Frágil é uma websérie de comédia dramática do projeto RTP Lab de seis episódios, que estão disponíveis no YouTube e na plataforma RTP Play. A história é protagonizada por três jovens mulheres que vivem juntas em um apartamento em Lisboa e passam por uma fase de questionamentos em suas respectivas vidas. Maria Miguel (Catarina Secca Cruz) é uma atriz que passa por dificuldades para encontrar trabalho. Francisca (Rita Rocha Silva) é uma artista que não consegue pintar e tem problemas com drogas. Sofia (Matilde Jalles), a prima de Maria Miguel, é uma estudante de marketing que acaba de mudar para Lisboa. As jovens têm de lidar com a falta de dinheiro e trabalho, problemas de relacionamento e a busca pelo sentido de suas vidas. A narrativa consegue fazer um equilíbrio entre o drama e a comédia, revelando aos espectadores, como no título na série, a fragilidade das jovens, mas também a sua amizade.
Sem dinheiro para pagar o aluguel, Maria Miguel e Francisca pensam em uma alternativa, quando chegam à conclusão que deveriam encontrar alguém para se juntar a elas e assim, dividirem as despesas. Sem muitas alternativas, Maria Miguel convida a prima, Sofia, com quem não se dá muito bem, para morar com ela e a amiga. Sofia recém terminou o mestrado em marketing e resolveu sair de Coimbra para morar na capital, Lisboa. A partir desse ponto, as três personagens passam a dividir, além do apartamento, suas alegrias e incertezas.
No plano da expressão, a construção da série privilegia os códigos visuais planos de câmera mais abertos e uma iluminação predominantemente natural, marcada pelas paredes brancas e decoradas com desenhos e quadros de Francisca no apartamento, onde grande parte da história ocorre. A natureza é bastante presente nos episódios finais do programa, quando as jovens vão para uma quinta em Ferreira do Zêzere produzir um curta-metragem. A fotografia de Frágil apresenta um aspecto com tons pálidos, o que contribui na composição dos temas artísticos e dramáticos que envolvem as personagens.
Francisca, Maria Miguel e Sofia dividem o apartamento em Lisboa
Fonte: Captura de tela
Acerca dos códigos sonoros, a série não apresenta trilhas de abertura ou encerramento dos episódios. No entanto, a trilha sonora é bastante presente ao longo dos capítulos e é constituída, em sua maioria, por um rock leve e pelo indie rock, combinando bandas estrangeiras como Julie & The Carjackers e Golden Slumbers, além de bandas portuguesas como Janeiro e CAIO.
A trilha, juntamente com os aspectos visuais já mencionados, contribui para reforçar o ritmo cadenciado da história, que se desenvolve de forma gradual e não se utiliza de muitos cortes e edições. O programa possui um formato progressivo, de forma que a trama se desenrola aos poucos ao longo dos seis episódios. Esse ritmo lento no qual a narrativa acontece faz parte dos códigos sintáticos de Frágil, que tem a proposta de se aprofundar nas personalidades e nas questões que rodeiam a vida das protagonistas de maneira mais intensa e profunda.
Com relação à trama da série e suas personagens, que fazem parte do plano do conteúdo, a história nos apresenta um olhar profundo acerca dos problemas pelos quais Maria Miguel, Francisca e Sofia passam, tanto individualmente quanto coletivamente e como elas lidam com eles. As protagonistas têm personalidades bastante distintas e marcantes e essas diferentes formas de ser se complementam ao longo da trama.
Maria Miguel é uma atriz que tem dificuldades na carreira e passa a maior parte do tempo fazendo seleções para comerciais de televisão, mas se vê preterida por não ser magra ou bonita o suficiente. Frustrada com a falta de oportunidades, ela teme ver seu talento ser desperdiçado. Expondo seu sentimento para as companheiras de apartamento, Francisca brinca com a situação, dizendo que aos 25 anos – idade de Maria Miguel – Steven Spielberg já havia feito o filme Tubarão (1975). Enquanto a vida profissional está em risco, ela começa a namorar o comediante Pedro (Pedro Ferreira), que conheceu através de Rui (Mauro Hermínio), um ator que também estava concorrendo em um comercial de chocolates. O sucesso na vida amorosa, no entanto, não se reflete no lado atriz de Maria Miguel.
As jovens conversam sobre os medos que têm em suas vidas
Fonte: Captura de tela
Sofia é a prima de Maria Miguel que se mudou de Coimbra e resolveu ir para Lisboa com o intuito de ser independente. De acordo com a prima, Sofia era a neta preferida da avó e sempre foi a pessoa na família destinada a ter sucesso. No entanto, as coisas não ocorreram como esperado. Desencantada com as escolhas na vida acadêmica, Sofia deseja ser escritora e inveja a independência da prima, o que a motivou a morar com Maria Miguel e Francisca em Lisboa. O principal dilema que a personagem enfrenta, no entanto, é a traição do namorado e a sua dependência afetiva no relacionamento. Com medo de se ver sozinha, ela consegue romper o vínculo com ajuda da amiga e da prima.
