Observatório da Qualidade no Audiovisual

A Modernização de Ritual da KitKat: uma reflexão além do chocolate

Por João Pedro Henrique

Um marco para a modernização do mundo globalizado em que nos encontramos atualmente é a Revolução Técnico-Científico-Informacional efetivada após a Segunda Guerra Mundial. (Maia, 2012). Enquanto os âmbitos tecnológico e econômico se expandiram no período pós-guerra, marcas beneficiaram-se com a oportunidade de promover seus produtos usando o questionamento de uma das maiores tragédias da história mundial para promover campanhas e divulgações dos seus produtos em uma estratégia narrativa contrária a do conflito global. Nesse contexto, a KitKat no ano de 1958 impulsiona a sua mais célebre campanha publicitária: “Have a Break, Have a Kit Kat”, com o discurso de de “ter um tempo para relaxar”,“desligar-se”, ou “dar um tempo”. O slogan tornou-se um dos mais famosos da história da publicidade mundial e é usado até os dias de hoje, sendo um elemento significativo da identidade da marca. (Semprini, 2010). 

No entanto, as questões que mobilizam a sociedade em tempos atuais são diversas e a KitKat procura afinar sua comunicação aos debates que são travados na contemporaneidade. O século XXI está sendo pautado por demandas significativas de aceitação por partes de grupos tradicionalmente discriminados, que estão conquistando cada vez mais voz ativa nos espaços midiáticos. Sendo assim, a marca de chocolate não ficaria de fora dessa oportunidade de impulsionar mais uma vez seus produtos, da mesma forma que ocorreu no período pós Segunda  Guerra Mundial. A fim de ganhar mais representação e apoio dessas comunidades marginalizadas ao longo da história e de estar em sintonia com os anseios de significativa parcela da sociedade, na metade do ano de 2021, a KitKat lançou a campanha “Pride Takes no Break”. Veiculada em suas principais redes sociais: Instagram, Twitter e Facebook, ela subverte o slogan tradicional em apoio ao movimento LGBTQIA+ e afirma: “Mais gostoso do que dar um break, é dar um break na tradição do jeito que você quiser.”

Nessa análise buscamos estudar a partir do campo da literacia midiática como o público da KitKat recebeu e se engajou com a campanha, levando em conta as habilidades do receptor acessar, avaliar e interagir com a mensagem compartilhada pela empresa. Os professores Joan Ferrés e Alejandro Piscitelli (2015) explicitam que as competências midiáticas dos cidadãos ligam-se tanto ao âmbito da análise – capacidade de avaliar e interpretar criticamente os produtos midiáticos – quanto ao âmbito da apropriação criativa – capacidade de produzir seu próprio conteúdo e interagir com as mensagens dos agentes midiáticos. 

Na campanha “KitKat: Pride Takes no Break”, a marca espera inverter a expectativa cultural e emocional dos espectadores ao modernizar o ritual de se comer o chocolate, ou seja, ao propor ressignificar a ação de se ter um “break”. Desse modo, a KitKat se posiciona de forma declarada a favor das causas LGBTQIA+ em consonância com as aspirações de grande parte da sociedade. Mas por outro lado se arrisca a atrair para suas páginas as reações de um público preconceituoso e homofóbico que parece cada vez mais violento em suas interações em rede. De qualquer forma, precisamos manter em mente que esse posicionamento é uma questão de estratégia mercadológica dentro do sistema capitalista que a empresa se encontra ao oferecer, pela primeira vez, o protagonismo da campanha para pessoas participantes do movimento LGBTQIA+.  

Apesar de, a marca, historicamente, nunca ter tido nenhuma campanha publicitária em relação à causa LGBTQIA+ ou qualquer outra luta importante de movimentos de pessoas demandando voz, a campanha “Pride Takes no Break” se apropria do mês em que se é celebrado o dia do “Orgulho LGBTQIA+” para atrair os olhos dos seus seguidores para com a marca. O pesquisador Thiago Martins, reflete que “as marcas são agentes ativos na sociedade contemporânea e fazem parte do sistema simbólico de consumo. As narrativas que elas criam e utilizam nos meios de comunicação podem transformar as marcas em poderosos signos perante os consumidores e os grupos sociais.” Torna-se então, talvez, um instrumento oportunista e estratégico de captar interação nas mídias sociais da marca e receber feedbacks positivos de participantes do grupo, ou em geral, por levantar uma bandeira relevante. 

