Por Ricardo Souza
Lançada em 2017, sendo um dos projetos originais da plataforma RTP Lab, Subsolo é uma websérie de cinco episódios, com duração em média de 15 minutos por episódio, e acompanha o dia de cinco jovens de idades e contextos díspares, que caminham por Lisboa, onde todas as suas pulsões e gestos interiores extravasam. Ao procurarem corresponder às normas de uma estrutura social há muito definida, descobrem, a partir de si mesmos e dos outros, uma necessidade de exploração permanente de novas perspectivas e experiências. Cada episódio segue um personagem que, ao longo do percurso, vai sendo invadido pela dormência da perpetuação dos seus gestos e pela excitação de rasgos fugazes e impalpáveis do que desconhece; alguns irão cruzar caminhos e envolver-se, outros nunca se verão. Subsolo mostra o retrato de uma juventude que está em descoberta sobre seus próprios sentimentos, gostos e peculiaridades.
A websérie possui em sua construção alguns elementos técnico-expressivos que se destacam ao acompanharmos a narrativa. No Plano da Expressão, os códigos sintáticos e visuais presentes são representados principalmente na edição do programa e na fotografia da série. A edição em alguns episódios, como o de João, mostram momentos que seriam como flashbacks isso porque o que é apresentado é uma festa passada, que já ocorreu. A festa seguinte que ele prepara, e que é a festa que liga os acontecimentos da narrativa, é construída à medida que nos aprofundamos no dia do personagem. A fotografia é composta por uma forte dualidade. Em certos momentos, o uso das luzes naturais é totalmente presente na cena, quando os personagens estão transitando pelas ruas, ou quando estão em suas casas acordando após a tão importante festa que aconteceu. O contraponto se dá quando há o uso de luzes artificiais, principalmente de outras cores, como comumente vemos em festas e baladas. Essas luzes dão um tom moderno, representando a juventude e esse momento de descoberta dos personagens durante a festa dada por João.
Ainda dentro dos códigos visuais, temos a maquiagem, e o destaque presente por conta da iluminação. Na festa, temos maquiagens que se destacam, principalmente a do protagonista João, que é destacada por ser a mesma famosa maquiagem do cantor David Bowie. João é um personagem que fisicamente e sexualmente lembra muito Bowie com seu androginismo.
A série possui uma vinheta inicial, que contém o título da série e em seguida temos o nome do personagem/nome do episódio escrito com o mesmo grafismo do título. A vinheta também contém uma trilha que soa como uma espécie de alarme, juntamente com um fundo característico de músicas eletrônicas de festas e baladas. Essa trilha assim como os códigos gráficos, são pontualmente usados na série, sem muito destaque como os códigos visuais.
Como dito, cada episódio segue um personagem diferente. Nós não nos aprofundamos muito em conhecer sobre sua história, mas em acompanhar e entender certos tipos de experiências pelas quais esses personagens estão passando naquele momento. Há um elemento que direta ou indiretamente acaba ligando todos eles, que é uma festa dada por um desses personagens. Adentrando a análise do plano do conteúdo e conhecendo os personagens, temos o primeiro personagem apresentado na série, que é Rúben, de 16 anos. Chegado de comboio a Santa Apolónia, ele acabou perdendo sua condução que o levaria para seu destino e, por isso, decide ir a pé até Anjos, local onde passará a viver com a avó paterna. Envolvido pela promessa da noite, altera o seu percurso e decide seguir um rapaz até uma festa da qual nunca ouviu falar e onde não conhece ninguém. Rúben é um personagem introvertido e que está em um período de descobertas, e por isso decide embarcar nessa “aventura” durante a noite.
No segundo episódio conhecemos João, um rapaz de 26 anos e o dono da festa que acaba por envolver todos os personagens de certo modo. Ele acorda, sozinho, na sua cama de casal. Ainda ressacado e sem nada para fazer, decide organizar mais uma festa. Compulsivamente, vai entrando em contato com todas as pessoas ligadas pelas suas redes sociais. O que começa por ser um evento mais casual, até porque, supostamente, não há corpo (nem vida), que aguente festas todos os dias, volta a colocá-lo numa situação limite. João é visto como uma espécie de “guru” que guia todos os acontecimentos dessa tal noite, isso porque a realização dessa festa fez com que muitos dos personagens experimentassem algo diferente do que eles estão acostumados. Mas o interessante de João é que ele é um dos personagens mais “perdidos” no meio disso tudo, não vemos um certo propósito nele, nem uma motivação completa, ele simplesmente vive uma vida que muitos considerariam vazia para a sua idade.
O terceiro episódio nos apresenta Margarida, uma jovem de 18 anos que está passando por um período conturbado em sua faculdade, devido aos estudos que leva muito a sério. No entanto, a partir de um impulso para lá da sua compreensão, Margarida decide sair de casa e tentar viver, pela primeira vez, a fantasia de ser alguém diferente. Com isso, Margarida acaba indo, à convite de sua amiga, até a festa de João. Ela acaba não se sentindo muito confortável no ambiente, apesar de sua vontade crescente em querer experimentar algo diferente. Margarida é uma personagem que quer viver coisas novas, mas ela acaba colocando um outro objetivo em primeiro lugar, e acaba não se permitindo viver tais coisas novas.
