Observatório da Qualidade no Audiovisual

Flower of Evil

Por Mariana Albuquerque

Flower of Evil (악의 꽃), em tradução livre Flor do Mal, é um drama de TV sul-coreano, ou k-drama, lançado em julho de 2020 pela emissora TvN, com dezesseis episódios de uma hora e dez minutos de duração. Escrito por Yoo Jung Hee, dirigido por Kim Cheol Kyu e produzido pelos Studio Dragon e Monster Union, o drama de gênero suspense, melodrama e mistério teve seus direitos distribuídos para serviços de streaming como Netflix, Apple Tv, WeTV, Viki e possui classificação indicativa de quinze anos.  

O drama acompanha a história de Beak Hee Sung (Lee Joon Gi), um artesão de metais que possui uma vida e família perfeitas. No entanto, por trás dessa felicidade, Hee Sung é um homem que esconde sua verdadeira identidade e o passado cruel de sua esposa Cha Ji Won (Moon Chae Won), uma detetive de homicídios da unidade de crimes violentos da delegacia de Gangsu. Hee Sung é, na verdade, Do Hyun Soo, filho do serial killer Do Min Seok (Choi Byung Mo), que matou sete vítimas na cidade de Yeonju há dezoito anos. Graças à fama de seu pai, e com uma personalidade fria, violenta, não sentindo emoções ou culpa, Hyun Soo foi acusado de assassinar o chefe da vila, fazendo com que todas as pessoas acreditassem que ele seguiria os mesmos passos de seu pai, tornando-se um serial killer, fato que o obrigou a sair da cidade, abandonar sua irmã mais velha Do Hae Soo (Jung Hae Jin) e assumir uma nova identidade, a de Beak Hee Sung. Dessa forma, o k-drama será analisado com base na perspectiva da qualidade no audiovisual, considerando o plano da expressão, referente aos recursos técnico-expressivos, o plano de conteúdo, relacionado à narrativa e personagens, assim como a mensagem audiovisual, contendo os principais indicadores de qualidade. 

No plano da expressão, são analisados os códigos visuais, sonoros, sintáticos e gráficos da produção. Os códigos visuais do drama se concentram na capital da Coreia do Sul, a cidade de Seul. No entanto, boa parte da produção se passa no estúdio de metal de Beak Hee Sung e a casa da família como cenário principal, assim como a delegacia de Gangsu, na qual acontece boa parte das investigações dos casos de assassinato em série, sejam aqueles praticados por Do Min Seok ou aqueles ligados a Do Hyun Soo, que movimentam a maior parte da narrativa. A partir do momento em que novos personagens são apresentados, como o repórter Kim Moo Jin (Soo Hyun Woo), e os pais adotivos de Hee Sung, Gong Mi Ja (Nam Ki Ae) e Beak Man Woo (Son Jong Hak), algumas cenas se passam nas casas desses personagens, assim como na casa onde ocorreram os assassinatos, em Yeonju.

A caracterização dos personagens está, em boa parte, relacionada a sua personalidade, assim como a profissão que praticam. Beak Hee Sung/ Do Hyun Soo usa roupas mais informais de cores neutras e escuras, sempre em tons de preto, cinza e azul, que se relacionam com a sua verdadeira personalidade séria e misteriosa. Ele tem cabelo preto liso durante todo o drama, porém, é mostrado em algumas cenas em flashback sua versão mais jovem usando cabelo loiro, na qual fazia parte de sua caracterização como Beak Hee Sung, que durante a adolescência, pode se associar à fase em que os jovens demonstram rebeldia . Enquanto Cha Ji Won usa roupas mais formais por causa da sua profissão como detetive, geralmente em tons claros ou pastéis, como branco ou bege, utilizando principalmente ternos femininos. Assim, no segundo episódio, vemos Hyun Su assistindo um vídeo sobre expressões faciais, a partir do qual estuda sozinho suas emoções, fazendo-nos descobrir pelo próprio protagonista que ele não possui emoções e pratica diariamente a fim de manter sua farsa na frente de sua esposa Ji Won, que é policial.

