Por Gabriel Telles
A crise provocada pelo novo coronavírus, iniciada efetivamente no Brasil em meados de março de 2020, transformou o aspecto social, econômico e político do nosso país. Diferentes estruturas da sociedade estão sofrendo mudanças para se adaptar ao contexto de isolamento e novas práticas diárias para combater a doença. Dessa forma, o marketing e a publicidade também precisaram se adaptar e apresentar novas concepções e intenções em seus comerciais e discursos, seja para conscientizar, informar, aproveitar a oportunidade para promover seus produtos ou para posicionar a marca diante à adversidade. Uma significativa evidência do impacto gerado no setor é a alteração de logos, realizadas por empresas multinacionais como Mercado Livre, Starbucks e Mcdonald’s. Assim a “luta contra o vírus” foi incorporada na própria identidade visual dessas marcas, sugerindo a necessidade de adaptação mercadológica em um contexto global.
Marcas e empresas de diversos segmentos produziram peças publicitárias com orientações de saúde e ressaltando a importância do isolamento social, citando direta ou indiretamente a pandemia em seus comerciais. Perez (2020) cita a presença de quatro posturas diante à pandemia: oportunistas, demagogas, solidárias e ativistas. As marcas oportunistas têm como objetivo vender mais através do proveito do medo e da insegurança da população. As demagogas se moldam em argumentos excessivamente emocionais, apelando para o lado sensível das pessoas. As marcas solidárias se comunicam de maneira empática e compreensiva, com uma estratégia comunicacional que afirma que ela está ciente das dificuldades de todos.
Já as marcas ativistas tomam ações em contrapartida a essas dificuldades, como facilidades de pagamento, doações e dispensa assalariada de funcionários.
Nesta análise temos como objeto um filme publicitário do grupo de comunicação Vivo, empresa de origem chinesa de referência em telecomunicações fundada em 2003, que hoje apresenta serviços de jogos, banda larga, telefonia móvel e fixa, HDTV, e apps, se tornando, por cinco vezes consecutivas (matéria de 2015), uma das dez marcas mais valiosas do Brasil. Ela está presente em mais de 21 países e conta com mais de 360 milhões de clientes (segundo site da Vivo). O comercial é uma homenagem da marca ao Dias das Mães em um contexto de distanciamento social.
A criação é da Y&R Brasil, maior agência de publicidade do país, segundo ranking divulgado pela Kantar Ibope Media em 2019. No site “Minha Operadora”, a empresa faz questão de destacar que o comercial foi produzido seguindo as recomendações da Organização Mundial de Saúde, com atores sendo dirigidos remotamente, casting à distância, além das imagens produzidas pelo drone, que não exige contato físico entre profissionais.
A partir das classificações referidas por Perez (2020), consideramos que predomina a postura demagógica uma vez que o apelo emocional domina toda a peça, mexendo com sentimentos fortes como saudades e amor materno na busca de sensibilizar o consumidor. No entanto, há também traços de oportunismo, no sentido que oferece a solução – na forma de produtos da marca – para superar um problema sem colocar a si mesmo em risco, nem os outros.
Na expectativa de entender melhor a construção desta mensagem publicitária, sob a perspectiva da literacia mediática, definimos os seguintes critérios de análise: linguagem, estética e ideologia e valores (FERRÉS; PISCITELLI, 2015). Eles são indicadores chaves para um estudo baseado no panorama da área, que tem entre seus objetivos a formação para a avaliação crítica dos produtos veiculados pelos meios de comunicação.
A Vivo se apropriou de uma estética comunicativa que surge nesse contexto de isolamento social, como lives em redes sociais como YouTube e Instagram, além de videochamadas, ferramenta utilizada para manter um contato mais próximo com amigos e parentes em um momento em que os encontros presenciais não podem acontecer. Esse recurso estético, presente nos detalhes ao longo de toda a peça, foi usado para trazer essa nova dinâmica social para o comercial.
O vídeo inicia com uma sequência de imagens captadas por drone em diversas partes do país, passando por várias casas e prédios. Logo, ouvimos “Parabéns mãe!” em diferentes vozes, tons e sotaques. Ao mesmo tempo, a imagem da tela dos celulares dos moradores desses locais surge no plano da cidade, mostrando que se trata de chamadas em vídeo. O drone percorre a cidade e a montagem paralela surge unindo diferentes lugares em um mesmo contexto: ligações de vídeos para as mães, em um momento em que não é possível visitá-las e vê-las pessoalmente.
