Por Gustavo Furtuoso
Criada pela Publicis, a campanha de dia dos pais do Bradesco em 2020 trata da valorização da paternidade participativa. A peça principal é o filme publicitário “#SejaExemplo”. Nele um pai e sua filha passam um dia juntos e a garota observa diversas boas ações que ele faz. E, no dia seguinte, as replica. O anúncio foi lançado em TV aberta em intervalo comercial exclusivo no Jornal Nacional, da TV Globo, e foi adaptado também para diferentes redes sociais.
Enquanto no Youtube ele foi exibido em sua versão original com duração de 2 minutos e 30 segundos, a peça foi reduzida para o Twitter e o Facebook – um minuto em ambas – para se adequar às especificidades dessas plataformas. O comercial também foi adaptado e virou uma série de três posts no Instagram: um vídeo central, no qual é inserido a edição de um minuto do comercial, e mais duas fotografias acompanhadas de legenda. Frames do vídeo foram ainda utilizados como foto de capa nas redes mencionadas. A campanha é acessível para pessoas com deficiência auditiva e visual, incluindo variantes com tradução em libras e legenda, além de audiodescrição.
Série de posts adaptados para o Instagram
De acordo com o diretor de Marketing do Bradesco, Márcio Parizotto, a campanha “presta uma homenagem a todos que exercem a paternidade responsável e lança um olhar para os valores que são realmente importantes na educação e na felicidade de uma criança”. O Banco Bradesco S.A. foi fundado em 1943, no interior de São Paulo e pertence à Cia Cidade de Deus e à Fundação Bradesco. Em 2010, era o único banco privado brasileiro presente em todos os municípios do país. No ano passado conquistou o posto de marca mais valiosa do Brasil, com US$ 9,4 bilhões, e neste ano liderou a lista de marcas mais valiosas da América Latina, mostrando que marcas com tradição podem utilizar de recursos digitais de inovação para se manter próxima dos consumidores, mesmo num momento de crescimento competitivo com novos bancos digitais.. Devido à sua história e seu grande alcance em território nacional, é uma marca que permanece presente no dia a dia dos brasileiros. Seu discurso e seus valores chegam a muitas pessoas e, por isso, é interessante entender como são construídas as mensagens que a empresa decide veicular na mídia.
Nesta análise iremos abordar as dimensões fílmica e promocional (ANEAS, 2013) na campanha do banco para o Dia dos Pais, sob a perspectiva da literacia midiática. Serão observados, mais especificamente, três indicadores que consideramos mais relevantes para o estudo: linguagem, estética e ideologia e valores (FERRÉS; PISCITELLI, 2015).
O filme publicitário, base de toda a campanha, mostra um pai buscando sua filha, ainda em tempos de pandemia, na casa do que parece ser uma amiga, onde brincava com carrinhos de brinquedo. Ao caminhar pela rua, ambos de máscara, param em frente a uma loja onde a menina olha uma vitrine com uma caminhonete de brinquedo vermelha. Seu rosto se ilumina e o pai nota seu interesse.
No caminho de volta, a garota presencia diversas situações onde o pai pratica ações de generosidade, como ajudando um vendedor de flores a atravessar a rua com seu carrinho, doando seu casaco numa campanha do agasalho e presenteando uma vizinha com uma flor vermelha – que havia ganhado instantes antes do vendedor como um agradecimento. Sua filha, atenta, observa todas essas situações com um semblante orgulhoso. Ao chegar em casa, eles encontram um garotinho brincando com uma bola de futebol desgastada.
No dia seguinte, quando a menina acorda, ela se depara com um embrulho de um presente. Ao ver a caminhonete vermelha, abre um sorriso em seu rosto, que é refletido no rosto de seu pai ao ver a alegria da filha. Na cena seguinte, ela pega seu carrinho antigo e sai de casa para presentear o garotinho que brincava com a bola. Pela porta, o homem vê a ação e fica feliz, orgulhoso por perceber que sua filha estava aprendendo com ele a ser uma pessoa generosa e atenta às pessoas que vivem a seu redor.
Ao fim do comercial, um letreiro branco surge na tela com os dizeres: “O Bradesco acredita que não é sobre o que um pai pode dar, mas sobre o exemplo que ele pode ser. Feliz dia dos pais!”. A peça termina com a logo do banco e o slogan “Desafie o futuro”. Com isso, fica evidente a angulação que o banco quis dar à data. Com os debates cada vez mais abrangentes sobre gênero e os papéis do homem e da mulher na sociedade, o Bradesco achou interessante reforçar a necessidade da presença, do afeto e do exemplo de um pai na vida dos filhos.
Conforme as mulheres estão conquistando seu espaço de direito em todas as esferas, também é válido que os homens se envolvam mais em tarefas que antes eram tradicionalmente dominadas pelas mulheres, como o trabalho doméstico e o cuidado com os filhos. Nesse sentido, optou por incentivar e prestar uma homenagem às figuras paternas que abraçam esses novos valores. Mais valioso que qualquer presente material, é dar uma herança que não pode ser perdida e é capaz de crescer se multiplicar por toda vida: um bom exemplo. E não se trata de um exemplo profissional, pessoal ou de liderança, mas de solidariedade e atenção. Promovem uma figura de pai-herói possível, humano e que atua em prol do outro.
Em consonância com a cobrança da presença dos pais na criação dos filhos, outra discussão relacionada à questão de gênero é abordada no comercial. A preferência da garota em brincar com carrinhos, um brinquedo associado normalmente a meninos, recebe ênfase ao longo da narrativa. Não somente o pai tolera a escolha da filha, mas também a incentiva quando percebe seu interesse. Devido à grande circulação que a peça alcançaria, a empresa enquanto estratégia mercadológica escolheu abordar, de forma delicada, a questão de gênero e buscou contribuir com a quebra de estereótipos, que são normalmente reforçados pela própria indústria publicitária. Ao mesmo tempo, se mostra atenta a tais demandas de representatividade, evidenciando como as questões identitárias ganharam espaço no debate público.
