Observatório da Qualidade no Audiovisual

O Canto da Sereia

 

Composta por quatro episódios, exibidos pela Rede Globo entre os dias 8 e 11 de janeiro de 2013, a minissérie O Canto da Sereia é baseada no livro homônimo de Nelson Motta. Roteirizada por George Moura, Patrícia Andrade e Sérgio Goldenberg, com supervisão de Glória Perez, direção geral de José Luiz Villamarim e núcleo de Ricardo Waddington, a trama é protagonizada pela atriz Ísis Valverde. Explorando gêneros como o romance, o suspense e o thriller policial, o principal arco narrativo da trama gira em torno das investigações da morte da cantora de axé Sereia (Ísis Valverde), que é assassinada em cima de seu trio elétrico durante uma apresentação no carnaval de Salvador, na Bahia. O elenco é formado pelos atores Marcos Palmeira (Augustão), João Miguel (Só Love), Gabriel Braga Nunes (Paulinho de Jesus), Marcos Caruso (Dr. Jotabê), Marcelo Médici (Tuta), Fábio Lago (Vavá de Zefa), Guilherme Silva (Jorge de Ogum) e AC Costa (Geraldo da Silva) e pelas atrizes Camila Morgado (Mara Moreira), Fabíola Nascimento (Mãe Marina de Oxum), Zezé Motta (Tia Celeste) e Marcélia Cartaxo (Salete).

No Plano da Expressão iremos destacar os seguintes indicadores: ambientação, caracterização dos personagens, trilha sonora, fotografia e edição. Ambientada em Salvador, na Bahia, O Canto da Sereia teve várias cenas gravadas em monumentos históricos e em pontos turísticos da cidade (Palácio do Governo, a escadaria da igreja do Santíssimo Sacramento do Passo, o centro histórico da cidade, a praça Farol da Barra, a Baixa do Sapateiro e a Feira de São Joaquim).

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Além trazerem verossimilhança para a minissérie, as gravações externas contribuíam para a construção da protagonista Sereia (Ísis Valverde), que é uma cantora baiana de axé no auge do sucesso. Esse aspecto pode ser observado, por exemplo, na cena do assassinato da personagem, gravada na Praça Castro Alves e exibida no episódio do dia 8 de janeiro de 2013, a sequência mostra 500 figurantes acompanhando o trio elétrico de Sereia (Ísis Valverde). Vestindo abadas temáticos, o público fictício cantava e dançava avidamente as músicas interpretadas pela artista baiana.

Outro indicador que chama a atenção no Plano da Expressão é a caracterização dos personagens. Criado por Cao Albuquerque e Natalia Duran, o figurino de Sereia (Ísis Valverde) tinha referência direta a Iemanjá.

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Com tecidos leves e materiais como, por exemplo, rede de pescador, os vestidos da personagem representavam os movimentos do mar. A maquiagem também reforçava a alusão aos orixás, os tons de pérola, azul e prata nas sombras da protagonista ressaltavam a devoção da cantora pelo candomblé. Além da caracterização, a prosódia e a expressão corporal dos personagens contribuíam para a imersão do telespectador, os aspectos reforçavam as identidades de Augustão (Marcos Palmeira), Só Love (João Miguel, Mara Moreira (Camila Morgado) e Sereia (Ísis Valverde).

A trilha sonora de O Canto da Sereia tinha uma importância muito grande para o universo ficcional da minissérie e para a compreensão dos telespectadores. Compostas por Quito Ribeiro, com supervisão de Eduardo Queiroz, as músicas cantadas pela atriz Ísis Valverde foram criadas especialmente para o programa. A canção “No Ouvido da Sereia”, por exemplo, dialoga diretamente com a linguagem visual da personagem, os versos enfatizam o mar e a força de Iemanjá. A trilha também possui canções de músicos baianos como Gal Costa, Caetano Veloso e o grupo Timbalada. As composições instrumentais da minissérie são usadas em momentos pontuais da história e ajudam o público a captar sentimentos e intenções que transpõe os diálogos dos personagens. Como, por exemplo, na cena em que Sereia (Ísis Valverde) se arruma para subir no trio elétrico, apesar da expressão da protagonista indicar felicidade, a trilha instrumental mostra que a cantora está angustiada.

