Observatório da Qualidade no Audiovisual

Desalma: análise dos processos de circulação

Por Gustavo Furtuoso e Lorena Fontainha 

Após realizar a análise dos processos de produção de Desalma (Globoplay, 2020), partiremos para a análise dos processos de circulação da série, a partir das publicações nos perfis oficiais da Globoplay no Facebook, Instagram, Youtube e Twitter. A proposta teórico-metodológica utilizada foi proposta por Borges e Sigiliano (2021) e está descrita e exemplificada na obra “A qualidade e a competência midiática na ficção seriada contemporânea no Brasil e em Portugal” (Borges et al, 2022), disponível gratuitamente em formato digital neste link.

No total, foram levantadas 362 publicações referentes à obra [Tabela 1]. Essas publicações foram sistematizadas em uma tabela e classificadas manualmente em categorias (Borges e Sigiliano, 2021) para sistematizar as ações de transmidiação.

Desalma estreou na Globoplay em 22 de outubro de 2020. Posteriormente, a série ganhou uma nova temporada em 28 de abril de 2022. No programa Corujão foram exibidos alguns episódios em comemoração ao Halloween de 2021. A trama desenvolvida pela autora Ana Paula Maia se passa na colônia ucraniana ficcional de Brígida. Cheia de segredos e histórias sombrias, a cidade se vê abalada quando uma série de acontecimentos desperta lembranças de um misterioso desaparecimento dos anos 1980. Com diferentes linhas temporais a trama aborda na primeira e, principalmente na sua segunda temporada, os acontecimentos paralelos que interligam os anos de 1988 e 2018. Com figurinos tradicionais e referências culturais ao folclore eslavo, a atração, que é classificada como drama sobrenatural na plataforma Globoplay, é inspirada em histórias de horror. Como pontua, Ana Paula Maia “Desalma é um drama sobrenatural, com camadas. É a não aceitação da morte e tem relação com transmigração de almas. Esse tema tem muito a ver com o meu universo” (Globo, 2021, On-line). 

A partir das relações entre as famílias presentes em Brígida construiu-se uma base para discutir questões atuais como imigração e preconceito. A própria diversidade do Brasil é discutida, abordando a realidade de diferentes povos que juntos construíram as bases da identidade do sul do país. “Falamos da migração do povo de um país que existe hoje no Brasil, mas pouca gente conhece. A maior comunidade ucraniana fora da Ucrânia é no Brasil. Eles mantêm vivas as festas, as tradições”, reforça Ana Paula Maia (Globo, 2021, On-line). São adotados como cenários florestas, penhascos e cachoeiras de diversas localidades dos estados de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. A comemoração tradicional de Ivana Kupala se torna o centro de desencadeamentos das ações, apesar de a trama não ser construída a partir de um protagonista, a atração conta com nomes experientes e conhecidos pelo público como Cássia Kis (Haia), Isabel Teixeira (Anele) e Cláudia Abreu (Ignes).

Youtube

No Youtube do Globoplay, dentro do período do levantamento, foram coletadas 21  publicações, sendo a maioria delas condensadas em uma playlist específica da série. É possível perceber o foco da estratégia na propagação dos bastidores de produção audiovisual [Figura 1]. Se faz presente também divulgações promocionais de teaser e trailer de ambas temporadas além da criação de uma experiência imersiva.

Na primeira temporada, a Experiência Desalma permite que, através de um vídeo com a narração da bruxa Haia, quem acompanha a história da série consiga visitar uma das florestas que é cenário da produção. Tal possibilidade traz o telespectador interagente para viver no ambiente da obra, sendo então uma experiência vivencial que incorpora um tom extra aos arcos originais. 

Já a segunda temporada é composta por um número menor de conteúdos [Figura 2], focando no aspecto promocional de divulgação através de vídeos que antecipam os episódios em trailers ou que reforçam a sua importância, como foi feito na Comic Con Experience de 2021. 

