Observatório da Qualidade no Audiovisual

It’s Okay to Not Be Okay

Por Júlia Garcia

It’s Okay to Not Be Okay (사이코지만 괜찮아/Tudo Bem Não Ser Normal) é um drama sul-coreano, ou k-drama, produzido pelas companhias Gold Medalist e Story TV e veiculado, originalmente, pela emissora tvN, com sede em Seoul. Escrito por Jo Yong e dirigido por Park Shin-woo, o k-drama foi criado pela empresa sul-coreana Studio Dragon, parceira da Netflix, que distribuiu a produção internacionalmente.

A história acompanha a escritora de livros infantis Ko Mun-yeong (Seo Yea-ji) e os irmãos Moon Gang-tae (Kim Soo-hyun) e Moon Sang-tae (Oh Jung-se). Enquanto Mun-yeong é uma mulher fria e impulsiva que sofre de transtorno de personalidade antissocial, Gang-tae é um cuidador em hospitais psiquiátricos que faz de tudo para garantir o bem-estar de seu irmão autista, Moon Sang-tae. Após um incidente durante um evento de Mun-yeong no hospital em que Gang-tae trabalhava, a vida dos dois personagens se entrecruza, e a escritora fica obcecada pelo cuidador. A partir de então, uma série de outros eventos, por coincidência ou não, aproxima Mun-yeong e Gang-tae. 

A análise do k-drama abrange os recursos técnico-expressivos, referentes ao plano da expressão, os elementos narrativos e os personagens, englobados pelo plano do conteúdo, e os parâmetros de qualidade estabelecidos no âmbito da mensagem audiovisual. Em relação ao plano da expressão, tem-se os códigos visuais, sonoros, sintáticos e gráficos. Dentro dos códigos visuais, a ambientação principal é a cidade de Seongjin, variando entre cenas no Hospital Psiquiátrico OK e no castelo onde Mun-yeong mora. No entanto, inicialmente os personagens vivem em Seoul, em um ambiente mais agitado e cosmopolita do que se vê em Seongjin, uma cidade litorânea mais tranquila e pacata.

O castelo de Mun-yeong, na cidade de Seongjin, é um dos principais locais da trama. A construção remete tanto aos contos infantis escritos pela moça, trazendo um pouco da fantasia à realidade, quanto à própria história de Mun-yeong, que por si só traz elementos de contos de fadas. No entanto, assim como os livros da personagem carregam um tom sombrio, semelhante às histórias populares que deram origem aos contos dos irmãos Grimm, a vida da protagonista também é marcada por eventos macabros que pouco se assemelham aos contos de fadas que normalmente são apresentados às crianças.

Ao longo do drama, é revelado que o pai de Mun-yeong, Ko Dae-hwan (Lee Eol), construiu o castelo em comemoração ao nascimento da filha. Contudo, Mun-yeong cresceu sob os cuidados de uma mãe cruel, cujos abusos foram negligenciados por Dae-hwan, o qual, após acreditar ter matado a esposa e ser diagnosticado com um tumor cerebral, enlouqueceu e foi internado no Hospital Psiquiátrico OK. Quando criança, Mun-yeong via-se como uma princesa em um castelo a ser resgatada. Já adulta, ela guarda más lembranças do lugar, que é conhecido na cidade como o castelo amaldiçoado.

Em contraposição, o Hospital Psiquiátrico OK é construído de modo a retratar um ambiente mais leve e divertido, constituindo-se como cenário de muitas cenas de humor. A parte externa é arborizada, com vista para a praia, enquanto a parte interna é composta por uma paleta de cores mais clara do que se pode ver no castelo de Mun-yeong. O mural pintado por Sang-tae na parede da escadaria é outro elemento que traz leveza ao local, já que contém cores vibrantes e desenhos que podem, em certa medida, serem associados à inocência e à infantilidade. O figurino dos trabalhadores do hospital também reforça essa percepção, uma vez que os uniformes possuem tons pastéis de azul e de rosa, para os homens e as mulheres, respectivamente. Apenas os médicos não utilizam tal uniforme, e sim o tradicional jaleco branco. A roupa dos pacientes, por sua vez, é, para os homens, branca com listras cinzas e, para as mulheres, branca com listras rosas. Apesar de os uniformes de trabalhadores e pacientes serem diferentes, os tons claros e pastéis se mantêm em ambos os casos.

