Observatório da Qualidade no Audiovisual

Jango: O documentário

Por Camila Borges e Noanne Barbosa

João Belchior Marques Goulart nasceu na cidade de São Borja, no Rio Grande do Sul, no dia 1º de março de 1919. Seu apelido desde a infância era Jango. Seus pais eram fazendeiros criadores de gado e ovelhas, Jango foi o primogênito do casal, que teve no total de oito filhos. 

A entrada de João Goulart na política teve grande influência de Getúlio Vargas. Durante o período universitário de Jango, o Brasil passava por um momento de radicalização política, mas Jango não aderiu. Antes mesmo de se matricular no curso, Jango já conhecia Vargas e havia se tornado amigo de Manuel, um dos filhos do presidente. 

Foto: Reprodução/Documentário

Posteriormente à deposição de Getúlio Vargas, em 1945, João Goulart ingressou na política. Seu ingresso aconteceu em um momento de acomodação dos quadros políticos do país em diversos partidos políticos, que surgiam por conta da democratização do Brasil, no que ficou conhecido como República de 1946 ou Quarta República. (SILVA,s.d.) 

Jango era reconhecido como uma personalidade de grande potencial político, pois ele era solícito, de boa oratória e tinha ideais progressistas. O gaúcho filiou-se ao PTB e se envolveu com o desenvolvimento do partido no Rio Grande do Sul. 

Depois de concorrer a cargos na política e ser ministro do trabalho, assumiu a vice -presidência em 1960, após um grande embate entre os militares e a população e simpatizantes do ex -presidente. 

Presidente João Goulart, o Jango, no Automóvel Clube, em 30 de março, um dia antes de sua derrubada – Imagem: Acervo O GLOBO/ Reprodução Politize.

Após a renúncia de Jânio Quadros, Jango assumiu a presidência em 1961. Seu governo foi marcado pela pressão dos conservadores, tanto do Brasil, quanto dos Estados Unidos. Esse, atuou para desestabilizar a posição do presidente, no qual teve apoio dos militares e da elite econômica do país. 

Jango engajou um programa de reformas estruturais no país que ficou conhecido como Reformas de Base. Esse planejamento buscava resolver problemas históricos de nosso país, como a questão da propriedade de terra. O principal debate das Reformas foi a reforma agrária, mas essa pauta não avançou e ainda rachou a base de apoio do presidente. 

O golpe militar iniciou em 31 de março de 1964 e foi acompanhado por um golpe parlamentar, que derrubou o presidente em 2 de abril de 1964. Jango foi sucedido por Humberto Castello Branco, militar eleito indiretamente. Era o início da Ditadura Militar. 

Análise das dimensões

Em primeiro lugar, é preciso definir as dimensões dentro do âmbito de análise. Assim, a dimensão da linguagem busca perceber as formas de expressão diante de diferentes tipos de sistemas, conteúdos e interlocutores. Dessa forma, o  objetivo é avaliar os códigos de representação, construção de sentido e a função que cumprem as mensagens (FERRÉS; PISCITELLI, 2012). 

A estética, por outro lado, visa o lado da sensibilidade das produções midiáticas, com objetivo de extrair a forma pela qual se comunica e pela qual as mensagens se tornam compreensíveis. A configuração deste estilo de produto audiovisual ajuda a compreender uma série de recursos utilizados no que se refere à construção estética e linguagem da obra. O documentário é basicamente composto por imagens de arquivo, arquivo sonoro da Rádio Jornal do Brasil e cenas de depoimentos de personagens emblemáticos como: Leonel Brizola, António Carlos Muricy, Afonso Arinos, Denize Goulart (filha), Magalhães Pinto e Marcos Sá Correia. 

O objetivo pode ser entendido como uma tentativa de transportar o telespectador para aquele período, para que, inserido na narrativa, consiga compreender o período histórico vivido e fixá-lo na memória. 

Além das imagens, a trilha sonora que compõe o documentário também é essencial nesse processo. Com músicas arranjadas por Wagner Tiso e interpretadas por Milton Nascimento, um grande representante da voz brasileira no período da ditadura, é construído um ambiente simbólico que apela para a emoção. 

O som é um aspecto que se destaca ao longo de toda a obra, com narração do ator José Wilker, conhecido por seus importantes papéis em novelas da TV aberta, a identificação e intertextualidade é explorada na medida em que aquela voz será familiar para grande parte do público. 

O documentário foi lançado em março de 1984 nos cinemas e vendeu mais de meio milhão de bilheteria, segundo o portal Papo de Cinema. Para entender o sucesso no processo de difusão dessa obra é preciso entender o cenário político/social da época em que ela foi produzida. 

O próprio Silvio Tendler, diretor do documentário, afirmou em entrevista a um trabalho de dissertação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) que o filme começou a ser pensado em 1982 (MACIEL, 2011). De acordo com ele, nesse período já havia uma maior abertura para constituir a imagem de João Goulart como um personagem importante para a história do Brasil, visto que o movimento pelas diretas já ganhava força. 

