Observatório da Qualidade no Audiovisual

A ampliação do universo de Our Omega Leadernim!

Por Hsu Ya Ya

Our Omega Leadernim! é um webtoon lançado em novembro de 2017 pela autora e artista .MIJIN. na plataforma Webtoon que pertence a organização Naver Corporation, um conglomerado sul-coreano de internet e que possui o principal foco no mecanismo de busca como o Naver, além de outras subsidiárias que operam em outras áreas.

A plataforma Webtoon se descreve como um espaço inovador que possibilita uma maneira de criar histórias para quaisquer pessoas que queiram compartilhar suas produções em quadrinhos, “disponíveis em qualquer lugar, a qualquer hora e sempre de graça” (WEBTOON, 2022, ONLINE). Além disso, eles se descrevem como “o lar de milhares de conteúdo de propriedade de criadores com visões incríveis e diversas de todo o mundo” (WEBTOON, 2022, ONLINE), com diversos gêneros disponíveis.

Além disso, uma onda crescente é a adaptação desse tipo de produção para os dramas de TV, como Chesse in the Trap, My ID is a Gangnam Beauty!, True Beauty, o mais recente lançamento da Netflix adaptado do webtoon The Sound of Magic: Annarasumanara e All of  Us Are Dead que entrou para o ranking com a quinta maior estreia de língua não-inglesa na Netflix de acordo com a revista americana Variety.

Webtoon é um termo utilizado para descrever as webcomics, ou seja, quadrinhos que são disponíveis exclusivamente na internet ou manhwas, termo utilizado para essas produções da Coreia do Sul. Nesta análise, utilizaremos o termo webtoon, visto que, apesar da história ser publicada em uma plataforma sul-coreana em língua inglesa, a termologia manwha carrega as produções com as origens sul-coreanas que posteriormente, são traduzidas para outros idiomas. Vale ressaltar que esta breve descrição sobre a temática precisa ser aprofundada em pesquisas futuras.

Ferrés e Piscitelli (2015, p.2) definem a competência “como uma combinação de conhecimentos, habilidades e atitudes consideradas necessárias para um contexto determinado”, e a competência midiática “para o desenvolvimento da autonomia pessoal de cidadãos e cidadãs, bem como o seu compromisso social e cultural” (FERRÉS; PISCITELLI, 2015, p. 3).

Os autores definem seis dimensões: a Linguagem, a Tecnologia, os Processos de Interação, de Produção e Difusão, a Ideologia e Valores e a Estética para elaborar os indicadores da análise: âmbito de análise e âmbito de expressão, ou seja, a forma como os indivíduos recebem e interagem com as mensagens, assim como a forma que eles produzem.

Para esta análise, iremos focar nas dimensões da Linguagem, que se relaciona à habilidade de produzir e ressignificar conteúdos utilizando diferentes sistemas de representação e estilos em função da situação comunicativa. A Ideologia e Valores como a capacidade de utilizar as novas mídias para se comprometer como cidadão, além de utilizar as mídias para questionar os valores ou estereótipos. E a dimensão Estética como o entendimento da importância dos aspectos técnico-expressivos na composição da produção midiática e criativa dos fãs na rede. A capacidade de produzir e potencializar a criatividade e originalidade.

Um universo alternativo: Omegaverse

Jenkins (2012, p. 16-18) elenca “cinco elementos básicos que inspiram intervenções de fãs”, sendo informações presentes na narrativa que não foram desenvolvidas; elementos narrativos que os fãs sentem falta e que são cruciais na compreensão dos personagens; os elementos que sugerem alternativas, podendo ser intencionais ou não sobre os personagens; elementos excluídos com consequências ideológicas; e os elementos que podem ultrapassar a narrativa.

As narrativas ABO (Alfa/Beta/ômega) tendem a construir suas histórias a partir de “sociedades onde os imperativos biológicos dividem pessoas, baseando-se nas hierarquias das alcateias dos lobos, em Dominadores sexuais (alfas), submissos sexuais (ômegas) e todo o resto (betas)” (JAMISON, 2017, p. 309). A autora pontua que, apesar do termo se aplicar a omegaverse, este “tende a ser reservado para a construção do mundo ideológico em vez da simples dinâmica sexual)” (JAMISON, 2017, p. 309-310).