O figurino de Ko Mun-yeong é um dos que possui maior destaque, tanto pela extravagância quanto pela importância que tem para a construção da personagem. O estilo da protagonista varia de forma considerável, partindo de peças que remetem desde à moda gótica ou lolita a looks mais modernos e vibrantes, seja com mangas bufantes e babados ou com acessórios elegantes e cintura marcada. É interessante notar como as cores do figurino se suavizam à medida que Mun-yeong aprende a lidar melhor com seus sentimentos e a formar laços afetivos com outras pessoas. Em momentos de maior vulnerabilidade e sensibilidade, como quando o pai de Mun-yeong tenta a enforcar no hospital, a caracterização da personagem traz um ar mais inocente e infantil, com peças e cores mais suaves, que demonstram a fragilidade e a delicadeza da protagonista, em contraposição às atitudes imprudentes, frias e agressivas que ela toma. Nessa cena, Mun-yeong usa um vestido branco e uma trança lateral que muito se diferenciam, por exemplo, do vestido preto longo, dos óculos escuros e do cabelo preso em coque que utilizou no primeiro episódio. 

As roupas extravagantes, portanto, se contrastam com a sensibilidade interna de Mun-yeong, sensibilidade essa que inicialmente a personagem não aparenta ter. Isso é explicitado no diálogo entre Gang-tae e o diretor Oh (Kim Chang-wan) no nono episódio, durante o qual o cuidador pergunta, em referência a Mun-yeong, o que diz a psicologia sobre pessoas que se arrumam demais, com peças muito chiques. O diretor compara essas vestimentas a uma armadura, dizendo que, ao contrário do que pensava Gang-tae, essas pessoas não querem se mostrar, mas sim se proteger por se sentirem fracas.

Já os figurinos de Gang-tae e Sang-tae são simples, refletindo a humildade dos dois irmãos. Enquanto Gang-tae está, na maior parte do tempo, ou com o uniforme de trabalho ou de calça jeans, All Star e blusa xadrez, Sang-tae usa, geralmente, calças cáqui e blusas listradas. Há, ainda, a enfermeira Nam Ju-ri (Park Gyu-young) e o dono da editora que publica os livros de Mun-yeong, Lee Sang-in (Kim Joo-Hun). Como uma mulher tímida e gentil, Ju-ri usa roupas mais simples e peças mais comuns no dia a dia, como calças jeans e camisetas, geralmente não muito justas. Além disso, é possível perceber que a enfermeira nunca pinta suas unhas, ao contrário de Mun-yeong, que sempre está com as unhas feitas, com as mais diversas cores. Já Sang-in, como é um empresário ambicioso, está sempre bem vestido, muitas vezes com roupas sociais.

Em relação à fotografia, há predominantemente um estilo naturalista. No entanto, é possível notar que no castelo amaldiçoado há uma composição mais escura, que vai ao encontro do caráter sombrio do local, e, por isso, a iluminação conta, em grande parte, com luzes diegéticas artificiais, ainda que talvez possam ser utilizadas mais para a composição artística do que para a iluminação da cena propriamente dita. Há, ainda, momentos onde há mudança de fotografia, como no segundo episódio, quando Sang-tae vai à sessão de autógrafos de Mun-yeong; ao se dirigir ao local, Sang-tae fica muito animado, e a cena da ida do personagem à sessão simula a fotografia, a resolução e a trilha sonora de filmes, com mudanças em todos esses recursos.

Outro ponto de destaque dentro dos códigos visuais é a utilização constante de animação ao longo do drama, algumas vezes misturada ao cenário real. Diferentes técnicas de animação são empregadas, e esse recurso se associa estreitamente à ideia de contos de fadas que a história carrega. Muitas dessas animações são usadas, principalmente, para ilustrar os contos de Mun-yeong. Além disso, a vinheta também é construída a partir de técnicas de animação, trazendo, mais uma vez, o tom fantástico dos contos de fadas. Em momentos pontuais, também há pequenas animações que conferem comicidade ao k-drama, como um manequim acenando ou o desenho de uma mulher na nota de dinheiro sorrindo. Tais elementos animados são inseridos sem que haja qualquer estranhamento por parte dos personagens, permitindo, portanto, que haja o imbricamento entre fantasia e realidade.