É possível observar que, de modo geral, o Youtube tem como objetivo reforçar as características estéticas da produção e o padrão de qualidade das obras originais Globoplay. Tal ponto é evidenciado com a maioria dos conteúdos relacionados a série serem pertencentes aos bastidores, reforçando o trabalho do elenco, da montagem dos cenários e do restante da equipe. Erick Brêtas, à época diretor geral do Globoplay, comenta a necessidade de posicionamento da marca, afirmando que é necessário um posicionamento no mercado do streaming com oferta robusta, competente e de qualidade, refletindo o padrão de qualidade que o Grupo Globo já prega desenvolver em suas frentes de atuação (Brêtas, 2019). 

Facebook

No perfil oficial do Globoplay no Facebook foram coletadas 41 postagens, abrangendo tanto ações de expansão quanto de propagação em ambas temporadas [Figuras 3 e 6].

Na primeira temporada é possível identificar a postagem relativa a ação realizada Comic Con Experience como uma extensão vivencial para a divulgação da série no evento. Ela permitiu que os presentes pudessem visitar os cenários da produção por meio de óculos de realidade virtual e réplicas [Figura 4].

Foram observadas também estratégias parecidas com as realizadas no Youtube, ressaltando os bastidores da série, além da replicação de trailers e teasers [Figuras 3 e 6]. Em outubro, mês do Halloween, destaca-se conteúdos de crossover, em que o principal deles convida o público para uma maratona de produções de terror [Figura 5] no dia  31 de outubro de 2021. 

A segunda temporada [Figura 6] , por sua vez, trouxe ganchos em conteúdos reformatados, tanto de recuperação da trama da primeira temporada por retomadas de cenas quanto na antecipação do que espera em sequências futuras (crossover e divulgação). 

É interessante notar que houve uma intenção de criar expectativas de uma grande retomada da história de Brígida, como pode ser visto na publicação do dia 28 de abril de 2022 [Figura 7]. A retomada da série demandava que o público revisitasse diversos pontos-chave da narrativa e as redes sociais foram acionadas de forma estratégica para trazer, com paratextos e ações de transmidiação, esses momentos de volta de forma resumida e pontual. 

No geral, o foco das estratégias utilizadas no Facebook esteve, em sua maior parte, na tentativa de trazer para os telespectadores interagentes conexões em conteúdos de crossovers com outras produções do catálogo, principalmente as originais Globoplay. Além disso, alguns conteúdos já comentados foram também replicados na plataforma, assim como nas outras redes sociais.

Instagram (Globoplay)

No Instagram do Globoplay, foram coletadas 120 publicações relacionadas a Desalma entre agosto de 2020 e agosto de 2022. Dessas, 79 são relacionadas à primeira temporada, feitas entre 2020 e 2021. [Figura 8].

Neste momento, percebe-se um esforço por parte do Grupo Globo em introduzir o público aos personagens e premissas da atração. Boa parte dos conteúdos teve a função de apresentação de personagem, trazendo informações iniciais sobre seus arcos narrativos e confirmando o elenco. Aqueles mais centrais receberam postagens em carrossel com duas telas, a primeira anunciando o nome do personagem e do ator ou atriz escalado para o papel, e a segunda trazendo uma frase que o sintetize ou represente [Figura 9]. Essas publicações eram do tipo Informativa, categorizadas como Promocionais, pois não traziam excertos do universo ficcional, mas sim fotos e peças de divulgação com informações que não se restringiam ao universo narrativo.

Não foram identificadas ações de Expansão, ou seja, não houve publicações que desdobravam a história ou traziam novas peças dela. Apesar de citar muitas vezes vários dos personagens, o tom adotado pelo perfil do Instagram é em terceira pessoa e mais próximo do ponto de vista do público. Assim, não há um movimento dos elementos ficcionais serem transpostos para a rede social, mas sim de uma persona imaginária que representa o Globoplay comentando sobre atualizações e destacando pontos da história, muitas vezes, induzindo um tipo de reação ou comportamento dos telespectadores interagentes.