Apesar da história se passar nesse universo e ser BL (boys love/Yaoi), o webtoon é categorizado como romance e comédia na plataforma com mais de 99.9 milhões de visualizações e 9,81 avaliações com 105 capítulos lançados. Mesmo que a história esteja disponível de forma gratuita e em língua inglesa, há fãs em diversos locais do mundo que não tem compreensão desse idioma, dessa forma, nesta análise, além construção breve da narrativa, também iremos aprofundar as discussões sobre a competência midiática propostas por Ferrés e Piscitelli a partir da prática de scanlation da obra em português.

Our Omega Leadernim! é feita para os leitores brasileiros ou falantes da língua portuguesa pelo E. F., enquanto a obra possui a média de 4,8/5 avaliações na plataforma que está hospedado com 102 capítulos. Não citaremos o nome da scan, da mesma forma que a plataforma disponibilizada em português devido à “caça às scans” e as denúncias recorrentes pelos fãs que são contra este tipo de prática e muitas das vezes, fazem essas denúncias para as plataformas oficiais ou autores. Vale ressaltar que, mesmo a obra sendo gratuita na plataforma oficial, alguns scans tendem a pedir autorização aos artistas para a tradução de projetos gratuitos e em Our Omega Leadernim! não há nenhuma informação sobre isso.

A sinopse descreve o enredo sobre a vida de “Choi Jinsoo, o temível líder de matilha, é na verdade um Omega disfarçado! Por 3 anos, ele mentiu sua identidade como um alfa tomando medicamentos especiais. Quando as drogas começam a não fazer mais efeito e os hormônios tomando forças, ele vai se deixar levar pelos instintos?”

Logo no primeiro capítulo, na plataforma oficial, nota-se o aviso sobre “Esta série contém temas e situações adultas e é recomendada para o público adulto. A discrição do espectador é aconselhada” e pergunta se o leitor deseja continuar visualizando. Cabe destacar que os manwhas disponíveis em plataformas pagas, contém sempre este tipo de aviso ao início dos capítulos e algumas scans, criam o aviso próprio para alertar o leitor. No caso deste projeto, a scan responsável não colocou o aviso prévio, o que não sabemos se é pelo fato de não ter uma imagem específica ao baixar as raws, já que o aviso aparece em uma janela pop-up na plataforma.

Raws geralmente são as obras disponíveis, seja no idioma original, em que as scans baixam essas imagens, já levando em conta a compreensão das ferramentas de extensão no auxílio para baixar as imagens, pois elas vêm picotadas e demandaria bastante tempo, caso baixasse um por um e depois ocorre todo o processo de limpeza, tradução, revisão, edição e QC (quality control) antes de serem disponibilizados aos leitores.

Todo esse processo já como a dimensão Linguagem, em que os fãs têm a capacidade de estabelecer as relações entre os textos, os códigos e as mídias, além da modificação dos produtos existentes de uma língua estrangeira para os falantes locais.

O processo de preparação de um capítulo dentro de uma scan, demanda do apoio e trabalho em equipe dividido por funções responsáveis como a limpeza, que precisa tirar as falas e onomatopeias do capítulo e ter o domínio da ferramenta como o Photoshop. Em alguns casos, é preciso compreensão básica em desenho para fazer reconstrução de cenários ao retirar uma onomatopeia. 

A revisão fica responsável por conferir a tradução e as coerências para a língua portuguesa, seguindo para a edição que coloca de volta as falas e onomatopeias em idioma traduzida. Por fim, antes de ser disponibilizado para os leitores, passa pelo processo de QC, verificando se não há erros em todos os processos que passou nas etapas anteriores.

Dessa forma, toda essa prática também dialoga com a dimensão da Estética na apropriação e transformação de produções artísticas. Podemos levar em conta que o webtoon produzido pela artista também dialoga com esta dimensão ao potencializar o uso da criatividade, a experimentação e a sensibilidade estética ao criar uma narrativa ficcional baseado em personagens reais em forma de quadrinhos.

Os personagens que inspiram a obra, são os membros Jungkook e Taehyung do BTS, conforme comentário no primeiro capítulo em que uma fã menciona a similaridade das características visuais dos personagens, sendo afirmada pela própria autora que as inspirações vêm dos membros do boygroup:

Imagem 1: comentário sobre a semelhança dos protagonistas e os membros do BTS.

