Observatório da Qualidade no Audiovisual

Samantha!: análise da experiência estética

Após a análise da criação audiovisual, na qual foram identificados aspectos de qualidade no corpo da própria série, e a análise da circulação, na qual foram levantadas e categorizadas as estratégias de propagação e expansão da narrativa base para as redes sociais; agora chegamos à etapa final de análise de Samantha!. A análise do consumo completa o percurso comunicacional ao direcionar o foco aos comentários postados pelos telespectadores interagentes em resposta às publicações oficiais da série nas plataformas Facebook, Instagram, Twitter e Youtube (Borges, Sigiliano, 2021). Além disso, como será detalhado a seguir, no Twitter também serão analisados posts que o público fez de forma autônoma, não necessariamente em resposta a um post oficial da série, visto que sua arquitetura informacional e mecanismos de busca e extração de dados assim o permitem. 

A relação da quantidade de contextos encontrados em cada plataforma pode ser conferida na tabela abaixo [Tabela 1].

Para análise dos comentários, dois indicadores são usados: o conteúdo dos próprios comentários, assim como sua relação com a publicação original da plataforma, e aspectos que dizem respeito à arquitetura informacional de cada plataforma. Alguns critérios são pertinentes a todas elas, como a simetria ou assimetria das conexões, a circulação de informações, a segmentação e a replicabilidade (BORGES et al, 2022). Outros, são particulares.

Nas redes Youtube, Facebook e Instagram, não temos acesso a publicações dos usuários por critérios de assunto, com busca por termos mencionados ou hashtags de indexação, de forma que a análise se debruça exclusivamente nos comentários feitos pelos telespectadores interagentes nas próprias publicações da Netflix, as mesmas publicações categorizadas na análise da transmidiação da série. Já no Twitter, os telespectadores interagentes repercutiram pontos como, por exemplo, as referências intertextuais, a qualidade da série e a importância de apoiar produções nacionais.

Youtube

No Youtube foram levantados 5 contextos conversacionais nos quais o público interagia entre si e com a Netflix [Figura 1]. A plataforma conta com um sistema de hierarquização dos comentários, nos quais aqueles mais curtidos e/ou com mais respostas ficam posicionados com destaque e são exibidos acima dos demais. Nela, como características específicas da arquitetura informacional temos a possibilidade de marcação do tempo (a partir do reprodutor do vídeo), a menção ou transcrição de cenas e diálogos, o uso de elementos gráficos na composição das mensagens e a interação entre pelo menos dois interagentes.

A partir da observação dos comentários, é possível notar uma predominância de comentários que exaltam a produção nacional na Netflix e o fato de ser uma série incluída no catálogo internacional da plataforma [Figura 2]. Isso pode ser relacionado ao fato da série ser a primeira comédia e a terceira produção brasileira no serviço de streaming, seguindo 3% (Netflix, 2016 – 2020) e O Mecanismo (Netflix, 2018-2019), que tiveram grande visibilidade no país e também alcançaram repercussão internacional. Os comentários mais curtidos abordam o assunto, com muitos tendo respostas de outros telespectadores interagentes citando ainda outras séries do catálogo da plataforma.

Um dos vídeos publicados como teaser trazia uma cena com Emanuelle Araújo e Daniel Furlan. Além das falas dos personagens no vídeo, muitos comentários identificaram Furlan por trabalhos anteriores, em especial o humorístico Choque de Cultura, veiculado no Youtube, onde interpretava Rogerinho da Van. Muitos comentários citavam frases emblemáticas do personagem, mesmo que não relacionadas ao universo ficcional de Samantha!, demonstrando antecipação pela série a partir da presença do humorista. 

Nos videoclipes da Turminha Plim Plom, foram feitos comentários pedindo novas canções ou a disponibilização das existentes no Spotify. Também foram notadas estratégias que a Netflix usou para adaptar elementos do universo ficcional para a especificidade da plataforma, como no uso do termo [Remasterizado] nos títulos dos videoclipes ou o corte de meio segundo com aparição do Ketchup Berenice, como se numa mensagem subliminar dos patrocinadores do programa de Samantha!. 

No geral, percebe-se que o conteúdo do vídeo publicado tem grande impacto no conteúdo dos comentários, mais do que percebido em outras redes sociais. Os telespectadores interagiam bastante entre si e também falam diretamente com a plataforma de uma forma personificada, no mesmo tom descontraído característico de suas redes sociais. Muitos usam o espaço para fazer elogios, críticas ou pedidos. Dos aspectos específicos ao Youtube, apenas a inclusão de marcadores de tempo do vídeo nos comentários não foi observado.

Facebook

No Facebook foram levantados 8 contextos conversacionais. Aqui, diferentemente do Youtube, a Netflix responde diretamente aos comentários do público. Por isso, houve uma grande presença de comentários direcionados à plataforma ou comentando o serviço prestado de modo geral, para além de abordar a série ou a publicação que gerou aquele contexto de conversação. 

