Vila Maluca é uma série humorística infantojuvenil produzida e exibida pela RedeTV! entre 11 de outubro de 2004 e 28 de abril de 2006. A produção acompanhava situações cômicas vividas por moradores de uma vila fictícia. O projeto foi motivado após o sucesso da exibição da telenovela colombiana Betty, a feia (Yo soy Betty, la fea) que, segundo a Folha Ilustrada, oscilava nos 5 pontos de audiência. Com os expressivos números, a emissora buscou, no fim de 2003, investir em teledramaturgia.
Originalmente, Vila Maluca era uma telenovela concebida e escrita por Márcio Tavolari, Edison Braga e Ronaldo Ciambroni, com direção geral de Adriano Stuart, focando em uma vila em que os moradores mostravam assuntos educativos e de sustentabilidade. Porém, a direção geral da emissora optou por transformar a ideia original para um seriado humorístico, fugindo do foco educacional para apostar em um humor pastelão, passando a autoria para Cláudia Dalla Verde, Dionísio Jacob e Edu Salemi e aproveitando no elenco atores adultos que já atuavam na emissora nas câmeras escondidas do programa Eu vi na TV de João Kléber.
Com 210 episódios de aproximadamente 25 minutos, a série apresenta situações cômicas vivenciadas pelos moradores da Vila Maluca, localizada em São Paulo. Assim como o seriado mexicano Chaves (El Chavo del Ocho), têm atores adultos interpretando crianças.
Quinho (Marquinhos Martini), o protagonista, e seu amigo Gino (André Corrêa) estão sempre aprontando com os outros moradores, especialmente Seu Valentino (Duda Mamberti), o dono da vila. Junto com Ripi-Ropi (Carlos de Niggro), o DJ que comanda a rádio do local, os três disputam a atenção da bela filha de Valentino, Gigi (Carine Quadros) – posteriormente substituída por Xuxu (Cris Lopes) no mesmo papel.
No local ainda moram Dona Nautureba (Liza Vieira), vegetariana que ama a natureza e cuida de suas plantas como se fossem filhos, Dona Porpeta (Noemi Gerbelli), dona da Pensão da Vila, tia de Gino e respeitável cozinheira, que rivaliza com a fofoqueira Dona Espinafra (Valquíria Martini), que nunca se dá bem nas receitas. Por fim, as irmãs bruxas Cornélia, a má, (Valéria Sandalo) e Sibélia, a boazinha, (Luah Galvão) juntamente com a sobrinha Morgane (Danielle Lima) adoram praticar feitiçarias e brincar com os outros moradores. Também existe a professora Sigmunda Von Froida (Duda Mamberti) que conduz os episódios da escola da Vila. As histórias buscavam entreter o público infantil situações cômicas e inusitadas, bem próximas ao cotidiano, de forma descontraída.
À época de sua estreia, segundo a Folha Ilustrada, a série era exibida duas vezes ao dia: o episódio inédito às 12h30 e uma reprise às 16h30. Vila Maluca era o único programa infantil da grade de programação da RedeTV! que era precedido pelo jornalístico TV Esporte e Notícias e sucedido pelo feminino A Tarde é Sua. No horário da tarde, após o programa de Sonia Abrão, precedia a telenovela colombiana Gata Selvagem (Gata Salvaje). No mesmo horário do episódio inédito, às 12h30, o SBT dedicava ao público infantojuvenil a faixa com o programa de desenhos animados Festolândia, seguido das séries Alf, o ETeimoso (ALF) e Eu, a patroa e as crianças (My wife and kids).
O programa não gerou produtos licenciados e foi cancelado em 2006 como parte de uma reestruturação na emissora que buscava quitar dívidas contraídas e demitiu cerca de 200 colaboradores.
A ambientação da série foi construída na sede da RedeTV! em Alphaville (São Paulo) em um espaço de cerca de 800 metros quadrados. Remontando uma vila dos bairros paulistanos dos anos 50 e 60 com ruas largas, sobrados e casas, a ideia é dialogar com o nostálgico e o utópico e remeter o telespectador a um lugar onde os moradores não convivem com problemas contemporâneos, como a violência. Nesta travessa é que acontecem boa parte das situações vividas pelos personagens.
Os espaços internos das casas dos moradores refletem a classe social dos moradores e suas características. É possível identificar assim como na pensão de Dona Porpeta, sempre farta de comida, e na casa de Valentino, o dono da Vila, móveis amontoados, com toalhas e panos carregados de cores e estampas.