O lançamento da campanha no instagram é precedido de um post publicado no dia 28 de junho de 2021, através do perfil da marca no Brasil, onde é revelado o “backstage” do porquê de se ter a ideia de fazer uma campanha que celebra o Orgulho LGBTQIA+: https://www.instagram.com/p/CQqVHZKBVCW /. Um vídeo que mostra o depoimento de uma funcionária da Nestlé, na qual, é participante da comunidade protagonista da campanha publicitária, seguido da gerente de marketing da KitKat explicitando o posicionamento da empresa com relação à causa. Assim, a marca busca desvencilhar da imagem de campanha oportunista, sugerindo que na verdade é solidária e que a postura não estaria somente na sua comunicação com o público, mas também representaria os valores da empresa em suas rotinas diárias. 

A publicação “por trás do post”, contém centenas de comentários positivos ressaltando as posições das pessoas dentro do movimento LGBTQIA+ e que se sentiram representados pela postura da KitKat. Outra questão a ser levantada é a interação do perfil da marca com os comentários, seja respondendo com emoji de coração ou com as cores do arco-íris, reforçando que a ideia da companhia é da aceitação e respeito com os consumidores, independentemente das suas escolhas pessoais. Há somente uma usuária que comentou algumas vezes um emoji com uma carinha com os olhos revirados, dando a ideia de ser uma opinião contrária a ideia da publicação ou que achava a temática uma bobagem. Sendo assim, é inquestionável a boa recepção do público à proposta, que ainda encorajou a sua continuidade. 

Em preparação para a campanha “Pride Takes no Break”, no dia 1º de julho de 2021, a “KitKat” publicou no instagram um post com a imagem dos fingers de chocolate comidos sem serem separados um do outro, antecipando para os seguidores da marca sobre a mensagem principal da nova ação publicitária. Nessa postagem, constam a mesma frequência de interação, na base dos mais de 170 comentários, em torno de 2.700 curtidas e feedbacks, mais uma vez, majoritariamente positivos, com apenas um ou outro comentário estranhando a nova forma de se ter um “break”, ou também, pedindo para que a empresa mandasse os chocolates para a casa do consumidor.

A campanha “Pride Takes no Break”, enfim, foi compartilhada com o público e apesar de reinventar e modernizar o jeito de se ter um “break”, não abandona o apelo ao humor e as características visuais que definem a estética publicitária da KitKat. Sendo assim, o  modo como a peça integra diferentes tipos de pessoas da comunidade LGBTQIA+ comendo o chocolate causa uma estranheza momentânea  pelas novas formas de se “dar um tempo”, como usando garfo e faca para cortar o chocolate, usando hashi ou até quem morde todos os “fingers” de uma vez só. A publicação do anúncio publicitário foi em 2 de julho de 2021 e tem até o dia 20 de fevereiro de 2022 mais de 17.177 visualizações, contando com mais de 330 comentários majoritariamente positivos e elogiando a postura da marca, como é exemplificado abaixo:

Essa “estranheza”, cartunesca até, funciona pela KitKat ter esse ar cômico, descontraído em suas campanhas publicitárias ao longo do tempo, por tanto, não se torna agressiva ou ofensiva. Ela tem como função impactar o consumidor de forma bem-humorada, mostrando que os tempos mudaram e que se exige respeito pelas diversas formas de amar, as escolhas sociais e políticas de cada um e até mesmo como as pessoas querem comer o seu KitKat, para ter um “break”. Entretanto, apesar do retorno do público da KitKat ser extremamente positivo em relação à campanha, alguns comentários na publicação do Instagram ressaltam algum tipo de indignação para com a peça publicitária ou até com solicitações de pedidos anteriores ao produto, demonstrado abaixo:

No Twitter, a marca não é tão engajada, acumula pouco mais de 7.500 seguidores, um número bem pequeno se comparado ao do Instagram, onde passa dos 450 mil. Sendo assim, a interação da campanha com o público nessa rede social foi bastante restrita. Levando em conta que o feedback do público no Instagram foi mais positivo que negativo, no Twitter, tem-se apenas dois comentários na postagem da campanha, porém, bem curiosos em relação ao conteúdo: 

Analisando a inserção da campanha no Facebook, percebemos que as reações dos internautas também foram bastante positivas. Entretanto, diferentemente das outras mídias, aqui, o perfil da marca teve uma maior interatividade com o público e recebeu algumas reclamações relacionadas à produtos comprados anteriormente, conforme podemos perceber abaixo:

Por outro lado, muitos seguidores apoiaram a campanha, ressaltando tanto a qualidade estética e visual do produto audiovisual, quanto a relação de se criar algo novo mantendo a linguagem visual da marca. A efetividade da campanha também se refletiu na repercussão que alcançou em outros espaços da internet, especialmente em blogs especializados, fazendo com que a KitKat se tornasse pauta. 