Outras estratégias adotadas no perfil também foram identificadas nas demais redes sociais, como publicações do tipo crossover, em que diversos títulos são associados em torno de um tema ou ocasião específica, outras do tipo maratona, em que se incentiva a prática de binge watching, e peças mais gerais de divulgação, anunciando datas ou criando uma atmosfera para instigar o público, Outro ponto destacado neste período é que foram feitos poucos conteúdos reformatados, ou seja, que aproveitam cenas e trechos dos próprios episódios. A grande maior parte das postagens foram  classificadas enquanto conteúdo promocional, mas também foram levantadas algumas de conteúdo contextual. Em ambos os casos, porém, era dado protagonismo aos atores ao invés dos personagens. 

Já para a segunda temporada, foram coletadas 41 publicações no perfil do Globoplay [Figura 10]. Nesta temporada, houve menos uma intenção de introduzir os personagens e o universo ficcional ao público, com os conteúdos estando mais focados em recapitular fatos relevantes que aconteceram anteriormente, além das ações padrão já praticadas pela pelo Grupo Globo em outras séries e temporadas. 

Como ressaltado no mapa, em comparação à temporada anterior, houve uma variedade maior de conteúdos reformatados. Não só peças recorrentes de antecipação foram veiculadas, como trailers e teasers, mas também peças de recapitulação, que revisitam cenas dos episódios para comentar sobre elas, repercuti-las ou trazê-las de volta à memória dos telespectadores. Outro ponto a se destacar, como mudança, é o fato de todos os conteúdos relacionados à Desalma – de forma central – serem publicados em parceria entre o perfil do Globoplay e o perfil específico da série, aparecendo para os seguidores de ambos e sendo indexados de forma conjunta em suas respectivas páginas. A ação configura uma estratégia de intercâmbio entre plataformas, uma vez que incentiva os usuários a visitarem ambos os perfis e que cada um deles opera de acordo com sua própria lógica.

Além das habituais publicações de crossover, maratona, divulgação e personagens, houve conteúdos de repercussão nas redes sociais, em que capturas de tela de comentários dos telespectadores interagentes eram organizados e postados como forma de comentar sobre a série, criar teorias ou analisar arcos narrativos [Figura 11]. A prática é incentivada pelo perfil, que na legenda pergunta diretamente ao telespectador interagente quais as teorias e opiniões sobre determinado evento ou personagem. O tom usado nas legendas, de forma geral, é convidativo, descontraído e informal, usando expressões e memes populares na internet.

Boa parte dos conteúdos publicados no Instagram também circularam em outras redes sociais, tais como entrevistas e brincadeiras com o elenco ou associação da série com outras produções do Globoplay ou dos canais Globo. O que foi possível destacar como específico no uso da rede social foi o volume de conteúdo publicado, sendo a rede social com maior número de postagens, e um foco – especialmente durante a primeira temporada – em apresentar personagens e balizar o entendimento do público com relação à trama, que traz certa sutileza e complexidade em seu storytelling.

Instagram Desalma

A divulgação da série contou com um perfil específico de Instagram, o perfil @desalma. Foram realizadas 118 publicações no período de 18 de setembro de 2020 a 14 de maio de 2022. Durante a primeira temporada, o perfil publicou um mosaico que fez a apresentação dos personagens, destacando sua relevância para a narrativa [Figura 12].

Além das replicações de vídeos provenientes do Youtube, foram trabalhados tanto conteúdos informativos quanto reformatados de antecipação. A participação também foi incentivada e os bastidores expostos ao público, porém a forma de acompanhamento da série chamou atenção ao destacar os personagens e seus arcos e momentos de contextualização. Em um conteúdo da categoria extra, por exemplo, a publicação estabelece a relação pouco explicada na narrativa entre as bruxas e os porcos [Figura 13].

Outro conteúdo contextual da categoria extra foi a publicação de um mapa explicativo sobre a relação de cada família [Figura 14]. Apesar de não ser essencial para o entendimento da série, o conteúdo presta o serviço de ser um atalho na memorização do público com as narrativas familiares. O recurso de paratextos (MITTELL, 2015) providencia a orientação necessária para que a narrativa da série seja acompanhada de forma mais fácil.