Foram identificadas muitas perguntas, críticas, elogios e sugestões, além de interações diretas com a persona da Netflix [Figura 3]. A dinâmica de interação do perfil oficial com os comentários foi tão consolidada que as pessoas aproveitaram a atenção que a plataforma dedicava ao perfil do Facebook e passaram a registrar em comentários os títulos que desejavam que fossem adquiridos para o catálogo. A prática tornou-se tão comum que foi possível notar a presença constante de algumas pessoas e suas respectivas solicitações, ao ponto de se tornar uma brincadeira interna entre público e plataforma [Figuras 4 e 5].

Para além dessa diferença, outros tipos de comentários ficaram ao redor do que já acontecia também no Youtube, por exemplo, como elogios à série, pessoas comentando que maratonaram toda a temporada ou destacando semelhanças entre a trajetória da protagonista e de figuras como Xuxa ou Simony. Os telespectadores interagentes também demonstraram domínio de uso das ferramentas do Facebook, como marcação de outros usuários, uso de recursos gráficos e hashtags. 

Instagram

No Instagram oficial da Netflix, foram identificados apenas 5 contextos conversacionais [Figura 6]. Os comentários na plataforma não são hierarquizados conforme o número de curtidas. Aliás, a maioria dos comentários não tem nenhuma curtida ou respostas, apesar de essas serem interações bastante comuns no uso da plataforma, que se assemelha mais à lógica do Facebook que do Youtube, de basear-se em laços existentes nos círculos sociais.

Enquanto no Youtube opiniões semelhantes eram reafirmadas através de curtidas em comentários, fazendo com que ganhassem maior projeção, no Instagram foi notada uma recorrência de comentários que trazem o mesmo conteúdo, replicados por diversas pessoas, e sem um grande número de curtidas, numa relação mais individual que coletiva dentro dos contextos gerados [Figura 7]. Os assuntos mais recorrentes na rede social eram elogios à série e o pedido por novos episódios ou confirmação de uma nova temporada. Os usuários também frequentemente perguntam sobre lançamentos, visto que a Netflix costuma destacar as novas produções em posts na plataforma, tendo inclusive um formato recorrente de postagem que lista todos os conteúdos que estão entrando no catálogo a cada mês.

Apesar da experiência mais individualizada do público dentro das publicações, houve também uma grande presença de marcações a outros perfis, em que pessoas recomendavam a série a terceiros ou retomavam alguma conversa que tinham tido sobre o universo ficcional a partir de um comentário do tipo. Comentários elogiosos apenas compostos por emojis também foram observados com maior recorrência que em outras plataformas. Ainda foi possível perceber que o conteúdo dos comentários se relaciona mais a uma referência à própria série do que ao conteúdo da publicação em si, mas não foi encontrada uma desconexão tal qual no Facebook, em que nem mesmo a série era mencionada em mensagens mais relacionadas ao serviço. No mais, outros tópicos levantados eram semelhantes aos que já foram citados em outras redes sociais e, mais uma vez, foi constatado um domínio dos recursos disponíveis dentro da plataforma por parte dos telespectadores interagentes. 

Instagram específico

Concentrando as principais publicações relacionadas à Samantha!, no perfil do Instagram @samantharealoficial foram observados 61 contextos conversacionais. A conta era gerida de maneira a simular o perfil da personagem, que postava em primeira pessoa e trazia novas informações que adicionam mais camadas ao universo construído na série. Os comentários também não tinham uma hierarquia clara, mas dessa vez nota-se um envolvimento maior do público com os conteúdos relacionados à história e aos personagens. Por ser uma conta à parte, já é criado um filtro com relação ao público, diferentemente das publicações no perfil da Netflix, que traziam uma audiência mais ampla e que, por muitas vezes, poderiam sequer conhecer a série [Figura 8].

Por ser um perfil fictício supostamente gerido pela personagem, um tipo de comentário bastante recorrente foram interações diretas com Samantha, sejam dizendo ser fãs, declarando seu amor por ela, fazendo perguntas sobre sua carreira ou simplesmente dizendo que estão com saudades. Outros comentários recorrentes dirigiam-se à personagem e mencionaram sua assustadora semelhança com a atriz e cantora Emanuelle Araújo, que a interpreta, numa nítida confusão de que a personagem realmente existia. A estratégia de criar um perfil para Samantha foi tão bem sucedida, seja pela verificação na conta, pelo uso dos termos real e oficial no nome de usuário ou pela consistência e verossimilhança das publicações, que pessoas de fato foram convencidas de sua existência.

A confusão entre ficção e realidade, inclusive, foi outro tópico significativo. Com ações de transmidiação pensadas de maneira articulada com o texto da série, muitas pessoas ficavam em dúvida se a história da série era verdadeira ou se a Turminha Plim Plom realmente existiu, com seus personagens, discos e programa de TV. Enquanto algumas pessoas respondiam outras alertando-as – “não é que são parecidas, ela é de fato a Emanuelle Araújo” [Figura 9] – outras entravam na brincadeira e diziam que suas mães eram fãs de Samantha há décadas e que tinham os discos de vinil e as bonecas em casa até hoje [Figura 10]. Percebe-se também que deixas criadas pela série, como as mensagens subliminares do Ketchup Berenice, ou uma pose da personagem que remete à uma capa de disco da Xuxa, são captadas pelo público, que as aborda em comentários e cria piadas, memes ou tecem comentários sobre a narrativa. 

