentos “tira sarro” de Pedro. Eles conversam sobre música e dança e possuem opiniões divergentes sobre esse assunto. No sétimo episódio Carolina Torres é a personagem apresentada. Ela é jovem e está atrás de um relacionamento duradouro. Eles trazem à tona conversas sobre religião e contam suas histórias envolvendo a igreja. No oitavo episódio é apresentado Janeiro, um rapaz apaixonado por música que apresenta seus gostos para Pedro. Eles brincam com o violão que Janeiro levou e parecem se entender bastante bem. O nono episódio apresenta Marta Ferreira, uma jovem um tanto quanto tímida e que vai se soltando à medida que Pedro vai conquistando-a. Pedro Mafama é apresentado no décimo episódio da série. Ele é um rapaz moderno e desconstruído, mas o que logo chama atenção é que seu nome é igual ao do protagonista, o que é motivo de fácil identificação entre os dois. No décimo primeiro episódio temos Catarina Secca Cruz, uma jovem bem animada que conta suas histórias de vida e o quanto ela era ruim na escola. Ela também é uma atriz e trabalha como vendedora. Por fim, temos no último episódio o Salvador Martinha, um rapaz direto e que segundo Pedro fala muito. Ele, sem titubear, chega em Pedro perguntando até onde vai essa relação, e os dois iniciam um debate bem humorado sobre relacionamentos. 

Em relação a encenação e dramaturgia, as atuações de It’s a Date, reforçadas pelos recursos técnico-expressivos, são construídas de forma a trazer a casualidade de encontros reais e simular como é um verdadeiro blind date ao se conhecer uma nova pessoa. Apesar do nervosismo de se conhecer uma pessoa nova, em It’s a Date os encontros são expostos de uma forma bem leve e humorada, com situações e conversas divertidas e livres de constrangimento. No terceiro episódio, temos como exemplo Kiko, uma mulher trans. A princípio Pedro fica bem nervoso e não sabe como tratá-la, entretanto, no decorrer do encontro ambos vão se conhecendo melhor e Pedro começa a fazer algumas piadas com a voz de Kiko, sendo rapidamente repreendido pela mesma, mas tudo isso ocorre de forma descontraída. 

Referente aos parâmetros de qualidade do conteúdo, a oportunidade surge em It’s a Date na representação de diferentes pontos de vista sobre os variados assuntos conversados entre Pedro e seus pretendentes. Sem deixar o humor de lado, a série trabalha com esses assuntos de forma casual. Por se tratar de encontros despretensiosos, nenhum tema é aprofundado de forma complexa que vá fazer com que o telespectador pense criticamente sobre o que foi apresentado, mas ainda assim, há a presença de temas relevantes e interessantes no programa, como a questão da transexualidade do terceiro episódio. 

Uma vez trabalhadas na série, as temáticas contribuem para a ampliação do horizonte do público mesmo que de forma breve, o que não chega a ser irrisório. A proposta de It’s a Date em ser primeiramente um programa de humor ganha destaque com relação ao aprofundamento das temáticas debatidas, mas ainda assim a série possui temas e assuntos importantes e interessantes que podem ser debatidos de forma aprofundada, como a questão da religião no sétimo episódio, da sexualidade no quarto episódio e da transexualidade, como já citado. 

A série apresenta uma variedade de personagens. Com histórias, vivências e opiniões diferentes, a série coloca em um nível de relevância as questões de gênero, sexualidade e raça. Os personagens como Kiko, João Maneira, Conguito, Janeiro, Marta Ferreira e Pedro Mafama evidenciam as questões de diversidade apresentadas na série, sejam elas em contextos de conversação nas discussões dos personagens, ou na sua representação como as de gênero e raça. Entretanto, Pedro surge como um personagem que reforça alguns estereótipos do homem hétero cis quando entra em debates sobre questões de gênero e sexualidade. Suas opiniões são controversas e ele aparenta ser um personagem que está em processo de desconstrução, como no terceiro episódio o debate com Kiko sobre seu gênero. 

Por fim, a originalidade/inovação de It’s a Date vem do seu formato e sua proposta em simular um blind date e apresentar encontros casuais com pessoas comuns e seus gostos e histórias sendo expostos para nós. Sendo um produto experimental que trabalha de forma criativa na sua narrativa, It’s a Date propõe um formato interessante, divertido e de fácil identificação com o público, bem como mantém um humor já conhecido e cativante ao nos colocar diante das histórias apresentadas. 

*Todas as imagens são capturas de tela.

Observatório da Qualidade no Audiovisual

Comentar