Observatório da Qualidade no Audiovisual

Amor em 4 atos

Com a direção-geral de Roberto Talma e exibida pela Rede Globo entre os dias 11 e 14 de janeiro de 2011, a minissérie Amor em quatro atos é uma obra inspirada nas canções de Chico Buarque. O diálogo entre as músicas do cantor e os arcos narrativos do programa abarca o senso estético, sonoro e linguístico. Apesar de ser composta por quatro episódios procedurais, isto é, com histórias independentes, as tramas compartilham a mesma temática e ambientação.

O primeiro episódio, intitulado Ela faz cinema, é inspirado nas músicas Ela Faz cinema e Construção. A trama narra à história de Letícia (Marjorie Estiano), uma jovem cineasta, e do pedreiro Antônio (Malvino Salvador). O casal, apesar das diferenças sociais e econômicas, vive um tórrido romance. Entrelaçado a esse arco principal é desenvolvido o sub plot de Rafic (Cacá Rosset), um árabe que trabalha em um trailer de comidas típicas localizado na Estação da Luz, em São Paulo, e nutre uma paixão platônica pela voz que anuncia o horário dos trens.

Inspirado na letra de Mil Perdões, o segundo episódio, Meu único defeito foi não saber te amar, é centrado na crise conjugal de Lauro (Dalton Vigh) e Maria (Carolina Ferraz). O casal, após anos de convivência, vê seu amor posto à prova por conta de desconfianças e ciúmes.

Já os dois últimos episódios, Folhetim e As Vitrines, inspirados em canções homônimas de Chico Buarque, são protagonizados por Ary (Vladimir Brichta). Depois uma briga com sua mulher Selma (Camila Morgado), o personagem se apaixona, na noite da Rua Augusta, por Vera (Aline Moraes). Por já ter sofrido muito por amor, Vera (Aline Moraes) reluta em se envolver com Ary (Vladimir Brichta), mas depois acaba se rendendo ao sentimento que tinha pelo rapaz. Além disso, os episódios exploram os sub plots com os personagens Ana (Alice Assef), amiga de Vera (Aline Moraes), e o corretor de imóveis Marcos (Osmar Prado)  .

O elenco de Amor em quatro atos ainda conta com Marjorie Estiano (Letícia), Malvino Salvador (Antônio), Cacá Rosset (Rafic), André Frateschi (André), Dalton Vigh (Lauro), Carolina Ferraz (Maria), Gisele Fróes (Dora), Dudu Azevedo (Fernando), Vladimir Brichta (Ary), Aline Moraes (Vera), Camila Morgado (Selma), Alice Assef (Ana), Osmar Prado (Marcos), entre outros.

No Plano da Expressão iremos destacar os indicadores: ambientação, caracterização dos personagens, trilha sonora, fotografia e edição. Todas as quatro histórias que compõem a minissérie se passam em lugares emblemáticos da cidade de São Paulo. Como, por exemplo, a Estação da Luz, a Rua Augusta e o Edifício Copan. As cenas externas são bastante exploradas na trama, grande parte dos acontecimentos das histórias tem como pano de fundo as ruas e bares da cidade. Em contrapartida, locais com apartamentos e casas aparecem com menos freqüência na atração. Ao ser ambientado na metrópole e incorporar a estética urbana as sequências ressaltam o caráter contemporâneo e cotidiano proposto pela minissérie.

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A caracterização dos personagens de Amor em quatro atos não apresenta mudanças significativas ao longo da narrativa e não altera e nenhum fator específico das histórias. Nesse contexto, o indicador apenas reforça aspectos que já compõem as sequências. Como, por exemplo, no episódio Ela faz cinema o figurino da personagem Letícia (Marjorie Estiano) é composto basicamente de camisetas rasgadas, shorts jeans, tênis e botas, ressaltando sua personalidade despojada e aventureira. Já o figurino de Antônio (Malvino Salvador) é constituído de roupas bem simples como camisetas de malha e calça jeans, que muitas vezes estavam sujas por causa do seu trabalho como pedreiro. E, por último, Rafic (Cacá Rosset), como um modesto senhor de meia idade com descendência árabe, vestia peças como coletes de lã, boinas, camisas e sapatos sociais.

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No segundo episódio, como se tratava de um casal de classe média-alta, Lauro (Dalton Vigh) e Maria (Carolina Ferraz), se vestiam com roupas mais sofisticadas como: vestidos de tecido e roupas sociais. Além disso, a personagem estava maquiada durante todas as sequência.

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Já nos dois últimos episódios, a personagem de Aline Moraes veste roupas curtas, com brilho e decote, além de usar salto alto. O figurino vai ao encontro da sua atividade como prostituta na Rua Augusta. Por fim, Ary (Vladimir Brichta), na maioria das cenas se veste com roupa social, de terno e gravata reforçando a sua ocupação como funcionário de uma multinacional em São Paulo.

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No indicador trilha sonora, podemos destacar que o universo ficcional de cada episódio é inspirado e faz referências as canções de Chico Buarque. Nesse sentido, a obra do cantor está presente desde a composição visual dos episódios até os desdobramentos dos acontecimentos narrativos.

