Por Paulo Medeiros
Celebrado no Brasil no segundo domingo do mês de maio, o Dia das Mães em 2020 ocorreu em plena vigência do isolamento social na maior parte das cidades e estados do país. Em decorrência do novo coronavírus medidas de prevenção precisaram ser adotadas em escala global, sendo o distanciamento entre as pessoas uma das mais eficazes, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). Assim diversas situações tiveram que ser – e ainda estão sendo – reinventadas, seja no trabalho ou em atitudes simples do dia a dia. Shows foram adiados, bares, universidades, lojas, tudo precisou ser fechado para tentar impedir que o vírus se espalhasse rapidamente.
Como consequência, as empresas, do mesmo modo que as pessoas, tiveram suas atividades fortemente impactadas, inclusive na maneira de se comunicar com os seus consumidores. Dessa forma, diversas marcas adaptaram seus discursos e estratégias de marketing para que se encaixem no cotidiano atual de muitas famílias. De campanhas de conscientização até o apoio a lives de artistas para, de certa forma, amenizar o impacto que o distanciamento social trouxe consigo, são muitas as ações desenvolvidas pelas marcas com a finalidade de estarem próximas ao seu público durante a pandemia e de driblar todo o peso negativo do momento. Dentro desse cenário, fazer publicidade para o Dia das Mães, um dos eventos mais importantes para o setor, se tornou um desafio para as empresas. Como abordar essa data que envolve afeto, carinho e amor, agora que estamos todos distantes uns dos outros e envolvidos pelo medo? Alguns recursos foram acionados para que a situação como um todo fosse representada de forma mais leve e menos solitária, transmitindo mensagens de esperança
Nesta análise vamos abordar o filme publicitário em homenagem ao Dia das Mães do Banco Itaú. A marca ficou em primeiro lugar no inquérito 100 marcas mais lembradas durante a pandemia, realizado pelo Instituto Croma Insights em parceria com a agência de pesquisa online Toluna. A consultoria efetuada ressaltou que o Itaú encabeça o ranking por causa de seu “desempenho social e empreendedor”, pois o banco foi bem-sucedido em se apresentar como um parceiro de pequenos e médios empresários. Em pesquisa do Observatório da Qualidade no Audiovisual no período inicial da pandemia no Brasil, constatamos que o setor financeiro foi o que mais se destacou como anunciante nos principais telejornais do país naquela fase. Instituições bancárias, como o próprio Itaú por exemplo, investiram em publicidade para promoverem seus serviços, se posicionando como aliados da população e das empresas diante da crise, mesmo que na realidade a atuação desse setor tenha gerado muitas críticas. Contudo, no anuncio, objeto deste estudo, o Itaú aproveitou a oportunidade para focar somente em sua marca.
Criada pela Africa, agência de publicidade, marketing e branding, a peça publicitária busca refletir a realidade que muitas mães estão vivendo nesta época de distanciamento social com os filhos em casa. O comercial se divide em dois momentos claramente distintos. O primeiro retrata as dificuldades atuais, mostrando as angústias que as mães vem passando com o trabalho em casa, o home office, e o cuidado com as crianças. Diferentemente da maioria dos comercias do período, não há uma tentativa de esconder o desespero, o sofrimento e a insegurança da nova realidade enfrentada pelas mães. Pelo contrário, tudo isso é ressaltado. Em contrapartida, a partir dos 52 segundos – do total de 1m 49s – há uma quebra na narrativa e o filme propõe uma reflexão otimista sobre a proximidade entre mães e filhos, ou seja, apesar de estarmos vivendo uma situação atípica, enfatiza que há essa outra face da experiência, ambas exploradas no comercial.
Para compreender melhor as estratégias do filme publicitário, iremos observar os indicadores de linguagem, estética e ideologia e valores (FERRÉS; PISCITELLI, 2015) sob a perspectiva da literacia mediática. Essas dimensões são essenciais neste estudo, visto que os conteúdos publicitários contribuem para a construção de modelos idealizados de sociedade e de felicidade, o que torna fundamental o desenvolvimento de um olhar crítico acerca das suas mensagens.
A estética das plataformas de videochamada alinhava toda a peça, inclusive esse recurso já aparece logo na abertura do comercial, como podemos ver na imagem abaixo. Esta ferramenta de comunicação está presente cada vez mais na realidade de muitos lares, uma vez que, devido às circunstâncias em que nos encontramos, as reuniões e encontros passaram a ser à distância, pela internet. Assim, o filme busca retratar de forma realista o cotidiano e gerar identificação com o espectador através de elementos estéticos que estão presentes em nossa rotina.
O vídeo intercala os depoimentos – sempre muito emocionados – das mães, com cenas de alegria e também da rotina com as crianças. Por exemplo, em determinado instante, uma mãe grava seu filho ajudando a cuidar do irmãozinho, que ainda é um bebê; já em outra parte vemos uma mãe lavando a varanda com o filho menor no colo enquanto o outro ajuda a varrer a água. Conforme a narrativa é construída, essas ocasiões buscam fazer o público refletir sobre esses momentos que, na visão da marca, estão sendo fundamentais para que as famílias se aproximem e se apoiem. As imagens são acompanhadas de algumas frases – letterings – que são dispostas entre um testemunho e outro. Esse recurso, além de reforçar a mensagem através do texto, também agrega mais drama a peça.