Enquanto “retórica do consumo, o discurso publicitário vai amalgamar as representações sociais imersas no espírito de seu tempo, nos sistemas socioculturais e econômicos dos quais é derivado” (CASAQUI, 2011, p.135). Ele é responsável por traduzir a lógica racional das corporações para a sensibilidade dos sujeitos, atribuindo significados para as práticas, objetivos, imagens e imaginários relacionados ao consumo; relacionando marcas e produtos à cultura e ao momento histórico em que se inserem. A peça do Bradesco exemplifica isso ao não citar aspectos ou vantagens relacionadas diretamente aos serviços do banco, mas em associar a instituição a ideais e práticas que são valorizadas atualmente na sociedade.
Nela, identifica-se a presença de um apelo emocional, ao tentar criar uma mensagem que transmita sentimentos positivos ao público. A construção do comercial utiliza os recursos cinematográficos para criar uma atmosfera tranquila e afetuosa, na qual o foco é dado à relação de pai e filha e na admiração mútua entre eles. Optou-se por uma paleta com cores pouco saturadas e uma iluminação bastante expressiva em ambientes internos. A trilha sonora delicada e a ausência de diálogo contribuem para dar mais suavidade e ritmo ao comercial.
A tipologia da linguagem empregada é predominantemente narrativa, com uma história sendo contada do começo ao fim, com personagens e arcos dramáticos bem nítidos. A repetição de determinados planos, como a fachada da casa em que o protagonista vive, demarca sequências completas e denota a passagem do tempo. A variação entre planos mais gerais e mais fechados também acontece totalmente em função da narrativa. A câmera se torna a instância narradora, dirigindo o olhar do público às ações e objetos relevantes para a trama. Com a ausência do verbo até o último instante do vídeo, onde surgem os letreiros, a construção imagética se torna primordial e a decupagem do filme torna evidentes todos os aspectos necessários para compreender a peça e sua mensagem.
Os principais valores transmitidos pelo comercial são os de generosidade, amor e atenção, sempre atrelados à relação de pai e filha. Valores estes, que são passados de uma geração à outra através da própria conduta pela observação dos mais jovens. Além disso, o filme também agrega o valor de segurança e proteção, com o uso das máscaras de proteção à COVID-19. Diferentemente do dia das mães, que aconteceu durante o início da pandemia e cujas campanhas refletiram de forma bastante presente esse estado de tensão e distanciamento, fazendo dele o motivo central das peças; o dia dos pais já aborda o isolamento através de detalhes mais sutis, como a presença das máscaras e o fato de as ruas estarem mais vazias.
Além da pandemia do coronavírus, outro acontecimento relevante neste ano e que provavelmente teve impactos nas escolhas do comercial foi o movimento #BlackLivesMatter. Após casos de brutalidade policial com pessoas negras nos Estados Unidos ganharem grande repercussão nas redes, a discussão foi intensificada e colocou a questão do racismo mais uma vez em pauta no jornalismo, no entretenimento e na publicidade. A peça do Bradesco, consciente de tais movimentos, optou por uma família negra para representar a campanha. Além disso, infere-se que o protagonista é um pai solteiro ou divorciado, o que reforça o apelo pela paternidade presente.
Com relação à dimensão promocional, ou seja, à maneira com a qual o comercial divulga a marca e gera engajamento emocional com o público (ANEAS, 2013), o comercial não tem um apelo de vendas direto. A peça tem cunho institucional e busca celebrar a data em questão, associando o banco aos valores transmitidos. Mas foram utilizadas estratégias para reforçar a presença da empresa mesmo sem qualquer menção direta a bancos. Não por acaso a flor que o pai presenteia a senhora na janela e o carrinho que a menina ganha de presente são vermelhos, cor símbolo do Bradesco.
Com as marcas presentes em nossas vidas, tanto no aspecto material quanto no cultural, é importante entender mais a fundo como opera o sistema publicitário e como ele articula discursos e práticas diante da sociedade para aprofundar sua relação com os consumidores (RESENDE, 2019). Dessa forma, quanto mais desenvolver competências para compreender e lidar com as ferramentas existentes nas mais diversas mídias, mais substancial e ampla será a relação das pessoas com as marcas e mais efetivos serão seus exercícios de uma cidadania plena.
REFERÊNCIAS
ANEAS, T. Premissas para aplicação de análise fílmica à publicidade audiovisual: um exercício analítico de Always a Woman. Cadernos de comunicação, v.17, n.18, jan-jun 2013. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/ccomunicacao/article/view/10896 . Acesso em: 31 ago. 2020.
Casaqui, V.. Por uma teoria da publicização: transformações no processo publicitário. Significação: Revista De Cultura Audiovisual, 38(36), 131-151, 2011. https://doi.org/10.11606/issn.2316-7114.sig.2011.70935
FERRÉS, J.; PISCITELLI, A. Competência midiática: proposta articulada de dimensões e indicadores. Lumina, v. 9, n. 1, 30 jun. 2015. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/lumina/article/view/21183/11521. Acesso em: 31 ago. 2020.
RESENDE, VITOR – Midiatização e Literacia Midiática: Aproximações Teóricas para Pensar a Gestão de Marcas no Ambiente Digital. In: Anais do 1º Congresso Iberoamericano sobre Ecologia dos Meios – Da Aldeia Global à Mobilidade. Portugal: Ria Editorial, 2019.
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