Do mesmo modo que a animação, elementos fantasiosos dentro dos códigos sonoros são inseridos ao longo de todo o drama, dando um tom divertido à trama. Um exemplo pode ser observado em uma cena na qual Sang-in tenta subornar a garçonete de um restaurante para que ela não comente o que aconteceu com Mun-yeong no local. Sang-in dá dinheiro à mulher, pisca e faz um gesto na boca como se a estivesse fechando com um zíper: a piscadela é acompanhada por um efeito sonoro agudo, semelhante ao de uma varinha de condão, e o gesto é acompanhado pelo som de um zíper fechando. Músicas instrumentais e canções também são inseridas para reforçar o tom de cenas inusitadas e de comédia ou cenas de drama e de romance. É válido ressaltar que a trilha sonora do k-drama é original e foi lançada em forma de álbum, com todas as faixas e singles utilizados ao longo da trama.

Já os códigos gráficos abrangem inserções pontuais explicando determinados termos médicos citados pelos personagens, como, por exemplo, o que é o transtorno de estresse pós-traumático ou o transtorno de múltiplas personalidades. É possível, ainda, observar grafismos em momentos pontuais do drama, como no terceiro episódio, quando o paciente Kwon Ki-do (Kwak Dong-yeon), que sofre de mania, corre nu pelo hospital. Em todas as cenas nas quais o personagem está nu, elementos gráficos são inseridos de modo a não revelar as partes íntimas do paciente. Um dos elementos utilizados é a imagem de um elefante; quando Mun-yeong critica a aparência de Ki-do, que se exibia para a escritora, a tromba do elefante cai, o que tanto indica a decepção do homem com a crítica quanto brinca com a ideia de uma possível ereção.

No âmbito dos códigos sintáticos, a edição do k-drama se utiliza de inúmeros recursos para contar a história de modo irreverente. Na primeira cena de Ko Mun-yeong, por exemplo, há inúmeros closes para apresentar a personagem, de modo que o público vá se familiarizando com os detalhes e, aos poucos, construa sua percepção de Mun-yeong ao longo dessa sequência. O caráter sombrio dessa apresentação – já que a protagonista está inteiramente de preto, cortando uma carne de boi mal passada e lambendo o caldo vermelho que escorre pela carne, remetendo ao sangue – é contraposto por uma música instrumental leve. Tal variação entre comédia e drama e entre elementos sombrios e divertidos é perceptível por toda a narrativa, assim como exemplificam os próprios livros da escritora, que, embora sejam contos infantis, trazem componentes macabros. 

Além dos closes observados nessa cena, muitos dos planos do k-drama apresentam o fundo desfocado, concentrando-se principalmente nos personagens, que estão geralmente em primeiro plano. O foco nos personagens e em suas expressões é especialmente relevante se considerado que um dos principais pontos de discussão da narrativa são as emoções; enquanto Gang-tae as reprime e se esconde atrás de uma espécie de máscara, Mun-yeong é uma mulher aparentemente fria, mas que, internamente, é vulnerável e sensível. Há, ainda, muitas sequências em câmera lenta, como quando Sang-in tropeça nas escadas do castelo amaldiçoado e Gang-tae o impede de cair. A utilização de câmera lenta, somada aos efeitos sonoros que geralmente a acompanham, contribui para a comicidade da narrativa.

Pode-se citar, ainda, outros recursos de edição, como os flashbacks e a apresentação de eventos sob múltiplas perspectivas. Os flashbacks são usados, principalmente, para retomar a infância de Mun-yeong, Gang-tae e Sang-tae, de modo a recontar o passado dos protagonistas. Já as múltiplas perspectivas podem ser vistas no terceiro episódio, quando o paciente Kwon Ki-do conta a Gang-tae como chegou ao hospital. Ao abrir a porta do quarto no hospital, Ki-do já está na boate – o que já indica que é uma sequência fantasiosa ou um outro recurso de flashback – e se dirige diretamente à câmera para contar a história, enquanto a remonta exatamente do jeito que aconteceu: vê-se o personagem na boate, o que ele disse, o que as pessoas no local disseram e os seguranças o perseguindo. Mais tarde, é possível ver como a cena realmente pareceu do ponto de vista de quem estava no hospital: Ki-do não estava na boate, mas sim no saguão do Hospital OK, e os seguranças que o perseguiram eram os funcionários do próprio hospital, enquanto o paciente encenava a Gang-tae o que havia acontecido. Além disso, quando Sang-tae tem um surto, no início do primeiro episódio, as imagens e os sons são distorcidos, para representar o estado mental do personagem.

