Observatório da Qualidade no Audiovisual

Plágio Uruguaio

Por Júlia Garcia

A série de vídeos Plágio Uruguaio apresenta um programa animado, intitulado El Circo Bueno, supostamente exibido no canal fictício Uruguay 2. A proposta é veicular um reality show focado em uma trupe de circo, mas, na verdade, El Circo Bueno se mostra um plágio do talk show Programa do Aleixo, como evidencia o título da série. Produzida para a internet, a websérie de humor foi desenvolvida pelo grupo GANA (Guionistas e Argumentistas Não-Alinhados), formado por João Moreira, Pedro Santo e João Pombeiro, os mesmos criadores do universo de Bruno Aleixo. Finalizada em 2009 com sete episódios de cerca de três minutos, a produção pode ser encontrada na plataforma portuguesa SAPO Vídeos, no canal CENA (Canal de Entretenimento Não-Alinhado), comandado pelo grupo GANA. 

Os vídeos acompanham dois personagens da trupe Circo Bueno, cujos nomes não são revelados, enquanto conversam casualmente sobre temas diversos. No entanto, os diálogos são extremamente parecidos – por vezes exatamente iguais – às conversas entre Bruno Aleixo e Busto no Programa do Aleixo, veiculado pela emissora SIC Radical em 2008. Dessa forma, a proposta dos criadores é, de fato, plagiar a própria criação. 

No plano da expressão foram analisados os recursos técnico-expressivos da produção, dentre códigos visuais, sonoros, sintáticos e gráficos. Em relação aos códigos visuais, ao contrário do que se vê no Programa do Aleixo, em que há mistura de elementos animados e elementos reais, em Plágio Uruguaio tanto o cenário quanto a caracterização dos personagens são construídos de modo notadamente animado, sem pretensão de semelhança extrema com a realidade. Nesse contexto, é interessante pontuar que, no início de cada episódio, El Circo Bueno é referenciado como uma série de animação. No entanto, o mesmo não é feito com Aleixo, que se porta como uma figura real, inclusive em suas redes sociais.

Ainda em relação aos códigos visuais, há apenas um cenário, que se repete em todos os episódios, composto por um vagão de circo vermelho estacionado em uma área rural, com mata ao fundo. Apenas no sétimo e último episódio é mostrado um ângulo diferente, mas sem mudança de localização. Os personagens, por sua vez, vestem roupas de circo e mantêm o mesmo figurino ao longo de toda a série. Enquanto um dos personagens usa roupas brancas e largas com botões vermelhos e um chapéu pontiagudo também vermelho, o outro veste um macacão xadrez colorido, chapéu laranja e máscara preta, a qual cobre olhos e nariz. A paleta de cores é bem diversa, o que condiz com a proposta de acompanhar uma trupe de circo.

Assim como pode ser observado no Programa do Aleixo e demais produções do universo, em Plágio Uruguaio a movimentação dos personagens é restrita. Apenas a boca se movimenta, enquanto a cabeça e os braços, às vezes, se movem de um lado para o outro bruscamente. Contudo, como não há movimentação de olhos e sobrancelhas, a qual está presente na animação de Aleixo e Busto, os personagens perdem expressividade e não há mudança de semblante. 

Devido à restrição de movimentos, a câmera é estática e prevalecem planos abertos, que apresentam melhor o cenário e a caracterização dos personagens, importantes para ressaltar o ambiente circense. Há, ainda, primeiros planos, utilizados, frequentemente, durante os diálogos. A fotografia, por sua vez, é naturalista e não há mudança de iluminação.

Em relação aos códigos sonoros, há predominância de sons diegéticos, com enfoque no diálogo. A trilha musical é inserida apenas durante a vinheta de abertura e a vinheta final, as quais compõem os códigos gráficos. Ao longo das vinhetas, pode-se ouvir uma música circense característica, enquanto caracteres em fonte detalhada aparecem na tela em preto e branco, inseridos em cima de círculos que remetem ao picadeiro. Além disso, antes de iniciar a vinheta de abertura, é mostrado um aviso alertando sobre o plágio do Programa do Aleixo, evidenciando que os trechos mostrados de El Circo Bueno eram aqueles que apresentavam o plágio de maneira mais evidente.

Por fim, não há destaque para os códigos sintáticos. Enquanto o Programa do Aleixo imita a estrutura de um talk show, o Plágio Uruguaio apresenta apenas pequenos trechos do fictício El Circo Bueno, que seria, supostamente, um reality show. Por isso, devido à proposta de apresentar apenas trechos do programa com vídeos breves, a narrativa não é estruturada de modo a se assemelhar aos reality shows ou mesmo aos talk shows como o plagiado Programa do Aleixo. O foco é estabelecido apenas no diálogo casual dos personagens. Dessa forma, a edição é linear e não há alterações cronológicas ou outros efeitos narrativos.

