No YouTube desde 6 de novembro de 2015, e com pouco mais de 27 mil inscritos dois anos e meio depois de sua criação, o canal do Nexo na plataforma de vídeo ancora todo o conteúdo audiovisual do jornal, que publica, em média, dois vídeos por semana. No Facebook, conta com mais de 400 mil inscritos e é hoje um dos cinco maiores coletivos independentes do Brasil, em número de inscritos. Um “jornal digital para quem busca explicações precisas e interpretações equilibradas sobre os principais fatos do Brasil e do mundo”, é como o Nexo se define nas redes sociais.
Investindo nos mais variados temas, como política, economia, pautas internacionais, sociedade, cultura, ciência, saúde, tecnologia, esporte e meio ambiente, o jornal digital tenta levar o debate e a reflexão ao espectador a partir de um discurso, em sua maioria, contra hegemônico, isto é, segundo uma narrativa diferente da propagada pelos grandes veículos de comunicação. Além disso, traz também matérias especiais aprofundadas e explicativas que visam ao entendimento do leitor sobre determinado assunto ou situação. Entretanto, os leitores que não assinam o Nexo (a assinatura hoje é de 12 reais mensais) têm acesso a apenas cinco publicações abertas por mês e a três seções específicas do jornal (Vídeo, Externo e Podcast).
No canal do Jornal Nexo, os cinco vídeos analisados são: “Cozinha, cultura e política, com Paola Carosella | Entrevista completa”, publicado no dia 18 de janeiro de 2018; “‘Na minha pele’: entrevista com Lázaro Ramos”, de 9 de junho de 2017; “O que é inflação”, publicado em 1º de dezembro de 2015; “O que é a dívida pública”, divulgado em 22 de janeiro de 2016; e “A violência no Brasil explicada por Sergio Adorno | Entrevista Completa”, de 12 de janeiro de 2017.
Dois dos cinco vídeos analisados do Nexo são curtos, com duração de dois a três minutos, em forma de animação, que objetivam formar e informar o espectador ao explicar, sem o menor rebuscamento de palavras e ideias, assuntos complexos para os quais geralmente são dedicados muito tempo, e numa linguagem pouco compreensível, cansando o espectador e fazendo-o desistir do conteúdo. Entretanto, de forma atraente e de fácil entendimento, os vídeos “O que é inflação” e “O que é a dívida pública” prendem a atenção do público pela dinamicidade e objetividade que apresentam, ampliando o seu horizonte e possibilitando, assim, um engajamento político-social desencadeado pela informação de um assunto pertinente da vida em sociedade que antes ele desconhecia.
Além dessas duas animações, os outros três conteúdos audiovisuais do canal também possuem elementos que indicam a competência midiática dos profissionais que trabalham no Nexo. “Cozinha, cultura e política, com Paola Carosella | Entrevista completa”, “‘Na minha pele’: entrevista com Lázaro Ramos”, e “A violência no Brasil explicada por Sergio Adorno | Entrevista Completa” são entrevistas longas de aproximadamente 30 minutos cada uma, que abordam assuntos pouco explorados pela grande mídia, dando a conhecer novas problemáticas e visões de mundo ao espectador.
Os elementos estéticos são tradicionais, os recursos expressivos se dão de forma crível em planos e enquadramentos, e a boa qualidade técnica na produção agrada ao espectador. Na entrevista da cozinheira Paola Carosella, a mais popular do canal, a conversa é sobre comida, cultura e política. Só a convidada aparece no quadro, e geradores de caracteres são inseridos para anunciar palavras-chave referentes ao que será abordado em seguida. Assim, somente a voz da entrevistada é ouvida, e na maior parte do tempo a câmera está posicionada de modo frontal, por vezes com o olhar de Paola direcionado para lente, como quem olha e fala diretamente com o espectador.
