Por Nayara Zanetti
Produzida pelo projeto RTP Lab a série Menos Um conta a história de Alex (Filipe Santos), um jovem de 25 anos, tecladista, que se muda para Lisboa na tentativa de impulsionar sua carreira artística. Em um ambiente precário de oportunidades, o protagonista encontra um dilema ao tentar conciliar a busca por sua identidade artística com o seu novo emprego. Ao mesmo tempo em que ele deseja criar suas próprias músicas, seu agente Félix (André Nunes) não o apoia, pelo contrário, o obriga a fazer covers e anúncios publicitários, realidade de vários artistas no país. Essas questões profissionais unidas aos problemas amorosos provocam um conflito com o seu próprio eu e seu objetivo inicial.
Lançada em maio de 2019, a série possui cinco episódios, com cerca de 15 minutos de duração, que estão disponíveis na plataforma RTP Play e no Youtube. A trama estabeleceu uma parceria com Paulo Zé Pimenta, que utiliza o heterônimo musical de PZ, o qual colaborou criando cinco músicas de seu álbum “Do Outro Lado”, para cada episódio. Além disso, o músico PZ interpreta o alter ego de Alex no momento de suas apresentações musicais. Dessa forma, a série se inspirou no artista Paulo Pimenta, utilizando não somente o fato de ele possuir duas personalidades, mas também outros elementos, como fazer os shows de pijama e o estilo musical psicodélico, apropriados pela série.
Entre ficção e comédia, o personagem principal lida com os obstáculos e fracassos que surgem ao longo da trama, enquanto sua colega de apartamento Diana, interpretada por Rita Duarte, o ajuda a superar suas frustrações. Ela se preocupa com os sentimentos de Alex e tenta animá-lo por meio de bons conselhos. Além disso, Diana também o compreende em partes, por ser uma jovem artista que tem sua renda ganha por meio de suas pinturas. No desenrolar da série, Alex se apaixona por Diana, mas a relação dos dois não foi muito explorada.
Outro personagem de destaque na trama é o barman Guedes (André Pardal), que trabalha no mesmo local em que Alex se apresenta. Os dois se tornam amigos e Guedes propõe várias atividades aleatórias para realizar junto com Alex, como bronzeamento artificial e jogar tênis, o que provoca alguns acidentes com o tecladista devido ao seu jeito atrapalhado, promovendo o alívio cômico da situação.
Ao analisarmos os recursos técnico-expressivos presentes no plano da expressão de Menos Um, percebemos que os episódios seguem um padrão estético em relação à composição dos elementos visuais, sonoros, sintáticos e gráficos, justamente para criar o ambiente da vida noturna nos bares de Lisboa, com o intuito de caracterizar as etapas do músico iniciante.
Nesse sentido, os códigos visuais de Menos Um possuem um estilo próprio e ajudam a construir a identidade da trama. A fotografia do cenário principal utiliza cores em tons quentes, majoritariamente com detalhes em vermelho, azul e amarelo, acompanhado de uma iluminação artificial para se referir aos bares em que ocorrem os shows de Alex. Já as cenas no apartamento em que o músico mora são compostas por uma iluminação natural, com a intenção de provocar um contraste que faz referência a sua dupla personalidade: PZ e a vida artística e Alex e a vida cotidiana. A respeito da caracterização, Alex possui um figurino casual e jovem, o cabelo e a barba são fundamentais para a sua aparência se aproximar ao visual do artista PZ, o diferencial é o uso de pijama durante o show.
A série se passa, principalmente, em dois locais, o bar de Félix e o apartamento de Alex. Ao longo da história, em geral as mudanças de cenários deixam Alex desconfortável e com incertezas sobre sua vida, como na cena em que ele anda desnorteado pelas ruas de Lisboa após se declarar para Diana e não ser correspondido, o mesmo acontece no episódio em que Alex aparece em um programa de televisão, mas a apresentadora debocha de sua arte e o humilha. Tal situação ocorre para mostrar que o músico se sente compreendido quando está nos palcos tocando sua música.
Acerca da atuação, os diálogos são compostos em grande maioria por desentendimentos, como, por exemplo, no relacionamento de Alex com seu agente, que propositalmente possui uma fala rápida e embolada para que Alex não entenda suas explicações e só compreenda a afirmação final, colaborando para reforçar o gênero humor. Dessa forma, é perceptível o cuidado com a construção e a qualidade técnica das imagens que contam a história.
Em relação aos códigos sonoros, a série utiliza bastante esse recurso devido ao fato de se tratar da história de um músico, portanto, além da trilha sonora produzida por PZ, a narrativa conta com sonoplastia em todas as cenas. Dentre os elementos sonoros estão os ruídos do ambiente e outros efeitos acústicos, o que fica evidente, por exemplo, na partida de tênis entre Alex e Guedes.
Os códigos sintáticos na série possibilitam um ritmo conforme o estilo da música tema de cada episódio. Os cortes são feitos utilizando o artifício de combinar cenas diferentes com imagens e sons semelhantes, enquanto as transições são usadas de forma criativa. Além disso, no último episódio ocorre um flashback para contextualizar a história de Alex e Diana, mostrando como eles se conheceram e foram dividir o apartamento, mas o objetivo principal era explicar a paixão dele por ela, revelada apenas nos últimos episódios.
A vinheta, que representa os códigos gráficos, apresenta elementos musicais e utensílios de bares em néon, como drinks, microfone e vitrola, colocando em destaque o título do programa, despertando a atenção do espectador por causa de seu movimento e sua cor. No final, os créditos são inseridos no mesmo design da vinheta, mas ao som da batida da música tema do episódio.