No âmbito do plano do conteúdo, foi observada presença de intertextualidade. Há, por exemplo, referências pontuais a elementos e locais da realidade, como Brasil e Portugal.  Nesse contexto, é possível citar também a logo que representa o fictício canal Uruguay 2, a qual pode ser vista ao longo de todo o programa no canto superior esquerdo da imagem. Em referência à bandeira do Uruguai, a logo apresenta um sol, mas usando óculos escuros, o que reforça o caráter humorístico da produção. Além disso, é evidente a conexão direta entre Plágio Uruguaio e o Programa do Aleixo. Dessa forma, a websérie se insere no universo ficcional e faz alusão direta a outras produções envolvendo Bruno Aleixo. Entretanto, não há grandes referências à cultura pop como ocorre no Programa do Aleixo, sendo que a intertextualidade se baseia, portanto, principalmente na concepção do plágio feito ao fictício talk show português.

A partir da alusão direta ao Programa do Aleixo, também se constrói a oportunidade. Sendo assim, o Plágio Uruguaio amplia o universo ficcional e convida fãs e espectadores que já assistiram ao Programa do Aleixo a imergirem ainda mais nesse universo. Desse modo, por ser um plágio, as pautas da série se baseiam exclusivamente naquelas apresentadas no talk show de Aleixo.

Já em relação à ampliação do horizonte do público, não foram observados, com frequência, momentos que pudessem levantar discussões férteis e relevantes ao público. Embora, exatamente como Busto, um dos personagens tenha feito pontuações como as questões morais da clonagem humana, essas opiniões parecem se apresentar apenas pelo plágio, ou seja, por imitar as opiniões de Busto. Enquanto no Programa do Aleixo há a construção de um personagem pautado no absurdo e no extremismo – representado por Bruno Aleixo – que é frequentemente contraposto pela sensatez de Busto, em Plágio Uruguaio não há tempo para que haja aprofundamento nos personagens. A frequente contraposição entre a figura de Aleixo e a de Busto torna possível o questionamento de posicionamentos e pontuações quando são abordados temas relevantes.  No entanto, em Plágio Uruguaio a inserção de opiniões sobre temas férteis se mostra plana e superficial, pautada apenas pela construção do plágio.

Por fim, não foi observada diversidade no programa. São apresentados apenas três personagens, todos homens brancos e uruguaios, integrantes da trupe de circo. Não há, portanto, diversidade de gênero, socioeconômica, geográfica ou étnica.

No âmbito da mensagem audiovisual, a originalidade/criatividade pode ser observada não nos temas abordados, que são uma imitação do Programa do Aleixo, ou na estrutura narrativa, que não apresenta inovações, mas sim na proposta dos criadores em plagiar a própria criação e referenciar esse plágio nas mais diversas produções do universo ficcional.

O diálogo com/entre plataformas também pôde ser observado à medida que Plágio Uruguaio se apresenta como um dos programas do extenso universo ficcional de Aleixo, referenciando diretamente outros elementos desse mesmo universo. A partir dessa conexão com as demais produções desse personagem, principalmente o supostamente plagiado Programa do Aleixo, o público é convidado a se engajar nas demais obras do universo. A relação entre tais produções é tão imbricada que, devido às constantes menções ao plágio durante episódios de séries como Aleixo no Brasil, parte do público pensou que, de fato, havia um programa uruguaio plagiando Aleixo.

Sendo assim, a partir da intertextualidade e das evidentes ligações entre as produções do universo ficcional, o público é levado a se engajar na busca por tais conexões e a adentrar nesse universo mediante o consumo também das demais obras de Aleixo, o que está relacionado à solicitação da participação ativa do público. No caso de Plágio Uruguaio, para que o público tenha uma compreensão mais clara da situação narrativa, é preciso que ele busque conhecer o Programa do Aleixo, o qual é alvo do plágio. 

Por fim, a clareza da proposta é evidente quando se analisa Plágio Uruguaio. A ideia de copiar o Programa do Aleixo se mostra consistente ao longo de todos os episódios, que seguem a mesma estrutura narrativa. Além disso, por se tratar de uma websérie, diferentemente do Programa do Aleixo, que foi exibido no canal de TV SIC Radical, Plágio Uruguaio apresenta episódios mais curtos, condizentes com a plataforma para a qual foram produzidos e com a proposta de veiculação. Nesse contexto, pode-se citar, mais uma vez, o diálogo com/entre plataformas, já que as produções do universo de Aleixo se adequam aos mais diferentes meios.

Plágio Uruguaio se destacou, portanto, no âmbito da mensagem audiovisual, devido, principalmente, ao diálogo com/entre plataformas e à solicitação da participação ativa do público, uma vez que amplia ainda mais o universo ficcional de Bruno Aleixo e estimula, desse modo, a imersão do público nas mais diversas obras desse universo a partir da constante intertextualidade entre as produções. 

*Todas as imagens são capturas de tela.

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