Observatório da Qualidade no Audiovisual

Getúlio do Brasil

Por Isabelle Machado e Lorena Fontainha

Como as dimensões da competência midiática estão em operação em um documentário? Partindo desse questionamento, realizamos uma análise de como os indicadores presentes no documentário “Getúlio do Brasil” se apresentam. O texto foca em compreender como essa produção do Senado Federal, lançada em 2010, e que retrata a vida e a trajetória política do ex-presidente Getúlio Vargas explora uma visão detalhada sobre a figura complexa de Vargas, resgatando os principais eventos históricos que marcaram a Era Vargas no Brasil. O filme contextualiza o período político e social do Brasil durante tal período, além de analisar as políticas trabalhistas e sociais integradas, como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e o período autoritário do Estado Novo. A partir deste contexto buscaremos compreender como o documentário apresenta a personalidade e ações de Getúlio Vargas, bem como suas motivações políticas ao longo de sua carreira. Além disso, vamos discutir como o filme utiliza recursos estéticos e tecnológicos da época em que foi produzido para contar essa história, e a relação entre o público e a produção. Ao analisar as dimensões da competência midiática propostas por  Ferrés e Piscitelli (2015) avaliaremos como o filme constrói a imagem de Getúlio Vargas, observando as abordagens adotadas pelo cineasta para contar a história do ex presidente.

A Era Vargas foi um período marcante da história do Brasil que abrangeu duas fases principais: a primeira, conhecida como “Governo Provisório” ou “Era Vargas I”, ocorrida entre 1930 e 1945 e a segunda, chamada de “Estado Novo” ou “Era Vargas II”, que se deu entre os anos de 1951 e 1954. Getúlio Vargas ascendeu ao poder em 1930 após liderar a Revolução de 1930, que pôs fim à República Velha e ao sistema oligárquico do café com leite (STEFFENS, 2008). Inicialmente, seu governo foi marcado por reformas políticas e motivadas, como a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, que tratou sua abordagem nas questões trabalhistas e industriais. Em 1934, foi promulgada uma nova Constituição que garantiu algumas liberdades civis e instituiu o voto feminino no Brasil. 

Contudo, em 1937, Vargas deu início ao Estado Novo, uma fase com um viés autoritário de seu governo, que visava a formação de um espírito nacionalista sustentado no trabalho (STEFFENS, 2008, p.44). Nessa fase de governo Vargas suspendeu a Constituição, restringiu as liberdades civis e dissolveu os partidos políticos, centralizando ainda mais o poder em suas mãos. O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) foi criado para controlar a mídia e propagar a imagem política de Vargas. Embora o Estado Novo tenha alcançado estabilidade política, também gerou críticas pela concentração excessiva de poder. Em 1945, suportado por uma crescente oposição e descontentamento, Vargas foi obrigado a renunciar à presidência, encerrando a primeira fase da Era Vargas. 

Após um breve período democrático, Getúlio Vargas foi eleito novamente para a presidência em 1950, marcando o início da Era Vargas II. Em seu segundo mandato, ele buscou salvar algumas políticas sociais integradas em sua primeira fase, como a proteção aos trabalhadores e a expansão da legislação trabalhista (SAVIANI FILHO, 2013). Promoveu também a política do “Petróleo é Nosso”, que estabeleceu o monopólio estatal sobre a exploração do petróleo no Brasil e levou à criação da Petrobrás em 1953. No entanto, a conjuntura política e econômica é contínua, e Vargas enfrenta desafios com a crise econômica e como pressão de diferentes setores da sociedade. 

O atentado à vida do jornalista Carlos Lacerda, em agosto de 1954, ampliou as tensões políticas e enfraqueceu seu governo. Diante de uma grave crise institucional e cercada pela tristeza de corrupção, Getúlio Vargas optou pelo suicídio em 24 de agosto de 1954, encerrando de maneira trágica sua trajetória política e governamental. A Era Vargas deixou um legado complexo no Brasil, com avanços em políticas sociais, trabalhistas e industriais, mas também com episódios de autoritarismo e concentração de poder. 

O documentário “Getúlio do Brasil” é uma produção do Senado Federal lançada em 2010 que retrata a vida e a trajetória política do ex-presidente Getúlio Vargas. O documentário apresenta uma análise detalhada de sua atuação política e governamental, abordando os principais eventos históricos que marcaram a Era Vargas no Brasil. Por meio de imagens de arquivo, entrevistas com historiadores e especialistas, além de depoimentos de pessoas que conviveram com o ex-presidente, o documentário oferece uma visão aprofundada sobre a figura complexa e polêmica de Getúlio Vargas. 

O filme busca trazer uma compreensão mais ampla do contexto político e social do Brasil durante a Era Vargas, explorando as políticas trabalhistas e sociais integradas por Vargas, como a CLT, e também analisando a fase autoritária do Estado Novo. Além disso, o documentário também destaca os desafios enfrentados por Vargas em seu governo, como a oposição política e as pressões sociais. Com uma abordagem histórica e informativa, “Getúlio do Brasil” possibilita a que o assiste conhecer melhor a história do Brasil e refletir acerca da figura polêmica de um de seus presidentes mais influentes. 