No quarto episódio temos Nazim, um rapaz de 20 anos que trabalha em uma rede de fast-food e que se apresenta como uma pessoa bem reservada e com poucos amigos. Já é tarde da noite, quando um grupo de jovens bebe na porta do seu trabalho. Nazim deixa-se seduzir pela ideia de integração e acaba vagando pela noite com eles. Ele acaba indo para a festa de João, sendo que no episódio anterior é mostrado que ele até se esbarra com Margarida. Ele, assim como ela, também aparenta não estar se sentindo tão confortável no ambiente, mas Nazim parece ter um grande desejo de pertencer a algo/algum lugar, o que pode se dar talvez pela etnia do seu personagem, fazendo um paralelo com um certo tipo de exclusão social por conta disso. A série coloca questões como essa que estão implícitas em sua narrativa, o que deixa em aberto a interpretação do episódio, já que não aprofunda na vida e no passado dos personagens.
Por fim, no último episódio temos Júlia, uma jovem de 23 anos que é uma traficante. Ela é amiga de João, e também esteve presente na festa, bem como o encontrou em momentos bem desconcertantes, antes e depois da festa. Ao longo do dia, Júlia vai-se encontrando com um universo de pessoas, num movimento contínuo que coexiste harmoniosamente com a rotina casa-faculdade-casa. À noite no seu quarto, relaxa pela primeira vez enquanto prepara o dia seguinte. De madrugada recebe uma mensagem, o movimento contínuo quebra, um elemento inesperado altera a rotina. Diferente dos outros personagens, Júlia já parece ser uma personagem que conhece a si mesmo e sabe do que gosta. Ela se apresenta como uma personagem livre, principalmente nos momentos em que ela está andando com sua moto. O contraponto se dá por conta das suas atividades “extracurriculares”, que ela esconde da maioria das pessoas.
O storyline foca em cinco jovens que decidem ter experiências individuais através de uma festa que ocorre na casa de um dos personagens. Através da experimentação, esses jovens compartilham conosco suas angústias e receios de se viver algo novo. O evento é o que liga todos os personagens, que não necessariamente se encontram fisicamente, sendo assim, os temas que aparecem em Subsolo são, em um entendimento amplo, de autodescoberta e criação de novas perspectivas e experiências. Subsolo é um retrato da juventude atual, que busca viver intensamente esses momentos, e criar uma identidade em meio a isso tudo.
Referente aos parâmetros de qualidade e sua mensagem audiovisual, temos a oportunidade como a forma com que Subsolo trata do seu tema, e a forma com que essa narrativa foi construída. A série propõe que o telespectador se identifique com aquilo que está assistindo, pois ela reflete muito do que os adolescentes e jovens adultos passam nos tempos atuais. Apesar de ser interessante, seu tema não é de grande destaque na agenda midiática, mas ainda assim não deixa de ser relevante a retratação de temas como auto descoberta, experiências, vivências e juventude. Sendo assim, essa forte identificação com o seu público alvo, que seriam jovens e adolescentes em fase de descoberta, acaba por se interessar e criar debates em torno dessa narrativa, fazendo assim parte da ampliação do horizonte do público, já que a série promove o debate acerca da sua proposta de discutir a juventude e suas fases de descoberta.
Com cada episódio sendo representado por uma pessoa diferente, temos uma diversidade de personagens e pontos de vista, bem como vivências e tipos de experiências que cada um tem, que faz parte da narrativa da série. Dentro do parâmetro de qualidade da diversidade, destaca-se principalmente os personagens e suas etnias e sexualidades diversificadas. A variação dos personagens, a forma com que retratam suas diferenças e singularidades, bem como refletem sobre questões pessoais de auto descoberta, faz com que a websérie acabe por desconstruir certos tipos de representação de adolescente, adotando uma postura reflexiva fazendo com que os telespectadores se identifiquem com aquilo que estão vendo, sendo assim, podemos sugerir que os estereótipos são desconstruídos.
Por fim, temos a originalidade/inovação presente na série por sua narrativa e enredo em contar a vida desses cinco jovens de forma distinta. Destaca-se ainda que a criação de cada um deles foi feita por um produtor diferente, sendo eles, Tiago Simões – Rúben, Joana Peralta – João, Maria Inês Gonçalves – Margarida, Victor Ferreira – Nazim e Marta Ribeiro – Júlia.
O diálogo com/entre plataformas se adaptou à convergência midiática em produzir conteúdo variado, como making of, vídeos próprios com um tipo de câmera que acompanha cada personagem, e chamadas próprias em suas redes sociais para os telespectadores assistirem a série. Dentro da websérie, a própria narrativa funciona como chamariz para a solicitação da participação ativa do público, já que o público alvo é o retrato dessa juventude que é representada na série.
Print do instagram da série e vídeo de uma das chamadas de Subsolo (instagram: https://www.instagram.com/subsolo.webserie.rtp/)
Os recursos técnico-expressivos do plano da expressão foram utilizados na websérie de forma a aprofundar a narrativa e criar uma estética interessante e que faça parte do contexto da obra. Destaca-se, portanto, o uso dos códigos visuais em sua construção. No plano do conteúdo, observa-se o grande foco nos personagens e na sua storyline. Na mensagem audiovisual destaca-se o uso do parâmetro da oportunidade e do diálogo entre as plataformas, que estimula o público a conhecer mais sobre o universo e promove a transmidiação dessa produção.
*Todas as imagens são prints ou foram retiradas do site da RTP Lab disponível em: https://media.rtp.pt/rtplab
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