A fotografia possui um estilo naturalista que representa o tom dramático e misterioso da produção. Grande parte do drama possui colorações mais frias que acentuam o clima sério e investigativo, porém é possível notar uma iluminação quente em cenas felizes da família dos protagonistas, principalmente nos momentos de confraternização e flashbacks com memórias felizes dos personagens. Além disso, há presença de iluminação mais escura e acinzentada em cenas mais tensas, presentes durante as investigações e dos assassinatos. A casa em Yeonju, onde Hyun Soo cresceu e viveu com o pai e a irmã, quase não possuía iluminação, já que foi o local onde Do Min Seok mantinha as vítimas presas antes de assassiná-las. 

A edição, presente nos códigos sintáticos, está em ordem cronológica dos acontecimentos, exceto os flashbacks que retratam lembranças de acontecimentos do passado sombrio de Hyun Soo durante sua juventude, assim como as memórias românticas dos protagonistas quando se conheceram.  Ademais, é importante ressaltar a presença de planos médios, planos sequência e em traveling que ressaltam o andar da câmera pelos cômodos da casa da família até o porão do estúdio de metal. No entanto, grande parte do drama se concentra em planos detalhes e em close, que demarcam as ações dos personagens, pequenos detalhes importantes para a investigação do caso, como um toca fitas, o relógio e também nas expressões faciais dos personagens, já que Hyun Su  não reconhece emoções e nem sabe como expressá-las. 

Dentre os códigos sonoros, a música presente na vinheta se inicia com um som de violino enquanto uma flor de pétalas roxas desabrocha, uma representação da flor do mal. Assim, são mostradas algumas imagens e trechos de cenas enquanto a música finaliza com uma voz feminina vocalizada. A trilha sonora é marcada por músicas instrumentais, possuindo principalmente o violino como instrumento principal, uma marca da abertura do drama. Ademais, é importante observar que os efeitos sonoros também são muito utilizados em cenas mais tensas, de suspense e músicas cantadas como “Psycho”, de DOKO, que marcam todos os encerramentos dos episódios. Enquanto a maior parte do drama possui uma trilha sonora composta por sensações de tensão, nas cenas em que Hyun Soo e Ji Won compartilham momentos juntos, podemos notar músicas mais românticas e calmas, às vezes até tristes, já que os personagens passam por muitos momentos ruins juntos. 

No plano de conteúdo, por sua vez, o storyline,  tem toda sua narrativa ligada aos casos de assassinato em série da cidade de Yeonju, e possui como ponto chave a morte do chefe da vila na qual Do Hyun Soo é acusado de homicídio. A trama investigativa tem como ponto de partida, o momento em que o repórter Kim Moo Jin reencontra Do Hyun Soo em seu estúdio de metal e o reconhece de imediato, deixando Hyun Soo, já como Beak Hee Sung, bastante desconfortável. Kim Moo Jin cresceu com Hyun Soo e Hae Soo na cidade de Yeonju, por isso, tem conhecimento de todos os acontecimentos envolvendo o protagonista e os assassinatos em série. Dessa forma, como repórter, ele é pressionado por sua chefe a conseguir uma boa matéria, por isso ele passa a investigar e publicar sobre esses casos que, na época, não tiveram muita repercussão pela mídia, já que Do Min Seok se matou antes de a polícia concluir as investigações. 

Sendo assim, o público descobre que Beak Hee Sung e Do Hyun Soo são a mesma pessoa, e Kim Moo Jin se torna um personagem de extrema importância para o desenvolvimento dos casos que se seguem. Aos poucos, o drama vai revelando pequenos detalhes da vida do protagonista, fazendo o público duvidar se Hyun Soo é mesmo o assassino em série que matou o chefe da vila, já que em alguns flashbacks vemos a população de Yeonju submetendo Hyun Su a rituais de exorcismo, graças a um estranhamento que esse povo possuía por ele ser antissocial, ter entrado em uma briga, ser filho de um serial killer e, acima de tudo, não poder reconhecer ou expressar emoções, sejam elas remorso ou até culpa, até ser revelado quem realmente matou o chefe da vila: a irmã Hae Soo.

