Observatório da Qualidade no Audiovisual

Like in the Movies

Por Lucas Vieira

Like in the Movies (Gaya Sa Pelikula, título original em filipino) é um drama seriado filipino do gênero boys love, criado, roteirizado e dirigido por Juan Miguel Severo e que foi lançado em 2020. Diferente de algumas produções tailandesas do gênero, o drama é original e inspirado em uma história real do criador. A narrativa surge como um prequel de um roteiro original publicado pelo diretor no Wattpad. O p-drama (drama filipino) foi produzido e distribuído pela Globe Studios, no canal do YouTube, onde recebeu legendas para outros idiomas.

Em 8 episódios, o drama conta a história de Karl (Paolo Pangilian), um calouro de Arquitetura que se muda para Manila e deve morar um mês sozinho no apartamento do tio, para quem deve pagar o aluguel, sem qualquer outro tipo de ajuda financeira, como parte de um “ritual de passagem” que é tradição em sua família.  Pressionado a ganhar o próprio dinheiro para se sustentar, Karl começa a fazer serviços como freelancer online, enquanto lida com seu vizinho inconveniente e barulhento, Vlad (Ian Pangilian), um garoto rico, estudante de Cinema e assumidamente gay, que se esconde da própria família no imóvel de sua irmã. Ao mesmo tempo em que Karl recebe um calote se um cliente, perdendo o dinheiro do aluguel, o vizinho é descoberto por sua irmã. Para beneficiar ambos, os garotos fazem um acordo: Vlad paga o aluguel do apartamento e ensina algumas coisas sobre cinema para Karl, curso para o qual o garoto quer pedir transferência, e, em troca, o protagonista precisa fingir ser o namorado de Vlad para conseguir o apoio da irmã mais velha e impedi-la de levá-lo de volta para a casa dos pais. Morando no mesmo apartamento, os garotos precisam lidar com suas diferenças, enquanto Karl enfrenta questões sobre sua sexualidade e seus próprios sonhos.

Nos códigos visuais, referentes ao plano da expressão, o drama apresenta sequências didáticas e pouco complexas, que auxiliam o espectador a entender o ambiente e os espaços que o cenário constitui, suas configurações e lógica de composição. Essa lógica no p-drama se apresenta principalmente no episódio piloto, quando somos introduzidos ao universo e aos espaços em que os personagens vivem e transitam ao longo da temporada. Por exemplo, primeiro é mostrado, em plano aberto, o principal cômodo do apartamento de Karl, antes de focar em cenas mais fechadas em que ele transita pelo ambiente, ou mostra o percurso do personagem no espaço. O mesmo acontece quando ele vai para outros ambientes, como o corredor e a escadaria do prédio, ou outros ambientes que os personagens transitam.

Destaca-se também que o drama foi produzida durante a pandemia, o que pode surgir como justificativa para cenários limitados ao longo dos episódios, assim como um elenco reduzido. No entanto, a pandemia não é um elemento narrativo no drama. Os cenários presentes na narrativa são, principalmente o apartamento, que segue uma trajetória narrativa junto ao desenvolvimento dos personagens através da direção de arte, espaços comuns do condomínio que os personagens vivem e a casa da família de Vlad.

O tratamento de imagem, colorização e recursos técnicos de efeitos são básicos e neutros, ou seja, não destacam, direcionam ou intensificam diretamente tensões e conflitos narrativos. No geral, a imagem é pálida e chapada nos ambientes internos diurnos. Em cenas noturnas, as iluminações simulam ambientes caseiros sem muitos cuidados estéticos específicos. Os ambientes externos também tendem a seguir uma lógica semelhante, sempre mantendo a fotografia próxima à iluminação natural em cenas diurnas, além de iluminações artificiais como postes, luminárias e luzes especiais presentes no universo diegético.

Parte da edição e também do enquadramento, há recursos em que a tela se divide, direcionando o olhar do telespectador para duas características simultaneamente. A primeira ocorrência desse recurso ocorre no prólogo, durante a apresentação do personagem e sua chegada no apartamento, quando em voice over Karl se apresenta como um arquiteto, e parte da imagem foca em seu material de faculdade e a outra, no corpo do personagem.

As caracterizações dos personagens também tendem a simular uma naturalidade e contemporaneidade, mas não sofrem alterações que ajudam a destacar uma evolução dos personagens ao longo da temporada. Karl é um personagem mais centrado, contido, rígido e que sempre se limita – inclusive em relação à própria sexualidade –, desse modo sua personalidade se estende na sua caracterização visual, apresentando roupas mais neutras sem detalhes chamativos. Por outro lado, Vlad é um personagem mais expressivo e sua personalidade agitada se contrasta com a de Karl; a composição visual também ajuda a compor seu perfil, através de roupas com mais detalhes, gola V, jaquetas, calça jeans rasgadas, entre outros. No entanto, a atuação dos personagens cumpre um papel ainda mais específico do que a composição visual no figurino ou maquiagem.