Fonte: Webtoon (2022).

Jamison (2017) aponta que as fanfics escritas sobre pessoas reais é “escrita, quase exclusivamente, sobre… bem, meninos lindos. […] a RPF se desenvolve em cima de fãs imaginando seus meninos lindos favoritos com outros meninos lindos” (JAMISON, 2017, p. 314). Dentro do fandom Army (fãs do BTS), há vários shipps e os dois que mais se destacam é o: JiKook (Jimin e Jungkook) e Taekook (Taehyung e Jungkook), este segundo como os protagonistas centrais da obra.

Além da afirmação feita pela artista, os fãs também comentam sobre a semelhança de outros personagens do webtoon com outros idols de k-pop, como Mingyu do Seveteen e Jisoo do BlackPink. “A maioria da RPF na verdade gira em torno de casais em fandoms que não possuem ligações com a ficção. Há fanfiction de atores, há fanfiction de políticos e há fanfiction de figuras históricas, mas a maioria é de músicos” (JAMISON, 2017, p. 315).

Imagem 2: A comparação dos personagens com os idols do k-pop que circulam na internet.

Fonte: Amino (2022)

Por se passar no universo omegaverse, ou seja, uma narrativa que sempre envolvem personagens ômegas, alfas e betas (os humanos que “perderam” os seus poderes), o que pode variar de acordo com a proposta do autor. No universo de Our Omega Leadernim, segue a mesma classificação, porém, logo no início da obra, a autora insere o leitor sobre esse universo, somos informados sobre a classificação hierárquica em que os alfas são os mais fortes, e os ômegas mais fracos e ao completar 18 anos, cada indivíduo precisa fazer o teste da classificação. Ou seja:

Todas essas histórias usam tropos A/B/O para interrogar gênero e sexualidade assim como orientação sexual e suposições culturais. E, quando são bem-sucedidas, essas histórias não são apenas quentes e permitem que nossos adorados objetos sexuais se juntem na felicidade conectada, mas elas também interrogam algumas das questões e preconceitos de nosso tempo (JAMISON, 2017, p. 313).

Dessa forma, o protagonista se descobre como um ômega e as regras que cercam eles como, por exemplo, a esteriotipação de que todo ômega precisa ser feminino, devem ser bons na cozinha, se comportar com o dever de esposa em afazeres domésticos, “enquanto a sociedade espera que um ômega atue como um anjo inocente. O corpo do ômega é muitas vezes acusado de ser o símbolo do pecado” (OUR OMEGA LEADERNIM!, 2017, ONLINE).

A temática abordada no webtoon já se configura dentro da dimensão Ideologia e Valores no que tange ao questionamento de valores e estereótipos dentro da obra, dialogando com o papel do ômega como a mulher na sociedade contemporânea, ainda taxada com as “obrigações” impostas pela sociedade patriarcal, assim como a insegurança por viver neste ambiente.

Além disso, outras características presentes na obra e que não sofreram na tradução feita pelos fãs, são alguns termos como hyung (que significa irmão mais velho) ou dorama (como os fãs chamam as produções dos dramas de TV) e algumas características culturais da Coreia do Sul. Our Omega Leadernim! também carrega o sufixo “nim” seguido do “leader”, um jeito formal ou respeitoso que é utilizado para se dirigir à uma pessoa.

Deste modo, a obra ainda trata de outras questões importantes como o estupro e a impunidade sobre esses casos, o poder das hierarquias, o perigo da automedicação, entre outros. As competências presentes estão em diálogo na obra e na prática de fãs disponibilizar esse tipo de conteúdo em língua portuguesa. 

Referências:

FERRÉS, J; PISCITELLI, A. Competência midiática: proposta articulada de dimensões e indicadores. Lumina, v. 9, n. 1, p. 1-16, 2015. Disponível em: <https://periodicos.ufjf.br/index.php/lumina/article/view/21183>. Acesso em: 23 mai. 2022.

JAMISON, A. Fic: por que a fanfiction está dominando o mundo. Rio de Janeiro: Anfiteatro, 2017.JENKINS, H. Lendo criticamente e lendo criativamente. Matrizes, v. 9, n. 1, p. 11-24, 2012. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/matrizes/article/view/48047>. Acesso em: 23 mai. 2022.

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