No entanto, a partir do momento em que a polícia recebe a denúncia de um caso de homicídio, em que uma senhora foi assassinada da mesma forma em que Do Min Seok matava suas vítimas, se inicia uma investigação sobre um possível cúmplice de Min Seok, tendo como primeiro suspeito Hyun Soo, que até então estava desaparecido por dezoito anos. Os mistérios envolvendo os novos casos de assassinatos fazem com que Cha Ji Won procure pistas mais profundas que até a própria polícia não conseguiu achar. Ela foca em descobrir tudo o que pode sobre Do Hyun Soo e, dessa forma, enquanto Hyun Soo ao lado de Moo Jin busca encontrar o verdadeiro cúmplice, Ji Won descobre a verdadeira identidade de seu marido, Beak Hee Sung. 

Ao descobrir a verdade sobre seu companheiro, Ji Won se questiona se um homem com transtorno de personalidade antissocial e esquizóide é capaz de amar ou cuidar de seres mais fracos que ele, já que acredita que a sociopatia impede essas pessoas de terem qualquer tipo de apreço pelo próximo. Hyun Soo sempre foi um bom pai para sua filha Eun Ha, e um bom marido para Ji Won, mostrando preocupação e amor mesmo que não soubesse identificar esses sentimentos, por isso, Ji Won duvida se Hyun Soo seria mesmo capaz de matar pessoas e ser o cúmplice de seu pai nos assassinatos. 

Contudo, um outro mistério está relacionado à identidade falsa de Hyun Soo, Baek Hee Sung. No passado, o verdadeiro Beak Hee Sung, filho do casal Gong Mi Ja e Beak Man Woo, atropelou Hyun Soo e tentou enterrá-lo ainda vivo no quintal da casa dos pais. A mãe, desesperada, esfaqueia o verdadeiro Beak Hee Sung, que acaba ficando em coma, sendo mantido em uma sala secreta na casa do casal por dezoito anos. Por consequência, eles assumem Hyun Soo como seu próprio filho, na tentativa de esconder toda a verdade, até mesmo do próprio Hyun Soo, que esteve inconsciente durante todo o ocorrido e descobre anos depois.  Portanto, a partir do décimo primeiro episódio, é revelado o verdadeiro cúmplice de Do Min Seok, no momento em que novas vítimas começam a morrer de forma semelhante às vítimas de Yeonju. Assim, as investigações levaram os personagens ao tráfico de humanos, e eles puderam descobrir os motivos dos sequestros e o cúmplice do serial killer. 

Em relação aos personagens,  Do Hyun Soo é um homem sério e um pouco frio que possui dificuldades de entender e expressar emoções. Dessa forma, a partir do momento em que ele assume a identidade de Beak Hee Sung, ele estuda e analisa os sentimentos e as expressões das pessoas, principalmente a de Cha Ji Won para que sua identidade não seja revelada e possa agir com mais naturalidade perto das pessoas sem que elas descubram sobre ele. Contudo, Cha Ji Won é uma mulher alegre e bastante sensível, principalmente relacionada a família, enquanto no ambiente de trabalho, ela age com seriedade e profissionalismo boa parte do tempo. Ao decorrer dos episódios, a preocupação e a tristeza são sentimentos constantemente presentes entre os protagonistas, à medida em que vão descobrindo toda a verdade por trás dos assassinatos e do passado de Hyun Soo. 

Dessa forma, é importante ressaltar a encenação e atuação dos atores de modo a deixar evidente a tensão dos personagens e dos acontecimentos do drama. Em muitas cenas, vemos de forma clara a diferença de personalidade e expressão do protagonista e do antagonista, tendo ambos transtornos de personalidade antissocial, a sociopatia e a psicopatia. É mostrado em planos detalhes, as expressões de cada um dos personagens, evidenciando uma dualidade daqueles que se expressam com naturalidade e daqueles que não conseguem se expressar como Hyun Soo e o verdadeiro Beak Hee Sung que carrega uma expressão sempre fria, calculista e assustadora. 