Na parte promocional vemos como são ressaltados e divulgados os passos dos personagens, focando em suas narrativas e seus desenrolares, como na publicação sobre o desaparecimento de Emily,  de 4 de dezembro de 2020 [Figura 15].

A segunda temporada traz uma breve rememoração dos acontecimentos vividos, trabalhando também a antecipação de alguns novos personagens [Figura 16].

Os processos de propagação se repetem, por isso um destaque é o incentivo ao público em maratonar a série [Figura 17] , visto que quem teve um contato inicial com a produção após abril de 2022 já apresentava duas temporadas completas para assistir.

Deste modo, pode-se concluir que o perfil específico foi utilizado majoritariamente para aprofundar o contexto mitológico e folclórico da série, além de servir como fonte de replicação para o perfil da @globoplay e Facebook. A conta, focada apenas na própria série, permite um aprofundamento nos conteúdos, tanto em volume de publicações quanto em detalhes da história, que alcança aqueles seguidores que tiveram interesse específico na obra, diferentemente dos seguidores do perfil do Globoplay que não necessariamente assistiram ou têm interesse em Desalma.

Twitter

O perfil do Globoplay no Twitter apresentou 62 publicações sobre Desalma. Destas, 39 foram relacionadas à promoção da primeira temporada, com primeira postagem sendo feita em outubro de 2020 [Figura 18]. Os outros 23 tweets compreenderam o período de divulgação da segunda temporada.

Durante a primeira temporada, houve a publicação da única ação de expansão praticada dentro da plataforma. Um tweet trazia a disponibilização da trilha sonora da série e incentivava os telespectadores interagentes a acessarem a playlist para sentirem como se estivessem em Brígida. O conteúdo foi classificado como expansão lúdica vivencial pois permitia uma imersão na atmosfera trabalhada pelo universo ficcional a partir do som, sendo também categorizado como uma ação de intercâmbio entre plataformas pois direcionava ao Spotify, onde era possível ouvir a coletânea de músicas.

Todas as demais ações foram de Propagação, dividindo-se entre conteúdos reformatados e informativos. No primeiro grupo, destaca-se, um vídeo de recapitulação da primeira temporada com os principais pontos que seriam avançados nos episódios seguintes. Esse tipo de estratégia é algo comum em Desalma, sendo incluído também trechos de recapitulação no início de cada episódio para ajudar na compreensão do telespectador e na ativação de memórias de longo prazo que seriam necessárias para  entendimento da narrativa (Mittell, 2015). Outros conteúdos reformatados foram focados em personagens, como Halyna e Anatoli, com trechos de cenas chave para o avanço de seus arcos. Essa atenção a alguns personagens geralmente é trabalhada a partir de conteúdos promocionais, como fotos de divulgação ou imagens estáticas de episódios [Figura 19]. De forma que o uso de conteúdos reformatados com essa função foi algo mais específico do Twitter do que geral a todas as redes sociais. 

Além disso, conteúdos de divulgação, crossover e bastidores, por exemplo, já replicados em outras redes sociais, foram também adaptados ao Twitter. Conteúdos de quote/citação aqui, entretanto, foram adaptados de maneira diferente do que no Instagram, por exemplo [Figura 20]. Não foram destacadas apenas falas, mas também diálogos, e a transcrição do texto era feita na legenda da publicação, ao invés de inserida na própria imagem, com uso de emojis. 

Já na segunda temporada, percebeu-se um volume menor de publicações e também uma variedade menor de estratégias ou recursos utilizados [Figura 21]. Os conteúdos reformatados, por exemplo, desta vez se limitaram apenas ao trailer e ao teaser da série. Já com relação a estratégias de expansão, não foram identificadas publicações em nenhuma categoria.