Por fim, ainda em relação à edição, é interessante ressaltar uma cena também no primeiro episódio, durante a qual Gang-tae tenta acalmar uma paciente que comia compulsivamente. Gang-tae a abraça e, logo em seguida, a paciente vomita propositalmente em cima do cuidador; nesse momento são mostradas imagens de elementos caindo em corrente ou fluxo, como uma cachoeira, trigo e lixo sendo despejados, os quais representam o vômito da paciente. Esse tipo de associação de imagens é utilizado, por exemplo, no clássico Tempos Modernos, de Charlie Chaplin, no qual o plano de um rebanho de animais andando é sucedido por um plano de trabalhadores saindo do metrô, de modo a compará-los. Ainda nessa mesma cena do k-drama, o vômito caindo em Gang-tae é associado a pétalas caindo em cima do personagem, em referência à famosa sequência do filme Beleza Americana, de Sam Mendes. Outros tipos de intertextualidade também podem ser observados ao longo do drama, como quando Jae-su (Kang Ki-doong) imita a cena do filme Coringa, de Todd Phillips, em que Arthur Fleck dança em uma escadaria.

No âmbito do plano do conteúdo, o storyline se concentra majoritariamente nas histórias de Mun-yeong, Gang-tae e Sang-tae. Como pontuado, Mun-yeong é uma escritora de livros infantis com transtorno de personalidade antissocial, que faz de tudo para conseguir o que quer, mesmo que isso vá de encontro às normas sociais de boa conduta. Já Gang-tae é um cuidador em hospitais psiquiátricos que, ao contrário de Mun-yeong, que tem pouca consideração com outras pessoas, é extremamente altruísta, colocando sempre seu irmão, Sang-tae, em primeiro lugar. Sang-tae, por sua vez, embora seja o irmão mais velho, é auxiliado de perto por Gang-tae devido ao transtorno do espectro autista que possui. O sonho de Sang-tae é se tornar artista, já que adora desenhar e possui grande habilidade nisso.

Os personagens se entrecruzam durante um evento no hospital em que Gang-tae trabalhava. O evento conta com a presença de Mun-yeong, que lê um de seus livros à audiência. A leitura é interrompida por um paciente fugindo dos enfermeiros. Mun-yeong descobre mais tarde que o paciente é um pai suicida que tentou se matar e matar a própria filha com a ingestão de medicamentos. Julgando ser ele uma pessoa ruim, a escritora, ao ficar sozinha com o homem, pega uma faca, que havia roubado em um restaurante, para atacá-lo. A todo momento, Mun-yeong é fria e contida, apesar de violenta. O ataque é interrompido por Gang-tae, que encontra o paciente e segura a faca empunhada por Mun-yeong, o que o fez cortar profundamente sua mão.

A partir de então, Mun-yeong fica obcecada com o cuidador, enquanto Sang-in, o diretor da editora SangSangESang, que publica os livros da escritora, tenta a todo custo contactar Gang-tae para suborná-lo, de modo que ele não revelasse o ocorrido à imprensa. Após muitas ligações do empresário, Gang-tae decide ir à editora para cessar as tentativas de contato de Sang-in e para ver Mun-yeong mais uma vez, já que, segundo o cuidador, queria ver novamente os olhos frios e vazios da escritora, que se assemelhavam aos de uma antiga colega de escola.

Devido à chegada da primavera, e consequentemente ao aparecimento de borboletas, Gang-tae decide se mudar com Sang-tae para uma outra cidade. Ao longo da história, descobre-se que, quando eram crianças, a mãe dos dois irmãos havia sido morta por uma mulher com um broche de borboleta, e Sang-tae, o único que presenciara o ocorrido, passou a odiar esses animais desde então, especialmente porque a mulher o ameaçou, dizendo que o perseguiria. Ju-ri, que encontra o cuidador por acaso em Seoul, sugere ao antigo colega, por quem é apaixonada, que volte a Seongjin, sua cidade natal, e trabalhe no mesmo hospital que ela, o Hospital Psiquiátrico OK. Ju-ri também oferece um quarto vazio em sua casa, que divide com a mãe, para Gang-tae alugar. Os irmãos, então, vão para Seongjin, e Mun-yeong segue o cuidador até lá.

