Observatório da Qualidade no Audiovisual

Protagonistas: os agentes da mudança social

Em 2001, entrava em vigor a lei de n. 10.216, de assistência ao portador de transtornos mentais. No texto, dizia da finalidade do tratamento a incumbência em reinserir, socialmente, o paciente em seu meio. Neste contexto, o destino dos internos que, até então, era dado aos cuidados das instalações psiquiátricas de ordem manicomial, passava a ser os CAPS – Centros de Atenção Psicossocial.

O Ministério da Saúde conferiu aos CAPS a característica aberta e comunitária. Os centros, já espalhados pelo país, reúnem psicólogos, médicos, assistentes sociais e outros profissionais na tentativa de lutar em prol da luta antimanicomial e procurar cuidar de pacientes com transtornos ou sofrimentos mentais – incluindo também as vítimas de vício em entorpecentes e abusos de álcool e drogas.

Na tentativa de levar ao público o cotidiano de uma dessas unidades, a inserção da câmera cinematográfica encontrou, na região metropolitana de São Paulo, novos lugares para exercer diálogos. Por meio de entrevistas com usuários, familiares e trabalhadores da saúde, o documentário Protagonistas – Tratamento Antimanicomial teve como intuito principal fazer um retrato do panorama atual do atendimento dos CAPS no estado.

A narrativa é conduzida, na maior parte da duração do filme, por Diná Freire, mãe de um usuário do sistema. A câmera a acompanha no trajeto da unidade de saúde até a sua casa e o seu depoimento faz alusão à progressiva desconstrução e quebra de preconceitos realizada por ela e pelo espectador. Diná conta como o tratamento do filho, dependente de entorpecentes químicos, a fez compreender como o olhar empático às pessoas que sofrem de transtornos mentais é necessário.

No filme, a personagem diz que, antes, possuía vergonha em dizer da condição do filho e escondeu da família. Através do CAPS, Diná demonstra ter se construído mais forte ao conhecer casos similares – ou até mais difíceis – que o dela.

Sob os estudos do filósofo Jacques Rancière, é possível dizer que a produção artística pode ser compreendida enquanto potência para intervir no mundo. O filme documental, como exemplo, é dotado de uma sensibilidade configurada a ele e o contato do espectador com a obra pode tanto reafirmar preceitos quanto interferir nos sistemas de poder, para poder construir novas realidades.

No encerramento do filme, a voz do personagem que representa a luta antimanicomial adquire a perspectiva crítica ao elencar as dificuldades que ainda são colocadas na atenção básica das unidades do CAPS. Dentre os clamores, a necessidade de se acabar com os leitos em hospitais psiquiátricos e o financiamento das ações de economia solidária e de cooperativismo foram abordados.

É possível, a partir da criação de um senso crítico adquirido pelo contato com obras documentais e audiovisuais, desenvolver competência crítica para agir em prol de uma manifestação ideológica. Se conseguíssemos, assim como a personagem Diná, mudar os preconceitos latentes que ainda vigoram com os pacientes mentais, o filme pode tornar os portadores de transtornos protagonistas na dignidade que lhes é de direito.

Por Iago Rezende

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