Também não houve ocorrência de conteúdos promocionais contextuais, como cenas de bastidores e entrevistas da equipe falando sobre o processo de produção ou sobre a cultura ucraniana, por exemplo, como foi feito na primeira temporada. Isso pode ter relações com a necessidade que, no momento de seu lançamento, uma atração precisar dedicar um maior esforço a cativar uma audiência que não conhece os detalhes de sua mitologia ou da dinâmica entre seus personagens. Como tem sido notado em outras redes sociais, o volume maior de postagens foi do tipo promocional, dividindo-se aqui entre categorias de crossover, divulgação e maratona

Ao comparar todas as ações de transmidiação praticadas pelo Globoplay, a de crossover se destaca, sendo bastante recorrente ao longo todas as redes sociais e em ambas as temporadas. É possível perceber que isso atende à plataforma de duas maneiras. A primeira delas é usar as figuras já conhecidas pelo público a partir das telenovelas e outros programas da TV Globo, criando uma espécie de star system que chama atenção por conta própria e, com isso, agrega valor à uma produção que vai estrear no streaming, especialmente no momento em que o serviço tentava se consolidar no país [Figura 22]. A segunda maneira é criar um fluxo de interesse que leva os telespectadores interagentes de uma produção a outra, reforçando a diversidade e dimensão do catálogo curado para a plataforma, tanto de produções nacionais quanto de conteúdos estrangeiros. 

Parâmetros de qualidade da transmidiação

De modo geral, pode-se dizer que houve clareza na proposta comunicativa, uma vez que há uma lógica regendo os tipos de publicação praticadas pela desenvolvedora, assim como alguns usos específicos de cada plataforma para determinadas postagens, levando em conta suas especificidades quanto a arquitetura informacional. A estratégia de transmidiação de Desalma leva em conta a complexidade das relações entre os diferentes personagens e linhas temporais e age no sentido de ser uma ferramenta que auxilia o público no entendimento desse universo ficcional, além de, é claro, promover a série para novos públicos e manter um fluxo de interesse com relação aos novos episódios. 

Cabe destacar, porém, que embora as redes sociais mantivessem uma linha orientada de ações, há uma discrepância entre a maneira como a série se assume para o público – trabalhando elementos relacionados ao horror e às ideias de medo e susto – e a hesitação entre membros da equipe e da própria direção da plataforma em assumirem Desalma como uma série de horror, referindo-se sempre a ela como um drama sobrenatural e evitando a associação com o gênero (CBN, 2020). Isso pode causar certa confusão por parte da audiência, visto que até mesmo sites especializados passaram a tratar da obra como pertencendo ao gênero. Tal discrepância foi mais presente na primeira temporada, antes da série ser disponibilizada no streaming, provavelmente visando alcançar um público mais amplo, visto que o horror é tido como mais restrito e abrangente que o drama, por exemplo, e tem mais dificuldades de circulação (Bretas, 2019). Na segunda temporada, entretanto, esse discurso muda e chega, inclusive, a ser anunciado em entrevistas com equipe e elenco, que tais nuances e aspectos associados a produções de horror estariam mais presentes nos novos episódios.

Com isso dito, é possível afirmar que houve um diálogo entre plataformas, mesmo que ele não tenha sido algo constante ou presente em todas as redes sociais. No caso do Instagram, a partir da segunda temporada, os perfis oficiais da série e do Globoplay passaram a utilizar um recurso que permite a publicação conjunta nas duas contas. Assim, tais conteúdos alcançavam ambos os públicos e permitiam que aqueles que ficavam interessados na série pudessem encontrar o perfil específico, onde teriam conteúdos mais aprofundados sobre a produção. Links para o Spotify também foram compartilhados quando foi feita a disponibilização da trilha sonora na plataforma. 

Entretanto, esse tipo de articulação não foi notado em todas as redes sociais e alguns conteúdos eram replicados em todas elas, desmotivando esse movimento que poderia ser feito de maneira mais ativa para os telespectadores interagentes. A ideia da transmidiação consiste em orientar uma produção de conteúdo dispersa, mas em que peça é relevante para o todo, e cabe ao público ter parte ativa em conectar todas essas partes (Fechine et al, 2013). Quando é feita a replicação de conteúdos iguais em diferentes plataformas, essa conexão ativa é enfraquecida, pois o público sabe que pode receber um mesmo vídeo, por exemplo, independente da rede social que estiver usando no momento.