Quotes foi outra categoria recorrente, com transcrição de falas dos personagens da série, alguns memes de internet – geralmente usados para interagir com Samantha – e, sobretudo, letras da Turminha Plim Plom. Para além desses aspectos, tópicos recorrentes em todas as redes sociais também estiveram presentes, como pode ser visto na figura 11. 

No mais, nota-se que o perfil específico permitiu a criação de uma comunidade mais atenta e afeiçoada a série, o que resulta em uma melhor compreensão das postagens e um maior engajamento. Tanto que a maioria dos comentários eram elogios à beleza da personagem, pedidos de novas temporadas ou apenas interações típicas entre fã e ídolo, com declarações de amor ou validação das ideias compartilhadas por Samantha, ao invés de dúvidas sobre os planos de assinatura ou perguntas sobre lançamento de outras séries.

No Instagram específico, observamos publicações que evidenciaram uma não compreensão da proposta do perfil e certa confusão em relação às postagens. Mas também foram encontrados comentários que não só demonstram entendimento da ideia desenvolvida, mas também uma apropriação da mesma, visto que o comentarista entra no jogo e torna-se parte da ação desenvolvida pela Netflix. O domínio no uso da plataforma também pode ser identificado, com marcações e respostas de comentários entre diferentes membros do público e uso de hashtags da série para indexação de conteúdo.

Twitter

A partir do protocolo de abordagem de monitoramento, extração e codificação foram coletados 9.028 tweets durante a primeira semana de distribuição da segunda temporada de Samantha!. Os conteúdos foram extraídos pela Search API, e filtrados com base nas palavras-chave e indexações recorrentes adotadas nas ações de engajamento realizadas pela Netflix Brasil. Após a codificação dos dados, norteada pela semelhança e idiossincrasia dos metadados da amostra, identificamos 6 contextos conversacionais na macrocodificação e 7 na microcodificação.

Por fim, os contextos conversacionais foram organizados em um mapa mental. Como iremos detalhar adiante, as comunidades momentâneas identificadas no Twitter vão ao encontro dos pontos centrais da série. Entretanto, é importante destacar que apesar da nostalgia ser um recurso norteador da trama, ela não foi observada na análise das publicações no microblogging

Conforme discutimos nas análises dos processos de produção e de circulação, o universo ficcional de Samantha! é composto por diversas referências intertextuais. Neste sentido, os tweets compartilhados pelos telespectadores interagentes não só identificavam as alusões às figuras midiáticas populares das décadas de 1980 como também aprofundavam as camadas interpretativas da série. 

Isto é, o público refletia sobre a inter-relação entre a intertextualidade e a trajetória da protagonista. A carreira musical de Simony, por exemplo, foi discutida pelos telespectadores interagentes, as publicações correlacionavam a cantora como a personagem interpretada por Emanuelle Araújo.

Outro contexto conversacional codificado a partir da extração de dados do Twitter foi a repercussão sobre a participação do ator Daniel Furlan na trama da Netflix. Nas postagens da rede social os telespectadores interagentes ressaltavam que conheciam o humorista como Renan, do Choque de Cultura, e que a presença de Daniel na atração seria um indicativo de qualidade. A discussão sobre apuro estético, estilístico e narrativo de Samantha! foi identificada em 3 macrocodificações são elas: a valorização, a indicação e os elogios. Deste modo, o público destacava a importância de consumir e valorizar as produções brasileiras para que outras séries nacionais pudessem ser desenvolvidas, os telespectadores interagentes também indicavam o programa para a sua rede de seguidores no Twitter. 

A curadoria do público ressaltava pontos como a qualidade da trama entre outras atrações de comédia e a pertinência dos temas abordados na produção. A macrodificacão ligada aos elogios apresentava tweets em que os comentários positivos e elogiosos eram recorrentes, as publicações discutiam questões como, por exemplo, a atuação de Emanuelle Araújo, as referências intertextuais aos anos 80 e 90, além da forma como a história foi desenvolvida. 

A sexta e última macrodificação observada no monitoramento de Samantha! abrange os tweets que comparavam a produção nacional da Netflix com outras narrativas ficcionais seriadas. Os telespectadores interagentes repercutiam que a qualidade da trama era superior a das telenovelas, de algumas atrações estadunidenses e de outras produções originais do serviço de streaming. 

Referências

BORGES, G. et al. A qualidade e a competência midiática na ficção seriada contemporânea no Brasil e em Portugal.. Coimbra: Grácio Editor, 2022. 

BORGES, G.; SIGILIANO, D. Qualidade Audiovisual e Competência Midiática: proposta teórico- metodológica de análise de séries ficcionais. Encontro Anual da Compós, XXX, São Paulo, Anais […], 2021. Disponível em: <https://bit.ly/3Bb8OsL>. Acesso em: 6 out. 2023.

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