No ano de lançamento do filme, a proposta de emenda constitucional pelas eleições diretas estava prestes a ser votada, e por isso o documentário foi tão bem recebido pelo público. De certa forma, ele foi mais um impulsionador do movimento que deu fim à ditadura militar no Brasil. 

Apesar da importância histórica do documentário para o momento em que ele foi produzido e ainda hoje para a memória do país, os aspectos tecnológicos encontrados são limitados. Os arquivos de imagens e som utilizados são da década de 60, em alguns trechos do documentário não há de fato o registro em vídeo do episódio narrado, como na cena do comício da central. A estratégia recorrida foi cobrir o áudio alternando imagens quase iguais de João Goulart discursando, criando assim a impressão de movimento. 

A dimensão Processos de Interação está ligada à capacidade dos indivíduos em interagir com as mensagens midiáticas. Além disso, também prevê a oportunidade de colaboração com as produções. No documentário de Jango, por exemplo, diversos processos de interação podem ocorrer em relação à obra, reforçando a conectividade e a postura crítica frente aos conteúdos consumidos. 

Considerando o contexto de produção e difusão do documentário Jango é evidente seu caráter crítico. No entanto, considerando exclusivamente o conteúdo narrativo do início ao fim e a escolha pela montagem de cenas, é revelado os valores e ideologias do cineasta ao construir a obra. 

A começar pela cena inicial, a visita do então vice-presidente João Goulart à China. A cena mostra uma vista comum entre chefes de estados, ao contrário do que permeia o imaginário social de que teria sido uma visita com intenções de arquitetar movimentos comunistas. Em um filme que se propõe construir a imagem na história de Jango, a escolha por começar apresentando de maneira natural um dos episódios mais marcantes que contribuíram para sua fama de “comunista” não pode ser coincidência, é um ato intencional e aponta a visão ideológica do cineasta.

Foto: João Goulart durante sua visita a China / Reprodução

Foto: João Goulart durante sua visita a China / Reprodução

Para corroborar com a análise, ao final do documentário é exibido um texto de Fernando Brant como se estivessem escrevendo para si mesmo quando mais jovem, com a seguinte frase:

Os acontecimentos daqueles dias ainda estão claros na memória: fechado no escuro do quarto, querendo fugir do mundo que me chegavam pelo rádio, eu pouco mais que um menino, chorava como se fosse morte a viagem-fuga do Presidente Jango. Os anos passados, a maturidade, e a visão diária da injustiça e do ódio, da opressão, da mentira e do medo me levam agora, adulto, em nome da verdade e da história, a reafirmar o menino: as lágrimas derramadas em 64 continuam justas. (JANGO, 1984) 

Assim, é apresentado um claro posicionamento sobre a figura de João Goulart: vítima das injustiças dos militares. Esse aspecto também é responsável por despertar a emoção de quem assiste, pois torna-se possível conhecer João Goulart através do olhar de Silvio Tendler. É possível perceber que a emoção é explorada em diversos momentos da obra. 

A trilha, as imagens, o roteiro e o depoimento da filha Denize atribuem sentimento ao documentário. Para Silvio Tendler, essa foi uma lição dada por Joris Ivens ao assistir seu documentário Os Anos JK – Uma Trajetória Política (MACIEL, 2011). Ele considerou o trabalho de Tendler sobre a figura de JK frio e pouco envolvente, o que o fez corrigir essa questão no documentário seguinte – Jango. 

A compreensão dos sentimentos evocados através da combinação entre som, imagem e texto nas mensagens midiáticas é essencial para avaliar as intenções do documentarista ao produzir a obra, pois o aspecto emocional influencia diretamente a percepção crítica do conteúdo.

Referências 

FERRÉS, J; PISCITELLI, A. (2012). Competência midiática: proposta articulada de dimensões e indicadores. Lumina. Juiz de Fora, Vol.9, nº1, p. 1-16, junho 2015. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/lumina/article/view/21183/11521. Acesso em: 28 jul 2023. 

JANGO. Direção: Silvio Tendler. Produção de Hélio Ferraz. Rio de Janeiro: Caliban, 1984. Youtube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=52lBqoB-OcQ&t=3s. Acesso em: 28 jul 2023. 

MACIEL, F O O. Jango, de Silvio Tendler: o cinema documentário e a memória como bandeira política. 2011. Dissertação (Mestrado em Memória Social) – Centro de Ciências

Humanas e Sociais, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. Disponível em: 

http://www.repositorio-bc.unirio.br:8080/xmlui/bitstream/handle/unirio/12318/Fabio_Maciel _PPGMS.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 28 jul 2023. 

RAMOS, Fernão Pessoa. Mas afinal… o que é mesmo documentário? São Paulo: Senac/SP, 2008. Disponível em: 

file:///C:/Users/camil/Downloads/MAS%20AFINAL…%20O%20QUE%20%C3%89%20ME SMO%20DOCUMENT%C3%81RIO.pdf. Acesso em: 28 jul 2023. 

SILVA, Daniel Neves. “João Goulart”; Brasil Escola. s.d. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiab/joao-goulart.html. Acesso em 03 de agosto de 2023.

Observatório da Qualidade no Audiovisual

Comentar