No documentário, podemos observar de forma clara as seis dimensões anteriormente citadas. No que diz respeito à linguagem é possível notar que por ser produzido no começo dos anos 2000 a narração segue um viés mais emocional, focando na emoção em alguns pontos importantes da vida do personagem principal e explorando um tom mais formal quando são reconstituídos momentos históricos. O documentário conta ainda com entrevistas, que trazem na sua maioria falas com sotaques sulistas, terra de origem do Getúlio. 

Observando a dimensão estética percebe-se que são trabalhadas muitas imagens de arquivo, principalmente fotografias. Para criar uma quebra dos momentos estáticos são inseridas reconstituições de momentos históricos e músicas de fundo, buscando trazer uma dramaticidade. A dimensão tecnologia está em operação quando se pensa nas técnicas usadas que correspondem bem aos recursos disponíveis no período de gravação. No começo da década de 2010 não era comum, por exemplo, o uso de drones para gravações ou imagens produzidas em entrevistas online.  

Aliado a isso temos a dimensão produção e difusão. Por se tratar de um documentário produzido em um formato para televisão, o material é originalmente dividido em blocos, de modo a encaixar os intervalos da programação da TV Senado. O dimensionamento do vídeo também é pensado para esse formato, o que torna a sua exibição hoje disponível na internet redimensionada. Pensando no caráter de autoria e noção entre o público e privado o documentário se atenta em buscar resgates históricos que dificilmente seriam acessados pelo público geral para traze-los a luz em um canal não pago. 

Pensando na dimensão processos de interação é possível notar que a  interação entre público e produção do documentário eram extremamente limitados em um primeiro momento, uma vez que o público só obteve acesso ao material na plataforma YouTube em novembro de 2019. Produzido e lançado em um período pré popularização das plataformas sociais o processo de feedback com a emissora acabava sendo mais longo e burocrático, sendo feito por e-mail, telefone ou de forma presencial. Além disso, nessa dimensão é possível notar que o documento busca relacionar eventos históricos internacionais como guerras e fatores políticos e de contextos anteriores aos mandatos de Getúlio. Tais conexões são utilizadas para estabelecer uma relação contextual e de orientação para quem assiste ao documentário compreender de forma facilitada a cadeia de fatores que desencadeia os principais fatos apresentados.

O documentário busca na dimensão ideologia e valores trazer uma percepção mais ampla da figura de Getúlio, pendendo para uma construção positiva acerca da figura do personagem, dado os nomes selecionados para compor o corpus de entrevistas, como parentes e colegas do ex presidente. Os relatos funcionam, então, como uma espécie de contextualização das ações tomadas por Getúlio durante seus anos de governo, transmitindo para quem assiste um viés compreensivo e menos ditatorial. 

Ao pensar a dimensão é possível identificar a preocupação com a questão da confiabilidade dos fatos históricos relatados. Tal fiabilidade é construída a partir de recursos de arquivos oficiais, como o resgate de fotos pessoais, imagens públicas e recortes de jornais. Porém, é preciso se atentar ao recorte de tais imagens. A seleção de imagens caracteriza uma prevalência de uma narrativa sobre outra, ou seja, ao ser escolhida uma imagem de Getúlio no em sua terra natal forma-se a ideia de um home simples e que coloca as necessidades da sua nação primeiro. 

Por fim, a  melodia selecionada na construção do documentário e que acompanha principalmente os momentos de reconstrução histórica direciona o olhar para uma interpretação de um grande acontecimento, um momento solene e necessário na história do país. A imagem criada é de um grande líder que fez o que foi preciso e quando foi preciso para garantir a vitalidade do país. 

Após a análise foi possível concluir que o documentário apresenta um formato não tão usual quando olhamos nos moldes atuais de produção de documentários e os recursos disponíveis. Hoje, as produções podem contar com mais recursos tecnológicos e uma quantidade muito maior de imagens de acervo para consulta e mesmo de recriação de momentos históricos, de uma forma que não traga, por exemplo, uma carga tão dramática e ideológica como foi feito. 

Getúlio Vargas é de fato uma figura marcante na história do Brasil, sendo construído de modo heroico e marcante na obra audiovisual. Muitos personagens que são retratados e participam das entrevistas fazem parte de outros documentários marcantes na nossa história. A interligação entre tais figuras sinaliza o engrandecimento do ex -presidente e seu legado.

O documentário apesar de privilegiar uma face mais heroica e benevolente de Getúlio pode ser compreendido como parte importante da manutenção da memória da nossa história e quando visto com um olhar mais crítico proporciona uma experiência importante para o exercício da cidadania. 

Referências

Diagrama das dimensões da Competência Midiática. Disponível em: <bit.ly/3yuZEeI>. Acesso em: 21 de maio de 2024.

FERRÉS, J; PISCITELLI, A. Competência midiática: proposta articulada de dimensões e indicadores. Lumina, v. 9, n. 1, p. 1-16, 2015. 

SAVIANI FILHO, Hermógenes. A Era Vargas: desenvolvimentismo, economia e sociedade. 2013. Disponível em: <bit.ly/4bIc80I> Acesso em: 21 de maio de 2024.

STEFFENS, Marcelo Hornos. Getúlio Vargas biografado: análise de biografias publicadas entre 1939 e 1988. 2008. Disponível em: <bit.ly/3Kay6Of> Acesso em: 21 de maio de 2024.

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