Com o desenrolar da trama, vê-se que aquela também é a cidade natal de Mun-yeong, que acaba voltando a morar na mansão onde passou a infância. Descobre-se, ainda, que a escritora é a mesma colega de escola de Gang-tae cujos olhos eram vazios, o que revela uma antiga ligação entre os dois personagens. Mun-yeong faz de tudo para se aproximar do cuidador, inicialmente por capricho, mas, mais tarde, com verdadeiros sentimentos. Aos poucos, Gang-tae cede e acaba por criar laços estreitos com Mun-yeong, que também se conecta a Sang-tae. Sang-tae se torna ilustrador do último livro da escritora, quem trata como melhor amiga e irmã mais nova. Desse modo, os três formam uma família que, com afeto, permite-os superar os traumas do passado.

Ao longo do k-drama, é possível observar um desenvolvimento expressivo dos personagens. Mun-yeong, que era uma mulher fria, impulsiva e agressiva, demonstrando pouca ou nenhuma consideração pelos outros, passa a transparecer, para Gang-tae, sua vulnerabilidade e sua sensibilidade, potencializadas pelos abusos e traumas que teve no passado. A escritora se torna uma mulher mais contida e mais amável, inclusive com Ju-ri, amiga com quem brigou ainda na infância. Apesar de amadurecer nesse sentido, Mun-yeong ainda carrega, ao final do drama, um ar infantil e imaturo que a confere certa inocência e a conecta àquela menina desamparada que era quando criança. Isso pode ser observado nas brigas bobas e infantis que ela tem com Sang-tae, como para decidir quem lerá o livro da escritora no evento de lançamento no Hospital Psiquiátrico OK. Essas brigas não somente trazem a inocência de Mun-yeong à tona, em contraste com a mulher sombria e agressiva que parecia no início, como também revelam a aproximação e o sentimento de fraternidade entre ela e Sang-tae, reforçando que eles realmente conseguiram constituir uma família.

Gang-tae, por sua vez, fica por conta de guiar Mun-yeong e Sang-tae, sendo uma figura de responsabilidade dentro da família. No entanto, se no início da trama Gang-tae escondia totalmente seus verdadeiros sentimentos e sempre se mostrava bem para não preocupar os outros, especialmente seu irmão, ao final da história o cuidador aprende a expressar melhor suas emoções, vontades e desejos. Uma das principais lutas do personagem envolve a percepção de que ele deve viver para cuidar de Sang-tae, muito influenciado pelo modo como a mãe o tratava quando criança. A própria profissão de Gang-tae já traduz essa luta interna, já que tanto profissionalmente quanto pessoalmente ele se volta a cuidar dos outros, e não de si mesmo. Gang-tae e Mun-yeong encontram um meio termo ao aprenderem com o altruísmo e o egoísmo um do outro, respectivamente.

Já Sang-tae evolui ao se tornar mais independente, culminando no início de sua vida longe de Gang-tae, como ilustrador da editora SangSangESang. O crescimento do personagem é possível não somente pelo seu desenvolvimento pessoal, mas também porque seu irmão o deu espaço para crescer, entendendo que não deveria focar sua vida nos cuidados de Sang-tae. Além disso, os traumas de Sang-tae com as borboletas são superados à medida que os conflitos envolvendo a morte da mãe são resolvidos e os personagens, consequentemente, amadurecem em relação ao passado. Outro ponto relevante para o personagem é a aproximação com Mun-yeong, com quem desenvolve uma amizade estreita, com laços fraternais. Para pessoas autistas, a construção de relacionamentos pode ser difícil, e uma das preocupações da mãe de Sang-tae era, justamente, a formação de amizades por parte do garoto. Ao final do drama, portanto, vê-se o crescimento e a independência de Sang-tae florescerem.

Em relação à dramaturgia e à encenação, a produção consegue variar entre drama e comédia com facilidade, apresentando tanto elementos dramáticos e pesados quanto cenas cômicas e divertidas, que trazem leveza à trama. Alguns personagens, como Sang-in e Jae-su, são naturalmente mais cômicos, enquanto Gang-tae, por exemplo, está envolvido em cenas mais sérias e dramáticas. Entretanto, todos os personagens navegam entre seriedade e comicidade, o que é uma das principais características do k-drama. Além disso, é válido pontuar que, embora Gang-tae e Mun-yeong protagonizem um romance, há poucas cenas com ações efetivamente românticas, como beijos e carícias. O foco se instaura na relação intangível entre os personagens. Quando se fala em romance, portanto, o drama é construído sem que seja necessário encenar explicitamente o que acontece fisicamente entre Gang-tae e Mun-yeong.