Na casa das bruxas Cornélia e Sibélia, temos a presença de elementos relacionados à feitiçaria. Este cenário se associa visualmente a de outros personagens feiticeiros na TV como da personagem Cuca do Sítio do Picapau Amarelo e de Angélica em Flora Encantada, ambos da TV Globo. Esta comparação se deve a disposição dos objetos e a interação com personagens manipulados como a coruja Brenda de Vila Maluca.
A caracterização dos personagens é baseada em estereótipos. No caso dos personagens pré-adolescentes, a idade avançada de alguns atores, apesar de amenizada pelo vestuário, prejudica a rápida assimilação dos personagens, a começar pelo protagonista Quinho. O personagem tem 15 anos, vestindo bonés e roupas coloridas, porém Marco Martini, na época tinha 55 anos, já sem grandes traços infantis. Outro fator que dificulta a originalidade do personagem é a utilização do mesmo bordão que o ator utilizava anteriormente em câmeras escondidas, “O que, o que, o queeeeê?”.
A personagem Xuxu, a menina mais bonita da vila, que regularia idade com Quinho, também não se assemelha a uma pré-adolescente. As roupas escolhidas para representá-la em diversas situações contemplam uma jovem de mais idade causando contradição em relação a algumas atitudes.
Gino e Ripi-Ropi, ambos personagens com 20 anos, imprimem mais naturalidade aos seus papéis. O primeiro, representa o estereótipo de galã porém ignorante que sempre interpreta errado as coisas. Sobrinho de Dona Porpeta sempre está alinhado, usando camisas de botão e rigorosamente penteado. Já Ripi-Ropi é a caricatura do jovem da favela ligado à cultura. Liderando a rádio comunitária da Vila, têm tranças no cabelo, faixa na cabeça e está sempre com cordões prateados e pulseiras.
Dona Porpeta, começando pelo nome, é a típica italiana. Gordinha, com óculos e roupas largas, não dispensa o leque e o sotaque carregado. A personagem é tida como a “mãezona” de todos e tem o bordão “Dá essa impressão!”. Valentino é dono da Vila e representa o mesquinho, avarento e sem-coração, suas roupas remetem aos anos 30 dialogando com a ambientação proposta nos cenários.
Todos os outros personagens também dialogam com a proposta caricata tal como a solteirona, espalhafatosa e fofoqueira Espinafra que usa roupas estampadas e extremamente coloridas com brincos, cordões grandes e maquiagem pesada para conquistar um novo marido. Já as bruxas Sibélia, Cornélia e Morgane sempre estão de roupas pretas e roxas, simbolizando a relação com o místico.
A trilha sonora da série é composta pelo rap de abertura e músicas originais produzidas pelo músico e arranjador Nill Bernardes e pela inserção de músicas contemporâneas. A música de abertura chama a atenção pelo tom divertido e original colocando o telespectador como participante das situações da vila como canta o refrão “Vila, minha vila, sua vila, nossa vila/Essa vila é maluca/E eu nunca vi igual”.
Em episódios específicos tocam-se músicas contemporâneas relacionadas ao contexto do episódio como em “O novo hóspede da pensão”. Nesta ocasião, executa-se em diversos momentos a música “No rancho fundo” de Chitãozinho e Xororó por se tratar da chegada de um caipira na Vila e “É o amor” de Zezé Di Camargo e Luciano nos momentos de paixão entre o caipira e Xuxu. Já em “Noite de terror”, ocorre uma performance de “Thriller” de Michael Jackson.
Em “Noite de terror” também é possível perceber a única mudança de fotografia encontrada nos episódios analisados. Para composição do clipe final com a performance, utilizam-se filtros azuis simulando um ambiente noturno. Em todo o restante da série, a fotografia é naturalista e não procura interferir na construção dos episódios.
A edição destes é feita de forma linear, seguindo apenas uma cronologia. Por se tratar de uma série episódica, ao final de cada história retorna-se ao equilíbrio. A passagem do tempo é demarcada por vinhetas assim como as inserções da Rádio Vila Maluca.
A abertura se trata de uma composição gráfica que simula em 3D, os aspectos físicos da Vila com creditação de autores e atores. Apesar de, originalmente, ter cerca de 40 segundos de animação, em diversos episódios é reduzida para 10 segundos.
