Observatório da Qualidade no Audiovisual

APPaixonados

Por Ricardo Souza

Lançada em 27 de fevereiro de 2018 pela RTP (Rádio e Televisão de Portugal), APPaixonados conta a história de Ana Real, uma professora de 32 anos, que está solteira e decide se aventurar pelo aplicativo appaixonados em busca de encontrar seu par ideal, mas também de conhecer novas pessoas e ter novas experiências. Distribuída em 12 episódios com cerca de 10 minutos de duração cada, os encontros são decididos pelo público, através de uma votação ocorrida na época da exibição, em que estavam disponíveis vários perfis para as pessoas votarem com o fim de escolher o próximo encontro para Ana. O final da série também foi decidido pelo público, que votou com quem ela terminaria. 

Os recursos técnico-expressivos presentes no plano da expressão, utilizados em APPaixonados variam de acordo com os episódios que transpõem a necessidade de se passar a mensagem daquela narrativa. Há episódios em que os códigos visuais aparecem com mais frequência/destaque, e são fundamentais para acrescentar na narrativa e aprofundar o personagem em questão com quem a Ana se encontra, como no caso do sétimo episódio em que Ana tem um encontro com Claudia Coelho, uma aficcionada por jogos e nerd. O episódio é todo moldado com a aparência de um jogo, como se Ana estivesse em um RPG (Role Playing Game) com Claudia. As bordas da tela, as “barras de vida” do personagem nos jogos, que determinam quanto de vida o jogador ainda tem, aqui é utilizada como um recurso para ilustrar o nível de interesse entre Claudia e Ana. Temos ainda as caixas de diálogo, que mostram o diálogo das duas, já que o episódio é predominantemente sem diálogos por voz, a trilha sonora, que é a mesma utilizada no clássico jogo “Mario Bros” (1983). Esses recursos se traduzem nos códigos gráficos e sintáticos que atuam na narrativa, na construção da edição do programa, e na utilização de grafismos, vinhetas e recursos visuais narrativos. 

Referente aos códigos visuais, a obra entrega recursos de câmera, iluminação e cenário variados em cada episódio, mas ressalta-se que na maioria deles, o episódio passasse grande parte em um único cenário característico a personalidade da pessoa com quem Ana está se encontrando, como uma livraria, um cinema, o quarto de uma youtuber dentre outros. As atuações reforçam o gênero do humor, sendo muitas vezes são caricatas ou carregadas de estereótipo. 

Os códigos sonoros também são adequados na narrativa para a construção do episódio e para reforçar o tipo de personagem com quem estamos lidando. Como no sétimo episódio, dito anteriormente, temos os recursos sonoros usados para se construir uma trilha que remete a jogos e sons clássicos que aparecem em jogos como Super Mario. 

Por fim, destaca-se mais uma vez a utilização dos recursos gráficos na construção da vinheta clássica da série, que mostra Ana dando match em seu próximo date. 

A construção da narrativa é dada através da divisão dos episódios sendo realizada por Ana, em cada episódio, conhecendo um personagem diferente. A diversidade dos personagens significa a decisão de Ana em dizer sim para todos os pretendentes, a fim de os conhecer melhor. Sendo assim, temos as apresentações de cada personagem, que definem um pouco da característica deles e como se dá a sua construção na narrativa.

Introduzindo os personagens que fazem parte do plano do conteúdo, Cassandra Morrigan é “a  gótica”. Apresentada no primeiro episódio, Cassandra Morrigan (não é o nome que os pais lhe deram, foi um corvo no dia de finados que o sussurrou) tem um vasto guarda roupa tenebroso e adora o Halloween tanto quanto adora o cinema alternativo. 

Sérgio Montes é “o empreendedor”. O jovem fundador da Appaixonados, SA. passou de debitador de código a milionário quase da noite para o dia. A fortuna arranjou-lhe um novo guarda-roupa, carro e confiança de sobra – só ainda não encontrou o amor. 

Sara “QT-PIE” Araújo é “a influencer”. Vlogger no Youtube, com milhares de seguidores, regista todos os momentos na esperança de encontrar um que se torne viral. Já não se lembra do que é um riso sincero. Acho que teve um em 2010. 

Tânia “Quebra-Queixo” é “a mafiosa”. Se alguém perguntar, Tânia obviamente não é uma mafiosa. Até porque se alguém perguntar, arrisca-se a ficar sem rótulas. Ela pode ser uma bad girl, mas sabe passar bons tempos. 

Gonçalo Delgado é “o filho”. Gonçalo é um filho exemplar. O orgulho da mamã. Tem um emprego estável, tem hobbies saudáveis, não tem cadastro. A mãe inscreveu-o no Appaixonados na esperança de ainda ver o neto em vida. 

Pimpão & Pedro é “o ventríloquo”. Pimpão & Pedro são um duo há muitos anos. Pedro é tímido, Pimpão é descarado. Pedro é sério, Pimpão é brincalhão. Pedro é um ser humano e o Pimpão é um fantoche. A-hem. Um boneco. Só os fantoches é que podem dizer “fantoche”. 

Cláudia Coelho é “a otaku”. Ela acredita na magia, no amor, nos noodles, na justiça e em passar fins de semana em casa a ver maratonas de séries geeks. Vai a convenções, vai a torneios de videojogos e é uma rapariga 100% mágica com cosplays muito convincentes. 