Por fim, considerando os indicadores de qualidade da mensagem audiovisual, a oportunidade está presente tanto na escolha dos contos de fadas, que são atemporais, para dar um tom fantástico e imaginativo à narrativa quanto na abordagem de temas como os transtornos mentais. Com uma maior abertura para tratar a temática da saúde mental, que já não é tão estigmatizada atualmente como antes o era, é importante que esse assunto seja colocado em pauta no âmbito da ficção, especialmente, nesse caso, no da ficção seriada.

O modo como diversos transtornos mentais são retratados ao longo do k-drama, de forma nem excessivamente dramática, nem exageradamente caricata, também contribui para a ampliação do horizonte do público. O autismo, por exemplo, não é colocado como uma condição incapacitante, embora demande certos cuidados, uma vez que Sang-tae é um personagem capaz de cuidar de si mesmo, com exímia habilidade artística e aptidão para perseguir uma carreira no ramo. No entanto, certas características observáveis em pessoas autistas, como a dificuldade em perceber e identificar emoções, também são retratadas em Sang-tae, dando uma ideia ao espectador de como essa condição se manifesta. 

No caso de Mun-yeong, que possui transtorno de personalidade antissocial, tem-se o retrato de uma pessoa impulsiva, agressiva e irresponsável, características comuns a quem sofre de tal transtorno, permitindo ao público, mais uma vez, entender como esse tipo de estado se manifesta. Outros tipos de transtornos mentais, como o transtorno de estresse pós-traumático e o transtorno de múltiplas personalidades, também são abordados, ainda que com menor ênfase. Dessa forma, é possível que um espectador não familiarizado com tais condições incremente seu repertório sobre o assunto, especialmente considerando que tais temáticas não são frequentemente pautas centrais na ficção. Além disso, o drama perpassa, ainda, por questões como o abuso e a negligência infantil.

As representações de Mun-yeong e Sang-tae também contribuem para a quebra de estereótipos associados aos transtornos mentais em questão. Frequentemente, quem sofre de transtorno de personalidade antissocial é associado à psicopatia e à ausência de emoções, duas concepções equivocadas. Mun-yeong demonstra que essas pessoas podem ser vulneráveis e sensíveis internamente, bem como construir laços afetivos verdadeiros. Já Sang-tae mostra que aqueles que possuem autismo também são capazes de estabelecer conexões com outros e podem viver de maneira autônoma, a depender do grau da condição.

A apresentação desses personagens também se relaciona à diversidade, uma vez que os transtornos mentais não são frequentemente retratados na ficção, ainda mais do modo como é visto no k-drama, com a diversidade de condições e a quantidade de personagens que delas sofrem. Apesar de não apresentar diversidade étnica e racial, a produção também conta com diversidade socioeconômica, já que a realidade de Mun-yeong, herdeira de uma mansão e escritora de sucesso, é contraposta pelas dificuldades enfrentadas por Gang-tae e Sang-tae, que possuem origem humilde.

Por fim, a originalidade/inovação do k-drama pode ser observada na abordagem central de questões envolvendo a saúde mental, especialmente transtornos pouco explorados pela mídia, como o transtorno de personalidade antissocial. Entretanto, um dos principais pontos de singularidade da produção reside na variação constante entre drama e comédia, e entre animação e filmagens live action, com a utilização constante de grafismos e recursos técnico-expressivos que quebram a diegese, o que não é visto com tanta frequência na ficção seriada. Embora a oscilação constante entre drama e comédia não seja totalmente nova – um exemplo são as novelas brasileiras, que possuem núcleos cômicos e dramáticos –, tal recurso não é tão explorado por formatos como as séries de TV, que mantêm o tom dramático ou cômico durante a maior parte da atração, com poucos momentos de oscilação. A abordagem imaginativa dos contos de fadas, somada ao tom sombrio que a produção traz às histórias infantis, para construir uma narrativa voltada a um público mais adulto também pode ser um ponto de destaque no indicador, uma vez que essa temática fantástica é associada, majoritariamente, às crianças.
It’s Okay to Not Be Okay, portanto, se sobressaiu, de modo geral, em todos os indicadores de qualidade da mensagem audiovisual. Além disso, a produção também se destacou na utilização dos recursos técnico-expressivos, referentes ao plano da expressão, uma vez que os empregou de forma criativa para representar a oscilação entre drama e comédia e entre realidade e animação, sendo a diegese frequentemente quebrada. Além disso, é importante ressaltar a relevância das questões de saúde mental colocadas pelo k-drama, que as trabalhou de modo aprofundado e dinâmico.

Observatório da Qualidade no Audiovisual

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