A possibilidade da campanha em questão de gerar um retorno negativo por grande parte dos consumidores e audiência da marca nas principais mídias sociais era assustadoramente real, mediante ao ambiente cada vez mais hostil desses ambientes. Há de se ressaltar que, segundo matéria publicada na CNN Brasil: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/preconceito-matou-mais-de-5-mil-lgbtqia-em-20-anos-diz-estudo, recolhendo dados do Observatório de Mortes Violentas de LGBTQIA+ e Grupo Gay da Bahia (GGB), “foram contabilizadas mais de cinco mil mortes de pessoas representadas por essas letras em vinte anos”. O dado demonstra a perversidade vivenciada por essa parcela da nossa população em seu cotidiano, apenas por existirem. Por se permitirem viver sua identidade, essas pessoas são alvos de preconceitos e crueldades em diversos âmbitos sociais. 

Por esses motivos, percebemos com confessado alívio que, dirigida a sentimentos de aceitação, representatividade e respeito à causa LGBTQIA+, a campanha “KitKat: Pride Takes no Break” teve aceitação majoritariamente positiva pelo público das redes sociais, poucos comentários, porém existentes, de falas negativas e contrárias à posição da empresa ocorreram. No entanto, estes não conseguiram polemizar os debates, não sendo respondidos nem pela marca nem pelos outros internautas, o que podemos apontar como indício de competência do público em manejar suas emoções não gerando engajamento para as posturas homofóbicas. Como o diretor criativo da agência GUT São Paulo, responsável pela criação da campanha, relata:” Não há jeito certo ou errado para nenhuma das nossas verdades e KitKat está trazendo essa narrativa para todas as gerações.” 

Referências

FERRÉS, Joan & PISCITELLI, Alejandro (2012). La Competência mediática: propuesta articulada de dimensiones e indicadores. Comunicar, Revista Científica de Educomunicación.

MARTINS, Thiago Garcia. Literacia publicitária: análise semiótica de campanhas politicamente (in)corretas na publicidade brasileira/ Thiago Garcia Martins; orientador Prof. Dr. Fernando Andacht. 244f. Tese (Doutorado) – Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba, 2021. 

MAIA, Lucas. O Conceito de meio técnico-científico-informacional em Milton Santos e a não-visão da luta de classes. Ateliê Geográfico ISSN: 1982-1956. Dez/2012. 

SEMPRINI, Andrea. A Marca Pós-Moderna: Poder e Fragilidade da Marca na Sociedade Contemporânea. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2010.

ORUI, Heidy. Kit Kat celebra o orgulho LGBT+ em “Pride Takes no Break”. Site Adnews. Disponível em: <https://adnews.com.br/kitkat-celebra-orgulho-lgbt-em-pride-takes-no-break/> Acesso em: 12/12/2021.

BRANDÃO, Thales. Em nova campanha, KitKat dá um break no seu tradicional ritual de consumo. Site Cidade Marketing. Disponível em: <https://www.cidademarketing.com.br/marketing/2021/07/05/em-nova-campanha-kitkat-da-um-break-no-seu-tradicional-ritual-de-consumo/> Acesso em: 12/12/2021.

SITE Marcas pelo Mundo. KitKat dá um break no seu tradicional ritual de consumo. Disponível:https://marcaspelomundo.com.br/anunciantes/kitkat-da-um-break-no-seu-tradicional-ritual-de-consumo/#:~:text=%E2%80%9CA%20internet%20odeia%20quando%20algu%C3%A9m,as%20gera%C3%A7%C3%B5es%E2%80%9D%2C%20diz%20Brux. Acesso em: 12/12/20221. 

NICLEWICZ, Manuella. Preconceito matou mais de 5 mil LGBTQIA+ em 20 anos, diz estudo. Site CNN BRASIL. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/preconceito-matou-mais-de-5-mil-lgbtqia-em-20-anos-diz-estudo/> Acesso em: 12/12/2021.

SITE Mundo das Marcas. Kit Kat. Disponível em: https://mundodasmarcas.blogspot.com/2006/05/kit-kat-have-break.html Acesso em 18/02/2002.

Observatório da Qualidade no Audiovisual

Comentar