Rui Ventura é “o poeta”. Um poeta, escritor, idealista. É empregado de mesa porque é um poeta e poesia que não rima não paga as contas. Infelizmente, poucos o levam a sério por ser demasiado bonito. 

Nina Cabral é “a cinéfila”. Uma treinadora de cães incrivelmente dotada que está à procura de um par perfeito não só para si, mas para o seu cachorro amorável Pongo, que gosta de passeios em parques e tenha espaço para muita bagagem emocional. 

Nardo e Leo são “o  mano e o bro”. Nardo e Leo são amigos inseparáveis desde o secundário e partilham tudo: a casa, as viagens, as piadas – que já completam em modo automático – e agora… acreditam que o próximo passo natural na sua amizade é partilharem alguém. Mas só amor físico, ok, bro? 

Albano Rocha é “o jovem de espírito”. Albano é tótil jovem. Bué mesmo. Ele percebe tudo dos youtubers, dos minecrafts, dos fidget spinners. Ele adora as bandas todas clássicas e dá-se como todos eles e não é por ser da idade deles. Bute lá?

No plano do conteúdo, a oportunidade é observada através da representação da vida cotidiana de uma pessoa em busca de encontrar um par ideal. Com os vários encontros que Ana tem, ela abre seus horizontes para conhecer novas pessoas, novas perspectivas e ter novas experiências que nunca havia tido. A diversidade tem seu valor na narrativa, pois como já dito, a série é composta por uma série de encontro com diferentes pessoas, que possuem diferentes personalidades e características. Ana tem encontros com mulheres, homens, casais e pessoas de diferentes idades, tanto mais velhas que ela, quanto bem mais novas. Em alguns episódios há ainda o debate referente a essas questões, como no segundo episódio “Ana e Sergio”, em que ele é bem mais novo que Ana, além de ela já ter sido babá dele. 

Como já ressaltado anteriormente, por ser uma série de humor, a narrativa conta com personagens caricatos para reforçar de forma às vezes exageradas um tipo de estereótipo de um personagem. Há o estereótipo da gótica, presente no primeiro episódio da série, o do nerd, dos amigos que vivem um “bromance”, da blogueira, da mulher lésbica masculinizada. Nesse caso, o produto em suas representações acaba reforçando, através do deboche e de situações que beiram o ridículo, generalizações usadas que se consolidaram ao longo dos anos.

O humor é mais aberto em utilizar personagens estereotipados para a construção da sua narrativa, pois as situações construídas de forma cômica e que beiram o ridículo são propositais do storyline. Sendo assim, o storyline da websérie  apresenta Ana, “a desejada”, que depois do fim de uma longa relação, lançou-se de cabeça num novo mundo de romance digital, instalando o Appaixonados, decidida a dizer sim a todas as oportunidades. De certo modo fica mais fácil a identificação do telespectador com determinadas situações que Ana passa, como o encontro com seu ex, gerando uma reação exagerada nela. 

Por fim destaca-se o recurso da ampliação do horizonte do público. Por sua narrativa, há a possibilidade de surgir debates acerca de alguns temas que a narrativa levante, principalmente no uso da tecnologia e nas relações interpessoais, que vem se tornando diferentes por conta dessas tecnologias e aplicativos de “pegação” e encontros. A diversidade como recurso se apresenta dentro do recurso da ampliação, já que propõe a Ana e aos telespectadores conhecerem outros pontos de vista e outras pessoas com diferentes opiniões e características. Muito provavelmente essas discussões provocadas pela série não irá mudar de forma drástica a visão de mundo do telespectador, mas de certo modo há sim a presença de debates que podem ser extraídos dessa narrativa. 

Na mensagem audiovisual, a originalidade e a criatividade se fazem presentes pelo tipo de formato com que a série trabalha. A série demanda a participação do público e constrói sua narrativa a partir disso. Apesar de seu formato não ser original e totalmente inovador, a forma com que a série constrói sua narrativa e desenvolve a interação do público moldando suas escolhas para as escolhas de Ana é original e criativa, representando o conceito experimental com que o projeto da RTP Lab se propõe a trabalhar em suas produções.  

O objeto de análise é bem sucedido ao ser um produto experimental original e criativo, adequando sua narrativa aos moldes do público e explorando um formato diferente e sendo objetivo em afirmar que essa é uma série sobre aplicativos de relacionamento, em que acompanhamos uma pessoa em sua jornada por um desses aplicativos. Sendo assim, a websérie é eficaz no uso do parâmetro da clareza da proposta, ao entregar uma proposta original e instigante.

Aqui encontra-se também o diálogo entre plataformas, já que APPaixonados é um produto inteiramente transmídia feito justamente para acontecer o diálogo entre as plataformas multimídias, as redes sociais e os novos meios on demand, sendo assim, encontra-se aqui presente nesse produto, a participação ativa do público, que como já dito, moldou a narrativa da série ao decidir em cada episódio qual seria o “destino” de Ana e com quem ela se encontraria no aplicativo durante a série. Diferente de produtos feitos para a TV, que pouco são abertos para a participação do público, APPaixonados se consolida como uma produção transmídia e é um dos produtos experimentais da plataforma inovadora da RTP Lab, bem como um projeto ambicioso em criar um forte diálogo com o público de maneira descontraída e divertida. 

*Todas as imagens são prints ou foram retiradas do site da RTP Lab disponível em: https://media.rtp.pt/rtplab/

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