Assinada pelo cineasta Walter Carvalho a fotografia de O Canto da Sereia refletia o dilema vivido pela cantora de axé.
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 Os tons quentes e saturados eram usados nas apresentações e momentos de alegria de Sereia (Ísis Valverde) e os tons mais frios se destacavam nas discussões, traições e no funeral da personagem. Essa contraposição também ia ao encontro do desenvolvimento dos arcos narrativos, à medida que os episódios da minissérie iam ao ar os telespectadores conheciam a fundo os detalhes por trás da conturbada relação que a protagonista tinha com Paulinho de Jesus (Gabriel Braga Nunes), Mara Moreira (Camila Morgado), Jorge de Ogum (Guilherme Silva) e Geraldo da Silva (AC Costa).

Por fim o último indicador do Plano da Expressão, a edição, influenciou não só na apresentação das temporalidades de O Canto da Sereia, mas aproximou o público da história que estava sendo contada. O arco narrativo central da minissérie é o assassinato da cantora baiana. Após sua morte, exibida no primeiro episódio, a polícia e o detetive particular Augustão (Marcos Palmeira) investigam as principais motivações do crime e os suspeitos Paulinho de Jesus (Gabriel Braga Nunes), Mara Moreira (Camila Morgado), Jorge de Ogum (Guilherme Silva), Geraldo da Silva (AC Costa), Mãe Marina de Oxum (Fabíola Nascimento), Tuta (Marcelo Médici) e Dr. Jotabê (Marcos Caruso). A partir de uma edição não linear, os desdobramentos das investigações da morte de Sereia (Ísis Valverde) são alternados por flashbacks de 10, 7, 3 e 2 anos antes do crime, 3, 2 e 1 mês antes do crime, e 2 anos antes do crime.

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As analepses aprofundavam a trama, mostrando a relação que a protagonista mantinha com os outros personagens, e ajudavam o telespectador a descobrir o culpado pelo assassinato. Entretanto, é importante ressaltar que apesar de ser composta por duas temporalidades (passado e presente) a trama da minissérie não é complexa. Cada flashback apresentava uma indicação gráfica (um ano antes do crime, quatro dias antes do crime, etc.) e um efeito sonoro de passagem do tempo. Além disso, todas as analepses estavam vinculadas as situações do presente como, por exemplo, quando Paulinho de Jesus (Gabriel Braga Nunes) fala do seu namoro com Sereia (Ísis Valverde) imediatamente entra um flashback de “três anos antes do crime” detalhando a relação dos dois. O uso de câmeras sem cabo (móveis) trouxe agilidade para as cenas de ação, aproximando o público dos acontecimentos em questão. Outro recurso adotado foi as imagens embaçadas, tanto a morte da cantora baiana quanto em suas crises, causadas pelo câncer no cérebro, foram pautadas por planos em primeira pessoa e sequências turvas, ressaltando a fragilidade da personagem. Já a câmera lenta foi usada para detalhar as sequência que explicavam assassinato de Sereia (Ísis Valverde).

No Plano do Conteúdo iremos destacar os seguintes indicadores: intertextualidade, escassez de setas chamativas, efeitos especiais narrativos e recursos de storytelling. O indicador intertextualidade esteve presente em momentos pontuais de O Canto da Sereia. As referências externas ao universo ficcional da minissérie dialogavam com o cenário musical da Bahia e com o livro O Canto da Sereia – Um Noir Baiano.