Mesmo com essa questão, houve momentos de solicitação de participação ativa do público, ainda que pontuais. No Youtube, uma ação de engajamento com visão em 360º permitia ao usuário explorar alguns ambientes da série numa experiência imersiva e, de certa forma, inovadora dentro do contexto de divulgação de obras pelo Globoplay. Visando também a imersão na atmosfera de Brígida, o lançamento da trilha sonora de Desalma foi feito junto a um convite para que o público ouvisse as músicas e se sentisse percorrendo as ruas e ambientes da série. Outros incentivos a uma participação mais ativa foram a reportagem de um desenho feito por uma fã no Instagram, encorajando a produção criativa dentro da comunidade, e de comentários feitos pelos seguidores em que compartilham suas opiniões e teorias sobre o desenrolar da narrativa. Tais ações motivam outras pessoas a também manifestarem seus pontos de vista ou criarem novos conteúdos a partir do universo ficcional.

Um parâmetro que chama atenção, levando em conta o volume de peças promocionais que a atração recebeu, é a ausência de ações que desdobram ou ampliam a narrativa em outros contextos. Foi percebida quase uma ausência de conteúdos que promovam uma expansão do universo ficcional, sendo identificadas poucas ações do tipo, e aquelas levantadas não a faziam com foco na narrativa, mas sim na atmosfera e numa ideia de imersão. Sendo uma produção que trabalha o sobrenatural, faz sentido apostar em experiências imersivas, já que a ambientação e a atmosfera são grande parte da construção do horror-artístico (Carroll, 1999). 

Porém, sendo anunciada como um ponto de virada na qualidade das produções originais Globoplay, é surpreendente que não foram pensadas maneiras de desdobrar arcos narrativos e camadas de personagens para as redes sociais em produções feitas especificamente para essas outras janelas. A intenção de ajudar o público a se guiar através desses paratextos foi direcionada totalmente para ações promocionais, que visam dar destaque ao elenco de rostos já conhecidos do público e ativar memórias ou interesse por outras produções do catálogo.

A próxima análise completa o percurso comunicacional de Desalma ao abordar a experiência estética que os telespectadores têm ao engajarem com a série e suas redes sociais. Serão levantados os contextos comunicacionais fomentados a partir das ações de transmidiação e a maneira como o público se insere nesse processo com sua produção criativa e habilidade interpretativa.

Referências

BORGES, G.; SIGILIANO, D. Qualidade Audiovisual e Competência Midiática: proposta teórico- metodológica de análise de séries ficcionais. Encontro Anual da Compós, XXX, São Paulo, Anais. 2021. Disponível em: <https://bit.ly/3Bb8OsL>. Acesso em: 18 dez. 2023.

BRÊTAS, E. O futuro das plataformas de streaming e a experiência do GloboPlay. Conecta +, 2019. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=fhz09mZTVk4> . Acesso em: 12 mar. 2023.

CARROLL, N. A filosofia do horror ou paradoxos do coração. Campinas: Papirus, 1999. 

CBN. ‘O terror me relaxa’, diz autora de ‘Desalma’. Estúdio CBN, 2020.  Disponível em: <https://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/320583/o-terror-me-relaxa-diz-autora-de-desalma.htm>. Acesso em: 11 mar. 2024.

FECHINE, Y.; Gouveia, D.; Almeida, C.; Costa, M.; Estevão, F.. Como pensar os conteúdos transmídias na teledramaturgia brasileira? Uma proposta de abordagem a partir das telenovelas da Globo. LOPES, M.I.V. (org.). Estratégias de transmidiação na ficção televisiva brasileira. Porto Alegre: Sulina, 2013. p. 19-60. Disponível em: <https://l1nq.com/thV11>. Acesso em: 25 mar. 2024.

GLOBO. Na semana do Halloween, ‘Desalma’ irá ao ar no ‘Corujão Mistério’. Imprensa Globo. 2021. Disponível em: <https://redeglobo.globo.com/novidades/noticia/na-semana-do-halloween-desalma-ira-ao-ar-no-corujao-misterio.ghtml>. Acesso em: 28 mar. 2024.

MITTELL, J. Complex TV: the poetics of contemporary television storytelling. New York: NYU Press, 2015.

 

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