Nos códigos gráficos, destacam-se os efeitos pop-up de telas de computador, celulares e trocas de mensagens recorrentes nos episódios, que nos dão não apenas informações narrativas textuais, como também visuais. Por ser uma websérie, o drama se conecta ao usuário com o uso de “telas” e o aproxima, de forma superficial, à vivência digital que os personagens estão imersos; recurso que não é exclusivo, mas é utilizado de forma frequente em outras webséries, como Gameboys (IdeaFirst Company, 2020) e até mesmo Skam (NRK, 2015-2017).

Assim como os códigos visuais, os códigos sonoros no drama tendem a seguir uma estética mais natural e simples. As trilhas sonoras musicais são mais pontuais e criam climas que ajudam a estabelecer relações sensíveis dos personagens, como envolvimento romântico, tensão e melancolia. A maioria das músicas utilizadas são no idioma filipino. Mais frequentes, estão os recursos sonoros que surgem diegeticamente, ou seja, como parte da narrativa, e auxiliam para indicar ações dos personagens e espacialidade. Também é utilizado o recurso sonoro de whoosh em determinados movimentos de câmera que são mais descontraídos.

Nos códigos sintáticos, o drama filipino apresenta suas cenas de forma mais ágil, um ritmo compatível com o formato de websérie ao qual Like in the Movies é vinculado. Cenas lentas surgem durante momentos introspectivos dos personagens, aos quais pode ser aplicado também o efeito slow down – como na cena em que Karl e Vlad dançam juntos. Em relação a estrutura dos episódios, predomina a construção cronológica, ou seja, não há embaralhamento temporal nas cenas, mas destaca-se que a primeira cena, no primeiro episódio, se trata de um dos momentos finais, quando Karl e Vlad dançam juntos. Em narração, Karl reflete sobre seu desejo de ser o protagonista da própria história, enquanto apresenta os elementos narrativos do p-drama e a trama do personagem. Por ser uma narrativa contemporânea sem elementos especulativos, não há presença de efeitos especiais maiores.

A abertura do drama nos apresenta colagens dos atores juntos, em um fundo branco e com elementos geométricos de cores rosa, bege, laranja e azul. As fotos dos atores permitem o engajamento de movimentos de shipp pela parte do fandom, mas também antecipa a relação afetiva entre os dois personagens. Em alguns momentos, também são inseridos objetos que caracterizam a personalidade dos personagens, como o fone de ouvido de Vlad, e o cenário do apartamento que os personagens dividem na temporada.

Ao final de cada episódio, durante os créditos finais, cenas de interações de Karl e Vlad são exibidas e dialogam com o “clima” dos personagens em cada episódio, porém elas não são necessariamente encaixadas de forma crônica ou acrônica na narrativa e são exclusivas de cada episódio. Elas retratam o vínculo que Karl e Vlad criam compartilhando suas paixões por filmes e os assistindo juntos, mas, de forma geral, essas cenas impulsionam o shipp e a construção de mundos possíveis pelos fãs.

No plano do conteúdo, o storyline apresenta Karl, um rapaz lidando com a vida adulta e independente, e seu repentino envolvimento, ao acaso e através de uma confusão, com Vlad, um rapaz com perfil extremamente oposto ao do protagonista. Em relação ao personagem dentro da narrativa, no primeiro episódio, somos apresentados ao conflito e desejo de Karl em viver sua própria grande história, como nos filmes, e ser o protagonista da própria vida. Logo em seguida, somos introduzidos ao personagem através de uma apresentação que ele mesmo faz, para um serviço de ghostwriter. Ao decorrer dos episódios, nos aprofundamos, ora superficialmente, ora aprofundadamente, na história de fundo de Karl e seus conflitos.