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Responsável pelas investigações da morte de Sereia (Ísis Valverde) a delegada Márcia Pimenta foi interpretada por Margareth Menezes. Natural de Salvador, a cantora baiana é um dos grandes nomes do axé music, estilo que a protagonista da minissérie canta. A percussionista Lan Lan também fez uma participação no programa, na cena em que Sereia (Ísis Valverde) se apresenta pela primeira vez para Tuta (Marcelo Médici), exibida no segundo episódio, a artista toca bongô na banda da protagonista. Autor do livro em que minissérie é baseada, Nelson Motta foi citado no terceiro episódio. Durante um jantar, Mara Moreira (Camila Morgado) fala com Sereia (Ísis Valverde) que o jornalista irá encontrar com elas. As cantoras de axé Claudia Leite e Ivete Sangalo também são citadas pela protagonista. Todas essas referências externas aos arcos narrativos de O Canto da Sereia não interferem diretamente no desenrolar da trama, mas homenageiam questões importantes, como a música baiana e o ponto de partida para a criação da minissérie.

Apesar de ser uma história que se desdobra em duas temporalidades (passado e presente) com uma edição não linear, O Canto da Sereia apresenta muitas setas chamativas. Os cartazes narrativos são dispostos em vários momentos da trama e fazem uma espécie de resumo dos acontecimentos. As setas narrativas da minissérie podem ser observadas de forma contínua nas indagações de Vavá de Zefa (Fábio Lago), nos diálogos de Augustão (Marcos Palmeira) com Mara Moreira (Camila Morgado) e nas analepses. Assistente e amigo pessoal de Augustão (Marcos Palmeira), Vavá (Fábio Lago) faz perguntas estratégicas ao detetive particular. Cada dúvida, inquietação e angústia de Augustão (Marcos Palmeira) também é verbalizada pelo detetive nas conversas com o assistente. Desta forma, não cabe ao público descobrir o que se passa com o personagem através de outros recursos (olhar, figurino, trilha sonora, etc.), tudo será didaticamente explicado por Vavá (Fábio Lago). Essas setas chamativas são usadas em distintos momentos de O Canto da Sereia como, por exemplo, quando Augustão (Marcos Palmeira) explica para o amigo toda a história de Paulinho de Jesus (Gabriel Braga Nunes) com a cantora de axé. Obviamente, por morar em Salvador e conhecer Sereia (Ísis Valverde), mesmo que apenas profissionalmente, o personagem sabia dos detalhes públicos da relação dos dois. Ou quando Augustão (Marcos Palmeira) faz um desenho explicando a Vavá (Fábio Lago) a conexão entre os suspeitos de matar a protagonista, sendo que o assistente também estava participando das investigações e, consequentemente, sabia do desenrolar da situação. Já nos diálogos do detetive com Mara Moreira (Camila Morgado) as setas chamativas são usadas para resumir os desdobramentos, os principais suspeitos e os próximos passos das investigações do assassinato de Sereia (Ísis Valverde). Cada nova informação descoberta pelo detetive era prontamente relatada à empresária da cantora de axé. Como, por exemplo, quando o exame toxicológico da protagonista é finalizado pela polícia e Augustão (Marcos Palmeira) vai à casa de Mara Moreira (Camila Morgado) para contar. De modo geral, mesmo que o telespectador não tenha acompanhado as investigações do detive, ao assistir os diálogos entre os personagens irá se inteirar dos últimos acontecimentos. Por fim, o uso dos flashbacks não exige esforço analítico do público. Como iremos discutir no indicador recursos de storytelling, mesmo se passando em outra temporalidade as analepses estão diretamente vinculadas às cenas que as antecedem.