Durante os 30 segundos do filme publicitário, diferentes pessoas em diversas localizações geográficas no Brasil celebram com suas mães à distância. Nenhuma citação é feita sobre a pandemia ou o novo coronavírus, mas sabemos que o contexto da situação no país é a mesma para todas as pessoas do comercial, logo nos sentimos representados por também vivermos dessa forma atualmente. Assim, o filme publicitário de forma hábil busca associar à Vivo a conjuntura de carinho e amor simbolizada pelo dia das mães, afastando da marca a carga negativa associada à doença.
O comercial se apropria de um discurso da manutenção de laços afetivos, mesmo com a imposição do distanciamento social, mostrando que através dos recursos e serviços prestados pela empresa isso é possível e efetivo. Desse modo, salienta o posicionamento desejado pela marca diante à pandemia, ou seja, como necessária ou mesmo essencial. A integração nacional propiciada pela operadora leva à reflexão sobre a comunicação entre pessoas de todo o país que se encontram distantes. Assim, a Vivo discursa sobre si como uma empresa que possibilita esses encontros pela internet e aplicativos virtuais. Aliás, esse objetivo é declarado, como explica Marina Daineze, diretora de imagem e comunicação da Vivo, para matéria no site “Minha Operadora” Com ele queremos reforçar que a Vivo nunca deixará de conectá-los. Mais do nunca, a conexão é fundamental para aproximar as pessoas.
Na peça são utilizados recursos estéticos e de linguagem estratégicos para a composição de um resultado que visa impactar os espectadores: a trilha sonora em bg com tons alegres e inspiradores, as mensagens amorosas de todos os personagens às mães, além do apelo visual da imagem dos próprios atores pela câmera do celular. Esse aceno estético além de resultar na homenagem à data, com a transmissão de ideias de afetividade e proximidade, representa uma realidade atual fruto de um contexto de pandemia mundial, ressaltando as possibilidades de conexão remota como promotora de felicidade e de contato.
Desse modo, o produto audiovisual transita entre valores de sensibilidade afetiva e a ideologia da integração tecnológica como sinônimo de felicidade, associando a ligação em vídeo aos momentos de alegria propiciados a mães e filhos, afirmando o valor da marca no dia a dia da população. Em Vida para Consumo, Bauman (2008) aborda essa felicidade ideológica normalizada pela publicidade em sociedades capitalistas. Dessa forma, a marca Vivo através da venda de seus serviços, exemplificado no filme analisado, se apresenta como promotora de bons momentos, mesmo em um período tão difícil.
O filme publicitário é construído em uma linguagem emocional, apelando para os sentimentos e as emoções do consumidor, sem se preocupar em apresentar um discurso racional, em convencer através de argumentos lógicos. A estratégia persuasiva é buscar projetar os desejos do público em uma data tradicionalmente emocional – mas que neste ano ganhou contornos dramáticos pela obrigatoriedade do distanciamento social – nos próprios produtos e serviços da marca. Assim ela se anuncia como aquela que “garantiu” um feliz Dia das Mães em 2020. Para tanto, foi adotada a tipologia de linguagem poética, centrada na forma do discurso, com a intenção de manipular sentidos e sentimentos dos consumidores tanto pela identificação com a vivência, que é a mesma da maioria da sociedade no contexto global de pandemia, quanto pela representação do afeto na peça publicitária, sugerindo que o contato afetivo não é necessariamente impedido pela distância.
Assim, o comercial presta uma homenagem às mães em uma data importante e dentro do contexto comercial do dia, bem como ressalta a posição da marca como tecnologia essencial, num momento de distanciamento social. Toda essa interação familiar e a satisfação advinda foram proporcionadas pela comunicação em vídeo através do serviço da marca, ao menos é isso o que tenta passar ao público. Além disso, traz uma mensagem de responsabilidade coletiva de isolamento social, com uma abordagem positiva e representativa das relações, não somente entre mães e filhos, mas entre amigos, parentes e namorados, deixando de lado o alarme à situação que vivemos hoje.
Referências
BAUMAN, Z. Vida para consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. Diponível em: https://zahar.com.br/sites/default/files/arquivos/t1142.pdf
FERRÉS, J.; PISCITELLI, A. Competência midiática: proposta articulada de dimensões e indicadores. Lumina, v. 9, n. 1, 2015. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/lumina/article/view/21183/11521.
PEREZ, C. O devir da publicidade. Jornal da USP, 03 abril, 2020. Disponível em: https://jornal.usp.br/artigos/o-devir-da-publicidade/
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