Francisca é pintora e a personagem mais complexa do programa. Cansada de não receber oportunidades para expor suas pinturas, ela acaba se demitindo da galeria na qual trabalhava logo no primeiro episódio. No entanto, ela não revela o acontecido para Maria Miguel e passa a ficar dentro de casa, estreitando sua relação com Sofia. A partir daí, passamos a saber dos problemas de Francisca com as drogas, das quais ela ficou dependente, inclusive para se inspirar em seus trabalhos. Sem as drogas a personagem sofre um bloqueio criativo, o que contribui para o seu vício. No segundo episódio, Francisca pede a Sofia que vá comprar vinho e esta a pergunta se prefere branco ou tinto. Francisca responde que é tudo a mesma coisa, pois é para vomitar, fazendo referência ao poema Vilegiatura, de Fernando Pessoa. A personagem carrega essa relação entre a arte e as drogas, que marcou a vida de diversos artistas, inclusive do próprio poeta português.
Francisca conta para Sofia sua relação com as drogas e com a pintura na imagem à direita. Ao lado, vemos um flashback onde o vício da jovem começou, por influência de uma amiga
Fonte: Captura de tela
Até a metade da série, a vida das três jovens se encontra em um estado de equilíbrio indesejado por elas. Maria Miguel está desacreditada com a profissão de atriz, Francisca saiu do emprego e não consegue se inspirar em suas obras e Sofia está deprimida com o fim do namoro de oito anos. As coisas começam a mudar quando Francisca vai até um estacionamento, lugar de encontro de alguns usuários de droga. Enquanto ela está dentro do carro fumando, uma jovem acaba saltando do local e morre. Nesse momento, Francisca conhece Alba (Filipa Amaro), outra garota que frequentava o estacionamento. Abatida, Francisca vai para casa e pede que Maria Miguel e Sofia a acompanhem no velório da jovem, no dia seguinte.
Pensando na desistência de Maria Miguel em ser atriz, Francisca tem a ideia de produzir um curta-metragem independente: Maria Miguel produz, Sofia escreve e ela participa em outras funções. Pedro e Rui também se juntaram às garotas para as gravações. O local escolhido foi a quinta de Alba, a nova amiga de Francisca, em Ferreira do Zêzere, ao norte de Lisboa.
Em relação aos indicadores de qualidade do programa, Frágil se destaca pela diversidade na etnia dos personagens: Sofia e Pedro são brancos, Maria Miguel e Francisca são pardas, Rui e Alba são negros. A relação de Francisca e Alba também marca a diversidade sexual das personagens.
As diferenças no padrão de vida que Sofia levava antes de ir para Lisboa, comparado ao da prima Maria Miguel e de Francisca, mais simples, também são bastante explícitas na história, o que se reflete no comportamento imaturo da personagem e é utilizado de forma cômica. Ao chegarem na quinta, por exemplo, Sofia se vê desesperada por não ter sinal em seu celular e assim, passar seu aniversário de 25 anos sem receber as mensagens de parabéns. Francisca se irrita com a situação, dá uma tapa no rosto da amiga e Maria Miguel não contém o riso.
A temática de Frágil contribui para a ampliação do horizonte do público no que diz respeito às situações que envolvem a juventude, como as desilusões com suas carreiras, a falta de emprego, a independência dos pais e o uso de drogas. O ápice desses conflitos se dá quando as jovens estão voltando para Lisboa no carro de Alba, que acaba atropelando um pato na estrada. Após encostarem o carro para checar o que ocorreu, o motor não liga e as jovens ficam presas na estrada. Irritada, Francisca se revolta com as amigas e começa uma dura discussão com Maria Miguel. Ela diz que apoiou a amiga com o curta-metragem e não recebeu nada em troca. Maria Miguel diz que sempre esteve ao seu lado quando ela enfrentou problemas com as drogas e que sabia de sua demissão da galeria de arte, apesar de Francisca não ter lhe dito. Alba e Francisca saem andando pela estrada e também discutem. Em seguida, Francisca retorna e se junta à Maria Miguel e Sofia na estrada.
Com a amizade restabelecida, um mês se passa e as amigas se juntam no apartamento com Pedro e Rui para assistirem ao curta-metragem. No entanto, poucas cenas do filme são mostradas. No trecho, filmado em preto e branco, os personagens aparecem em algumas cenas onde estão dançando, dialogando e até passeando em uma canoa, com uma música instrumental ao fundo, de forma que não conseguimos entender o contexto do filme.
O curta-metragem idealizado pelas protagonistas
Fonte: Captura de tela
A ideia de fazer o filme serviu como uma fuga necessária na vida das três jovens. Sofia conseguiu se desapegar do ex-namorado, Francisca superou seu bloqueio criativo e Maria Miguel reencontrou seu desejo pela atuação. Frágil buscou explorar de maneira dramática – e ao mesmo tempo cômica – as inquietações nas vidas das personagens e o fortalecimento da amizade, expresso através da arte, que representa o nó de ligação entre elas e suas verdadeiras vocações.
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