A frase “Um Dia das Mães diferente”, entre outros artifícios usados durante todo o vídeo, ressalta o apelo emocional da linguagem adotada, que, nesta data em específico, costuma ser bastante recorrente nas peças publicitárias. Essa escolha agregada à pandemia transmite uma carga ainda mais comovente para o comercial. A tipologia de linguagem utilizada foi a testemunhal, portanto novamente reforça o intuito de se conectar ao público e emocioná-lo, através do depoimento das mães, pessoas comuns, e de gerar identificação num período tão complexo.
Desse modo, o tom testemunhal é explorado para provocar sensações no telespectador. Por exemplo, quando as mães estão falando sobre suas experiências atualmente, há a intenção de fazer com que outras mães se vejam naquelas situações e, assim, se sentirem mais próximas ao banco. Em resumo, o vídeo busca criar um laço afetivo com o público, uma vez que a marca procura mostrar que compreende o que as pessoas estão vivendo e ainda tenta “levantar o astral”, revelando o “lado bom” disso tudo. Portanto, a peça foca apenas no lado sentimental do espectador. Não existe preocupação com a racionalidade, em propor algo prático, em oferecer algum serviço que ajude as mães na pandemia.
Trazendo a figura materna sem romantização e mais humanizada, o banco destaca depoimentos em que são enfatizados as inseguranças e os medos, conforme já explicitado anteriormente. A música no piano intensificou o apelo emocional, de forma que ela, junto aos testemunhos, criou uma atmosfera tocante para o vídeo.
“…agora sou eu, as crianças, os bichos, a casa, por tempo indeterminado”
Em geral, em suas falas as mães desabafam sobre as dificuldades em transformar a casa num local animador e atrativo para os filhos. Inclusive, uma mãe ainda em gestação reflete: “Em relação à gravidez, eu acabei de fazer sete meses, várias coisas passam na nossa cabeça.”. Já outra diz “E eu acho que como qualquer mãe, eu não me acho uma boa mãe”, em meio a certo desespero, sobre suas dificuldades reais e inseguranças do dia a dia. Aqui, novamente vemos a marca conversando diretamente com outras mães que estão nessa mesma situação.
Após explorar os sentimentos e dores das mães, a narrativa se transforma. Agora o banco também se preocupa em trazer mensagens motivadoras e otimistas, tentando “vender” um pouco de esperança para os espectadores. Com o uso do lettering “Mas também tem outro lado”, junto da trilha sonora que passa a ter toques mais alegres, são adicionados gatilhos que contribuem para reforçar a ideia de esperança. Neste momento, os discursos mudam e passam a abordar as oportunidades e alegrias que as mães estão vivendo neste período, como conseguir acompanhar o crescimento dos filhos e se aproximar mais deles. Pois antes, devido a correria do dia a dia e uma rotina apertada, acabavam perdendo algumas ocasiões especiais em família. Portanto, este seria o “outro lado” que o distanciamento social trouxe consigo, de acordo com o Itaú.
Neste instante, a sequência de imagens e os depoimentos em off das mães foram planejados e editados para concluir o vídeo com otimismo. “É ele que me dá forças pra levantar, se não fosse ele eu não conseguiria” diz uma mãe sobre como está sendo saudável para ela passar este tempo ao lado do filho. Pois, mesmo em casa, com diversas tarefas e preocupações, as mães estão sendo “presenteadas” com momentos próximos a seus filhos e é isso, segundo o comercial, que deve ser valorizado.
Percebe-se que, neste anúncio, a marca não se preocupa em vender nenhum serviço em específico, seu intuito é de homenagear as mães na data comemorativa. Porém, utiliza de diversos artifícios, principalmente emocionais, para fixar sua imagem como uma parceira ou alguém que entende a situação que as mães estão passando. O que é contraditório, visto que no mesmo mês, maio de 2020, o Instituto de Defesa Coletiva (IDC) entrou com ação civil pública, na Justiça da Capital, contra a Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN) por propaganda enganosa e não cumprimento de medidas anunciadas, que deveria prorrogar o pagamento de dívidas dos clientes, após o começo da crise do coronavírus. É importante lembrar que o Itaú é o maior banco privado do Brasil.Por isso é interessante refletir sobre o desenvolvimento das competências midiáticas de análise crítica, pois em diversos momentos nossos sentidos são conduzidos, seja assistindo peças publicitárias ou produtos jornalísticos. Compreender a construção desta peça do Itaú e como tudo foi pensado para que a mesma apelasse para as nossas emoções, assim como ocorre em outras peças publicitárias, é significativo para o desenvolvimento da cidadania em sociedades capitalistas, que têm na publicidade uma voz fundamental de imposição ideológica.
Referências
FERRÉS, J.; PISCITELLI, A. Competência midiática: proposta articulada de dimensões e indicadores. Lumina, v. 9, n. 1, 30 jun. 2015. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/lumina/article/view/21183/11521. Acesso em: 03 jul. 2020.
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