Em relação aos indicadores do plano do conteúdo, é evidente que a construção do universo ficcional de Menos Um é marcada pelo uso da intertextualidade que não interfere diretamente no desenvolvimento da trama, no entanto, ao identificar as referências intertextuais o telespectador consegue ter uma experiência mais profunda do programa. Dessa forma, podemos citar alguns exemplos desses elementos externos, como a trilha sonora do álbum “O Outro Lado” e a figura do artista PZ, suas características e os figurinos das performances. Além da participação de Alex no programa de TV “O Aperto Final”, que possui o formato de um talk show, atribuindo e ironizando elementos referentes a esse estilo, como o perfil sensacionalista da apresentadora e os convidados sentados no sofá, vulneráveis à reação da plateia.
A escassez de setas chamativas é notada na série, pois os fatos não são explicados imediatamente e, de modo geral, o público depende das conexões mostradas no desenrolar dos episódios para a compreensão total do conteúdo. Contudo, o flashback é marcado por indicações de temporalidade, como “alguns meses antes” e “presente”, assim explicitando o contexto para o espectador.
Os efeitos especiais narrativos estão presentes no plot twist da série quando Alex decide resolver as situações que estão em conflito com o seu eu, como sair do emprego em que ele estava infeliz, se declarar para Diana e, finalmente, quando Alex consegue patrocínio para gravar seu álbum.
Os recursos de storytelling podem ser percebidos na analepse do último episódio, que mostra a chegada de Alex em Lisboa, o início da sua relação com Diana e um flashforward revelando o que aconteceu com a vida de Alex no futuro. Além disso, outros recursos fantasiosos foram usados em algumas cenas em que o protagonista se vê em uma situação, mas ao acordar não sabe se era apenas um sonho ou realidade. Outras situações que reforçam esse recurso e ajudam a contar a história são: a cena em que Alex cozinha como se fosse apresentador de um programa de culinária, conversando com o público e ensinando uma receita; e a cena em que ele ensaia uma campanha publicitária de manteiga. O intuito é entreter o telespectador com diferentes atrações e gerar uma situação cômica.
O indicador de qualidade do conteúdo oportunidade aborda questões do cotidiano dos personagens que também estão presentes em nossas vidas, proporcionando debates sobre dificuldades no início da carreira e nas relações amorosas, para assim, gerar uma identificação maior com os personagens e, consequentemente, despertar o interesse do público. O universo ficcional de Menos Um não apresenta personagens semelhantes a figura do herói que resolverá todos os problemas da trama, pelo contrário, inseguranças e fragilidades são expostas na maior parte da história. Dessa maneira, é perceptível a construção do humor a partir dos obstáculos que Alex enfrenta na carreira, por exemplo, na cena em que ele é obrigado a compor e atuar em uma propaganda de manteiga, mas ele não consegue fazer e o diretor pede várias tomadas, nenhuma fica boa, até o momento em que o projetor cai na cabeça de Alex e as gravações são interrompidas. Além disso, confusões na sua vida pessoal e desastres amorosos também são usados para provocar um alívio cômico na série, como no episódio em que Alex se envolve com uma garota, mas quando estão no apartamento dela ele descobre que ela tem namorado, o que promove o humor em sua saída rápida do lugar.
A ampliação do horizonte do público se destaca na narrativa por meio dos diferentes pontos de vista representados pela dupla personalidade do personagem principal, possibilitando a discussão da existência de uma dualidade entre a figura do artista e sua vida pessoal. Além disso, a trama proporciona a reflexão acerca da condição dos músicos iniciantes em Lisboa, devido à falta de oportunidade para produzir sua própria arte e conquistar seu público com suas próprias composições. Estão sujeitos a aclamação ou a rejeição, como é o caso apresentado no segundo episódio, em que Alex está fazendo um show enquanto alimentos e objetos são atirados em sua direção. Apesar de não ser trabalhado um conteúdo que está presente em temas de destaque na agenda midiática, Menos Um promove debates importantes sobre autoconhecimento, processo criativo, aspirações profissionais e experiências amorosas, o que cria identificação e estimula o espectador a refletir sobre essas questões.
Menos Um não apresenta grande diversidade de gênero, geográfica, étnica, religiosa e política, já que a maioria dos personagens são homens portugueses com uma boa situação socioeconômica, sendo assim, as questões sociais e identitárias não são o foco da trama.
Acerca da originalidade e criatividade da mensagem audiovisual, a série produto pode ser discutida em diversos pontos por sua inovação, podemos citar o uso de diversos formatos dentro do mesmo produto, como o talk show e a cena do improviso do programa culinário “Na cozinha com Alex”. Já a narrativa se diferencia com o uso das músicas que ajudam a contar a história por meio das letras, que se relacionam com as experiências de Alex e da melodia, que contribui dando um ritmo específico para cada episódio. Além disso, a linguagem da série se destaca também na criação da realidade paralela de Alex, produzindo elementos que diferenciam os dois perfis.
Menos um também dialoga com outras plataformas para além das que transmitem os episódios (RTP play e Youtube). No Instagram @menos.um_serie são divulgados os episódios e conteúdos diversos criados especificamente para a plataforma, como posts aprofundando as características dos personagens, publicações com humor usando diálogos presentes na série e a apresentação da equipe responsável pelo produto audiovisual. Além disso, a série promoveu uma ação transmídia com a parceria do artista PZ, que produziu o álbum “Do Outro Lado” inspirado na trama, disponível nas plataformas digitais deezer e spotify, possibilitando uma melhor compreensão do universo da série, como a criação de uma realidade paralela, os conflitos internos de Alex e a figura de PZ. O conteúdo transmite de forma clara os seus objetivos. No entanto, o público não participa ativamente da série.
*Todas as imagens usadas nesta análise são capturas de tela ou foram retiradas do site da RTP Lab. Disponível em: https://media.rtp.pt/rtplab
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