A série conta com três tipos de episódios: os cotidianos, que acompanha ações corriqueiras e mal-entendidos na Vila, os temáticos, que se debruçam sobre recontar uma história, como acontece em “Romeu e Julieta” e “Dia da Independência” e os que se passam na escolinha de Sigmunda Von Froida.
Nesse sentido, percebemos o intento da série em trazer alguns temas relevantes de forma lúdica como a história do Brasil na oportunidade do dia 7 de setembro, dia da Independência. Neste, Quinho é atingido por uma corrente elétrica quando tenta enfeitar a Vila com bandeirinhas do Brasil. Desacordado, passa a sonhar que vive na época do Império. Cada personagem ao tentar acordá-lo, acaba também recebendo a corrente elétrica e desacorda, participando do devaneio. Reconstrói-se, assim, a época da Independência com os moradores da vila. Para isso, houve o uso de chromakeys e figurinos especiais. Em específico neste episódio, pode-se retirar mensagens da importância da participação cívica e patriotismo.
Nos episódios referentes à Escola, apesar de se relacionarem com conteúdos de Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia e Ciências, o foco é restringido às piadas que se assemelham a de outros programas como Escolinha do professor Raimundo e do próprio Chaves. Nesse sentido, não ocorre um debate de ideias ou estímulo ao pensamento crítico do telespectador.
No que diz respeito à ampliação de horizonte do público, também ocorre uma tentativa modesta de conscientização sobre diversidade. No episódio “Linguagem de sinais”, a Vila recebe a visita de Rebeca Nemer, intérprete de Linguagem Brasileira de Sinais que trabalha em televisão. A intérprete conversa com os personagens e é convidada para ser entrevistada na Rádio Vila Maluca por Ripi-Ropi. Porém a entrevista causa estranheza por ser ambientada em uma rádio com apenas um microfone e o personagem solicitar diversas vezes que Rebeca ensine-o alguns sinais.
Apesar de ser um assunto de interesse público, a entrevista acaba sendo conduzida de forma inadequada no momento que são realizados diversos xavecos por parte de Ripi-Ropi com a moça, diminuindo o nível de informação que potencialmente poderia ser transmitido.
O maior apelo à imaginação proposto pela série pode ser identificado nas bruxas Sibélia, Cornélia e Morgane que, além de conversarem com uma coruja têm o poder de transformar os moradores da vila em objetos e animais, como acontece no episódio “Os cachorrinhos” em que Valentino é castigado a agir como um cachorro por não aceitar uma matilha de dálmatas na Vila.
Por se tratar de uma narrativa episódica, os conflitos principais são recorrentes ao longo do episódio, tal como a disputa amorosa entre Quinho, Gino e Ripi-Ropi por Gigi/Xuxu, a dívida de aluguel de Dona Porpeta com Valentino, as fofocas de Dona Espinafra que se tornam mal-entendidos e as brigas internas entre bondade e maldade com Sibélia e Cornélia. Alicerçadas nestes conflitos, ocorrem as situações dos episódios.
Vila Maluca representou uma experimentação para emissora no campo da teledramaturgia, sendo a primeira incursão própria em formatos seriados. Anteriormente, a emissora já havia exibido outro seriado, também inspirado em Chaves, chamado Miguelito, porém este se tratava de uma produção independente e foi exibido por pouco tempo.
Apesar de a ideia original instigar o público infantil com temas relevantes como sustentabilidade, responsabilidade social e apelo a curiosidade, a versão exibida acabou seguindo fórmulas humorísticas já conhecidas. Inspirando-se de várias formas no seriado Chaves para construção de seus personagens, o seriado perde a identidade e se aproxima da imitação e repetição, com pouca variação de assuntos tratados e pouca eficácia nas mensagens relevantes propostas.
A comunicação com o público telespectador da série se dava através do site oficial que contava com galeria de fotos, perfis de personagens e a sinopse da produção, porém sem qualquer espaço para feedback ou mensagens do público. Cris Lopes, a Xuxu, relatou à Folha Geral que as crianças mandavam cartinhas para emissora endereçadas ao elenco. Em 2005, a emissora começou a solicitar a participação ativa do público através da participação ao vivo na edição da tarde. Os telespectadores tinham a oportunidade de ligar para um telefone e conversar com Quinho, Gino ou Ripi-Ropi e participar de uma brincadeira, como caça-palavras, dando sua opinião sobre o programa e sendo premiado com um videogame Dynavision Xtreme.
Por Leony Lima
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