Percebemos que Karl sofre uma pressão familiar em relação a sua perspectiva de vida. Sua família reprova a ideia do personagem cursar cinema e prioriza tradições familiares, e vemos como isso se reflete, para o personagem, na aceitação da própria sexualidade. Observamos, também, a paixão que Karl sente pelos filmes, pela narrativa e o desejo de viver uma grande história, além do despreparo pessoal de morar sozinho e ter que lidar com as próprias responsabilidades. Por outro lado, Vlad, apesar de não ter tanto protagonismo e desenvolvimento quanto Karl, se apresenta o completo oposto: é ele quem rejeita morar com seus familiares no momento; ele tem uma maior consciência de sua identidade e paixão pessoal; é assumidamente gay e bem resolvido com sua sexualidade; entre outros aspectos. Essas diferenças desencadeiam tanto o desenvolvimento amoroso de Karl, quanto sua contenção para se permitir sentir, provocando o desenvolvimento dos conflitos internos do personagem e que motivam a temporada. A chegada do tio de Karl, que também é assumidamente gay, auxilia a compreender a complexidade do personagem e a pressão que vive, por parte dos pais, para cumprir a idealização no padrão de vida.

O drama deixa um gancho para uma segunda temporada, que estava prevista para início de produção no segundo semestre de 2021, mas foi suspensa após o diretor receber uma denúncia de assédio, sendo uma das vítimas e denunciadores, Paolo Pangilian, ator que estrela Like in the Movies.

No indicador oportunidade, dentro da mensagem audiovisual, o drama tem um campo rico para abordar pressões familiares, tanto da parte de Karl quanto de Vlad, em relação a individualidade de cada personagem, e isso surge no plano principal da trama. Assim como outras produções semelhantes, seja boys love ou não, a trama de um personagem entrando na vida adulta permite trazer assuntos atuais e, mesmo com barreiras culturais, há uma fácil identificação universal.

Através da diversidade, o drama pinoy também consegue se destacar ao abordar diretamente a sexualidade e conflitos pessoais no processo de aceitação. Like in the Movies também consegue se distanciar das representações homoafetivas heteronormativas na qual, geralmente, um personagem assume o papel mais “masculino” e dominante, e o outro mais “feminino” e sensível. Karl e Vlad possuem personalidades que não se prendem nesses papéis para desenvolver a relação afetiva do casal e auxiliam em trazer uma representação mais real, afastando, por sua vez, estereótipos do tipo.

A presença de Santi (tio de Karl, interpretado por Franco Ramos), um personagem gay, assumido e afeminado, é outro ponto de representação e afastamento de estereótipos. Ainda que tenha um perfil cômico, e personagens gays afeminados sejam, frequentemente, utilizados como quebra de humor, seu papel no drama não se limita a isso. Santi possui uma construção e apresentação importantes na trama, e o fato de ser afeminado não surge como quebra de humor. Santi é uma referência estável para que Karl assuma sua sexualidade e, logo ao final, aborda sobre dificuldades sociais que pessoas LGBTQIA+ enfrentam na contemporaneidade, por mais que tenham suas conquistas. A relação do sobrinho e do tio demonstra a importância da cooperação e suporte entre as pessoas da comunidade.

Por fim, o parâmetro de originalidade/criatividade se apresenta através da origem de sua história. O drama também é inspirado de uma forma autobiográfica que se destaca em relação a outras produções BL, que geralmente são adaptadas de novels, mangás, entre outros formatos. A abordagem de temas, desenvolvimento de personagens e conclusões de suas trajetórias ao final da temporada permitem a aproximação de uma realidade mais sincera a partir das inspirações do criador e diretor, apesar da perspectiva comercial (como a “venda” através do shipp).

Em uma carta publicada nas redes sociais pessoais do criador e diretor Juan Miguel Severo, antes da estreia da season finale, ele declarou que a história era inspirada em acontecimentos reais e pessoais:

“[…] Ainda lembro da cara dele naquele momento. A beira das lágrimas. Levemente envergonhado. Suado sensualmente. Bonito mesmo com o rubor asiático. Ele sorriu e disse: ‘acredito em você. Obrigado por ter me amado’.

‘Tudo bem. Você me ama também, de alguma forma’. Então brindamos. Eu tava bêbado. Mas graças que não bêbado o suficiente para esquecer, porque foi a última vez que falamos daquele jeito.

Dez anos depois ele morreu. Me encontrei escrevendo uma história E se… sobre ele, o estudante de cinema de classe alta que me apaixonei lá atrás, quando eu era um estudante de arquitetura com medo de sua viadice.

A primeira vez que eu disse pra mim ‘hora de tomar de volta nossa história’ eu só queria escrever uma que terminasse com você vivo e nós juntos, apesar dos meus medos juvenis. Mas agora é muito maior que nós, velho amigo, e por isso é tão melhor.

Obrigado por todo o amor por Gaya Sa Pelikula, galera. Muito obrigado. Falta o último episódio e não consigo não me emocionar. Ele costumava falar ‘o amor é compartilhado!’ Agora veja todo esse amor, Vlady. É compartilhado o suficiente pra você?” (Tradução de Central Boys Love).

*Todas as imagens são capturas de tela

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