Nos parâmetros de qualidade da mensagem audiovisual, a oportunidade se faz presente na escolha de temas relacionados ao público adulto como investigação policial, psicopatia, sociopatia e nas relações familiares construídas em torno desses temas. Mesmo possuindo sociopatia, Hyun Soo se mostra um bom pai, marido e irmão, se preocupando a todo instante com a família, mesmo que sua condição psicológica não permita que ele reconheça.  As investigações policiais acompanham a equipe da unidade de crimes violentos na qual Ji Won trabalha, e mostra com clareza diferentes casos que, desde o início, se interligam com a narrativa como, por exemplo, o caso do garotinho Kim In Seo, que posteriormente é encontrado como vítima de tráfico humano, ligado ao homem que vendia as vítimas para Do Min Seok e seu cúmplice. 

A ampliação do horizonte do público, por sua vez, está ligada aos assassinatos em série, assim como a psicopatia e a sociopatia. Tanto Do Hyun Soo, Do Min Seok e Beak Hee Sung possuem transtorno de personalidade antissocial ou esquizóide, no entanto, o drama mostra diferentes lados desse transtorno ao retratar Do Hyun Soo, como alguém capaz de cuidar de seres mais fracos que ele e se importar com as pessoas, mesmo que não saiba identificar seus sentimentos a princípio no drama, enquanto Beak Hee Sung, o vilão, mostra sinais sérios, claros e concretos da psicopatia. Assim, o drama cria um mistério a respeito da verdadeira índole de Do Hyun Soo, fazendo com que o público duvide que ele seja o cúmplice do pai, já que ele é um assassino fugitivo e filho de um serial killer.

Ao que se refere ao campo da diversidade, observamos uma temática religiosa bastante evidente, ao retratar rituais de exorcismo na qual Hyun Su era submetido na juventude. Por ser um jovem muito quieto e frio a população possuía certa antipatia por Hyun Su, assim, por ser filho de Do Min Seok e ter entrado em uma briga com alguns garotos, os habitantes de Yeonju passaram a acreditar que Hyun Su tinha a mesma maldade do pai. Dessa forma, fica evidente a representatividade e diversidade geográfica ao mostrar uma diferença cultural vivida por Hyun Su em Seul e sua vida na cidade de Yeonju, que por ser uma cidade mais rural, os moradores possuem crenças religiosas mais assíduas o que os levam a acreditar que o protagonista está possuído e o forçam a participar de rituais de exorcismo criados pelo xamã da vila com objetivo de purificá-lo. 

Na originalidade/criatividade, Flower of  Evil  mostra de forma única as visões do cúmplice, Beak Hee Sung, ao matar as vítimas, e seus sentimentos e pensamentos cruéis ficam evidentes quando vemos o assassinato da governanta da família Beak, assim como o atentado contra Hae Su, na qual ele pensava ser Ji Won. Além disso, o drama retrata um tópico especial ao levar o público a acreditar e simpatizar com um possível serial killer, podendo considerar Hyun Soo um anti-herói na trama. Enquanto os mistérios não são resolvidos e as verdades vão aos poucos sendo reveladas, o público suspeita que o protagonista é o real cúmplice dos assassinatos, mas na realidade ele não passa de uma vítima, alguém que não sabia sobre a vida de serial killer do pai e um irmão cuidadoso que assumiu a culpa do assassinato do chefe da vila para proteger a irmã.

Ademais, podemos notar uma quebra de estereótipos interessante relacionada à psicopatia e a sociopatia. Os atos do protagonista desconstroem a ideia de que todos que possuem transtorno de personalidade antissocial ou esquizóide são pessoas frias, que praticam violência contra os fracos, não podem amar, sentir culpa ou remorso. Essa dualidade é bem representada entre o vilão Beak Hee Sung que se enquadra em todas as características típicas e sintomáticas do transtorno, e Do Hyun Soo que mostra que mesmo possuindo o diagnóstico que o equipara ao de sociopata, ele é capaz de amar, de cuidar de seres mais fracos, e sentir culpa. 

Portanto, pode-se observar que o k-drama possui elementos capazes de representar os parâmetros de qualidade no audiovisual, de forma a ampliar o horizonte do público em inúmeros aspectos e se diferenciam dos demais dramas ao abordar temáticas importantes de formas únicas e oportunas levando o público refletí-las de modo que quebram ideias construídas pela sociedade. 

* Todas as imagens são capturas de tela. 

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