Nesse vídeo, como também nos outros dois vídeos de entrevistas, a montagem se faz muito presente, e é imprescindível para o entendimento do espectador. Logo aos 25 segundos, uma fala de Paola, cortada (sem garantia, portanto, de que foi falada nessa ordem), sintetiza parte do que vai ser abordado ao longo da conversa: “Se de fato a gente estivesse avaliando a fome no mundo e levando comida digna para uma maior quantidade de pessoas, eu seria uma defensora dos agrotóxicos. Porque eu acho que a gente está intoxicado por tudo quanto é canto, hoje em dia. Mas ela traz miséria, traz mais fome, tira as pessoas do campo.”, dispara.
Por meio da montagem, os profissionais envolvidos na edição do vídeo têm a possibilidade de conduzir o público à luz da subjetividade de cada um deles, das competências, portanto, de cada profissional. No exemplo acima, Paola termina o trecho dizendo: “Mas ela traz miséria, traz mais fome, tira as pessoas do campo”. Porém, o pronome pessoal usado, “ela”, inicia a frase que se refere ao que foi dito anteriormente, sobre o “agrotóxico”, um substantivo masculino. Tal discordância do gênero das palavras pode ser um indicativo de que essa última frase, originalmente, no momento em que foi dita, provavelmente não se referia diretamente aos agrotóxicos, porém, no contexto, é essa a mensagem reforçada.
Na amostra analisada, os profissionais do Nexo levam o público à construção de sentidos, a partir do viés que pretendem mostrar. As narrativas, por vezes, não se dão totalmente prontas para o espectador, mas o discurso contra hegemônico é claro, e se faz presente. No vídeo “A violência no Brasil explicada por Sergio Adorno | Entrevista Completa”, por exemplo, o convidado é o Professor Titular do Departamento de Sociologia da USP e diretor do NEV (Núcleo de estudos da Violência), Sergio Adorno, que fala das implicações estruturais da violência no Brasil, da desigualdade social e da violência praticada pelo Estado.
Durante todo o vídeo há a tentativa de conscientização do espectador para que ele se entenda parte ativa da desigualdade e violência social no Brasil, e não como alguém isolado do problema. A partir do primeiro minuto de vídeo, por exemplo, o entrevistado fala na primeira pessoa do plural (nós) e na segunda pessoa do singular, de forma a incluir o espectador sobre o que é falado e fazê-lo se reconhecer na situação narrada. “O que nós temos que prestar atenção, é tentar entender essa ambiguidade: que você acena por um lado para uma solidariedade, com cooperação em alguns momentos de comoção nacional, e ao mesmo tempo você lida com as divergências, com os conflitos etc., com a mais regular violência”, afirma Sergio Adorno.
Em outro momento, o convidado dispara sobre a atuação do Estado, na figura da Polícia: “Lutar pelos Direitos Humanos como uma política geral de proteção dos direitos de todos, é lutar pela redução das desigualdades. Você não pode ter uma polícia que protege brancos de classe média, e uma polícia que lida com a repressão quando tem jovens negros na periferia.”, finaliza, na tentativa de trazer o espectador para dentro da narrativa e fazê-lo refletir sobre seu papel na sociedade desigual em que vive. Ao final do vídeo, uma sequência de perguntas que ilustram uma situação real, passível de acometer o cidadão que assiste, também tem esse objetivo.
Tais indicadores também são identificados na entrevista com Lázaro Ramos, exibida em 9 de junho de 2017. Na conversa, Lázaro, um dos poucos atores negros da televisão brasileira, fala sobre sua trajetória, sobre o racismo presente na sociedade, e sobre as tensões do lugar que ocupa hoje, sendo ele uma figura famosa que inspira tantas pessoas. Representatividade dos sujeitos e desconstrução de estereótipos também são, portanto, indicadores presentes nos vídeos analisados do Nexo, que o caracterizam como um jornal digital que possui e promove a literacia midiática nos espectadores.
Por Luma Perobeli
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