O indicador efeitos especiais narrativos pode ser observado nas reviravoltas dos episódios de O Canto da Sereia. Esse recurso está presente tanto no principal arco narrativo da minissérie quanto na trajetória dos personagens Sereia (Ísis Valverde), Mara Moreira (Camila Morgado), Paulinho de Jesus (Gabriel Braga Nunes) e Mãe Marina de Oxum (Fabíola Nascimento). Inicialmente, a partir das pistas dadas pelos autores, o telespectador é tendenciado a acreditar que o assassinato da cantora de axé foi resultado de uma grande conspiração política e/ou financeira. Entretanto, no terceiro episódio, exibido no dia 10 de janeiro de 2013, em uma conversa com Mãe Marina de Oxum (Fabíola Nascimento) a personagem Sereia (Ísis Valverde) diz que não quer seus fãs chorando na porta de um hospital ou que a vejam careca, sofrendo. As falas da protagonista davam indícios de que ela estava muito doente e que morreria em breve. O plot twist é confirmado no último episódio, que revela que Sereia (Ísis Valverde) pediu para que Só Love (João Miguel) a matasse antes que o câncer no cérebro evoluísse. Dessa forma, o efeito especial narrativo consiste na motivação e nos envolvidos na morte da cantora baiana. As reviravoltas também estão presentes no perfil de Mara Moreira (Camila Morgado), Paulinho de Jesus (Gabriel Braga Nunes), Mãe Marina de Oxum (Fabíola Nascimento) e Sereia (Ísis Valverde). À medida que os episódios eram exibidos o público descobria detalhes inesperados, dentro do que até então tinha sido apresentado, de cada um dos personagens. Como, por exemplo, que Mara Moreira (Camila Morgado) foi namorada de Sereia (Ísis Valverde), que Paulinho de Jesus (Gabriel Braga Nunes) foi preso por tráfico de drogas no Rio de Janeiro e que Mãe Marina de Oxum (Fabíola Nascimento) traiu Jorge de Ogum (Guilherme Silva). A trajetória da protagonista também apresentou reviravoltas, a trama constantemente ressaltava atitudes da personagem que contrastavam com as características apresentadas no primeiro episódio. Nesse sentido, ao longo da minissérie Sereia (Ísis Valverde) se mostra uma jovem ambiciosa e inconsequente.

Por fim, o indicador recurso de storytelling pode ser observado nos flashbacks de O Canto da Sereia. Apesar de ter um papel fundamental na compreensão e na reprodução da cronologia da morte da protagonista, as analepses são exploradas de maneira didática. De modo geral, os flashbacks têm duas funções centrais no desenvolvimento dos arcos narrativos da minissérie: aprofundar as tramas dos personagens e, consequentemente, revelar o assassino de Sereia (Ísis Valverde) e preencher os vazios informacionais.

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Na primeira função, o telespectador vai conhecendo os detalhes das relações dos personagens e os principais acontecimentos na vida da protagonista. Além de serem sinalizadas com indicações gráficas e efeitos sonoros, as analepses têm uma conexão óbvia com as cenas que as antecedem. Como, por exemplo, quando Paulinho de Jesus (Gabriel Braga Nunes) conta para Augustão (Marcos Palmeira) o início do seu namoro com Sereia (Ísis Valverde) e imediatamente o flashback é inserido. O mesmo acontece várias cenas, cada assunto discutido pelos personagens é um prenúncio do fato passado que será mostrado.

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Já a segunda função é usada para relembrar o público e reforçar o fechamento de um plot. Esse aspecto pode ser observado, por exemplo, quando Augustão (Marcos Palmeira) relaciona os desenhos do fuzil que matou a cantora de axé com as pinturas na porta do quarto de Só Love (João Miguel). Desta forma, mesmo a minissérie tendo apenas quatro episódios à trama indica para o telespectador a ligação entre as pistas do crime.

Por Daiana Sigiliano

* Todas as imagens da minissérie usadas nesta análise são capturas de tela.
 
Ficha Técnica:

  • Autoria: George Moura e Patrícia Andrade, com base na obra O Canto da SereiaUm Noir Baiano, de Nelson Motta
  • Escrita por: George Moura, Patrícia Andrade e Sergio Goldenberg
  • Supervisão de texto: Gloria Perez
  • Direção-geral: José Luiz Villamarim
  • Núcleo: Ricardo Waddington
  • Período de exibição: 08/01/2013 – 11/01/2013
  • Nº de episódios: 4
  • Horário: 23h

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