O retrato do real é intermediado por diversas linguagens. Elas se tornam, então, componentes principais na estruturação de novos debates e reconstruções de discurso. Registrar a realidade das tragédias acometidas no Hospital Colônia, entidade psiquiátrica de Barbacena (MG) tornou-se uma finalidade na carreira da jornalista mineira Daniela Arbex.
A repórter especial do jornal Tribuna de Minas realizou, em 2011, uma série de reportagens com o tema “Holocausto Brasileiro”. Vencedoras de prêmios nacionais e internacionais, os relatos do hospital foram transformados em um livro-reportagem e, mais recentemente, a adaptação homônima destes trabalhos tornou-se um filme documental.
O Hospital Colônia é a sede principal de uma entidade psiquiátrica que, no início do século XX, foi criada pelo Governo de Minas com o intuito de prestar serviços à pessoas que possuíam distúrbios mentais e nervosos. No entanto, os registros dos maus tratos, das superlotações, da escassez de alimentos, água potável e no alto nível de óbitos, diversas personalidades, principalmente a partir da década de 1970, passaram a denunciar os eventos acometidos no local, conhecido por “Holocausto Brasileiro” e “Sucursal do Inferno”.
O hospital recebia aqueles que, segundo os parâmetros sociais e culturais, eram identificados como “crônicos sociais”, ou seja, que ofereciam improdutividade, asco, vergonha ou medo para os participantes do sistema vigente. Dentre os internos estavam também prisioneiros políticos, mães grávidas na adolescência, indigentes e homoafetivos.
A partir de 1979, e com a ajuda de profissionais dedicados à luta antimanicomial, o processo de internação se tornou mais próximo às condutas necessárias para que se garantissem os direitos humanos do paciente internado.
No entanto, na tentativa de trabalhar em prol da memória do lugar e dos personagens desta história, as abordagens contemporâneas do caso se tornam tão necessárias quanto as que as procederam. Deste modo, o filme “Holocausto Brasileiro” (HBO/Vagalume Filmes, 2016), exerce um dever primordial da prática jornalística audiovisual: ouvir.
O filme, de acordo com a jornalista em entrevista ao site Vice alega que o filme é importante para todos nós, já que aborda a loucura mas também a exclusão, o preconceito e os resultados da vida em uma sociedade sob influência de uma cultura eugênica e higienista.
O documentário expõe, em 90 minutos, como foi construído o sistema que registrou cerca de 60 mil óbitos, tratava os pacientes em escassez de material e em momentos de superlotação. A voz dada aos antigos internos do hospital é democrática e certeira: o filme apreende os depoimentos de pessoas que poucas vezes tiveram a oportunidade de exercer o poder da fala.
Com riqueza de detalhes, o filme também retrata uma revisita à memória do hospital ao promover um reencontro entre os fotógrafos, psiquiatras e jornalistas que, no passado, foram personagens importantes no processo de denúncia do hospital. Além disso, os funcionários do Colônia também foram entrevistados, fornecendo fortes revelações, ainda que sem fortes interferências na direção ou roteiro.
O filme atenta para que o espectador enxergue de maneira plural e democrática a trajetória que, pouco contada, ainda assombra uma parte central da história brasileira. O bom emprego da prática audiovisual dá a obra a capacidade de ouvir, produzir e incitar a mudança social.
Por Iago Rezende
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