Essa questão pode ser observada na música Ela faz cinema, presente no primeiro no episódio homônimo. Além de dialogar com a profissão da personagem Letícia (Marjorie Estiano), a canção também se imbrica com a trama no trecho: “Quando ela mente/ Não sei se ela deveras sente/ O que mente para mim/ Serei eu meramente/ Mais um personagem efêmero/ Da sua trama”. Já que, na história, a jovem mente sobre seu noivado para Antônio (Malvino Salvador) com quem estava se relacionando.

O episódio também é composto pela música Construção, na história Letícia (Marjorie Estiano) está produzindo um clipe para a canção. Além da relação dos protagonistas começar a partir de uma obra no apartamento. Outra clara referência a composição de Chico Buarque, é na cena em que Antônio (Malvino Salvador) cai em uma avenida movimentada para finalizar o clipe de Letícia (Marjorie Estiano), fazendo alusão ao trecho: E flutuou no ar como se fosse um pássaro/E se acabou no chão feito um pacote flácido/ Agonizou no meio do passeio público/ Morreu na contramão atrapalhando o tráfego.

No segundo episódio, temos como tema a música Mil perdões que retrata um amor intenso de duas pessoas que conseguem superar até mesmo uma traição. A situação abordada por Chico Buarque se reflete no arco narrativo central da trama, que também é aborda uma crise conjugal.  A interelação entre as obras fica evidente no seguinte trecho: Te perdoo porque choras/ Quando eu choro de rir/ Te perdoo/ Por te trair.

Já a música Folhetim conta a história do episódio pelo ponto de vista da personagem Vera (Aline Moraes), desde quando Ary (Vladimir Brichta) a conhece e se apaixona em uma noite, até o momento em que ela o abandona de forma fria na manhã seguinte. Esse arco narrativo pode ser observado no trecho: Mas na manhã seguinte/ Não conta até vinte/ Te afasta de mim/ Pois já não vales nada/ És página virada/Descartada do meu folhetim.

Como continuidade ao arco narrativo do episódio anterior, temos a música As Vitrines que encena os desencontros dos personagens Vera (Aline Moraes) e Ary (Vladimir Brichta) pela cidade de São Paulo. A canção também representa a admiração do rapaz ao observar sua amada passar: Na galeria, cada clarão/ É como um dia depois de outro dia/ Abrindo um salão/ Passas em exposição/ Passas sem ver teu vigia/ Catando a poesia/ Que entornas no chão.

Apesar de não interferir diretamente no desdobramento dos arcos narrativos de Amor em quatro atos, a fotografia da minissérie ressalta a trama unitária dos episódios. Isto é, o indicador reforça o caráter procedural dos ‘atos’, já que cada episódio apresenta uma fotografia diferente Em Ela faz cinema, por exemplo, a composição visual é constituída por uma paleta de cores específica, com cores de tons quentes e amarelados. No segundo, observamos a predominância da cor branca nos cenários e nos dois últimos episódios a iluminação faz referência ao ambiente boêmio e noturno dos bares e das boates de São Paulo.

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Por fim, no indicador edição, apesar de cada episódio da minissérie possuir uma temporalidade específica, as tramas seguem a sequência cronológica.Com exceção do terceiro episódio que apresenta um flashback, porém como recurso foi usado de forma pontual não interfere de maneira definitiva na edição.

No Plano de Conteúdo iremos analisar os indicadores: intertextualidade, escassez de setas chamativas, efeitos especiais narrativos e recursos de storytelling. No indicador intertextualidade está presente de maneira pontual da trama, como na sequência do episódio Ela faz cinema em que Antônio (Malvino Salvador) estuda o CD de Chico Buarque para impressionar Letícia (Marjorie Estiano). Além de fazer referência ao compositor que inspirou a minissérie enriquecendo a narrativa, a intertextualidade também contribui para reforçar o universo ficcional da trama.

A produção é norteada pelas setas chamativas, nesse sentido os diálogos dos personagens e os recursos visuais funcionam como uma espécie de cartaz narrativo disposto convenientemente para ajudar o público a compreender o que está acontecimento. Esse aspecto está presente, por exemplo, no primeiro episódio da minissérie em que há a presença de um narrador observador, que explica o que Letícia (Marjorie Estiano) está pensando, sendo que pela simples observação de suas feições o telespectador já chega a tal conclusão. No mesmo episódio temos a inserção de uma legenda para indicar o significado da palavra “cáfila” dita por Rafic (Cacá Rosset) e outra explicando o objeto que Antônio (Malvino Salvador) possuía nas mãos, desta forma os recurso gráficos diminuem o esforço analítico necessário para o entendimento da história.

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Os efeitos especiais narrativos presentes em Amor em quatro atos são fundamentais para os desdobramentos das microestruturas (cena e episódio) e macroestruturas (arco e temporada), entretanto em nenhum momento os recursos fazem com que o telespectador reconsidere todos os acontecimentos anteriores. Desta forma, o clímax e a reviravolta presentes nos episódios apenas seguem o desenvolvimento padrão de uma historia, isto é, adotam uma estrutura dividida em cinco atos: equilíbrio, interrupção, clímax, resolução de conflitos e retorno do equilíbrio.

Essa questão pode ser observada no episódio Ela faz cinema em que o clímax está presente quando os dois protagonistas descobrem que houve mentira de ambas as partes e a partir disso decidem ficar juntos da mesma maneira. Já em “Folhetim”, após uma noite repleta de declarações de amor, Vera (Aline Moraes) abandona Ary (Vladimir Brichta) de forma fria e exige o pagamento pela noite.

Por último, em recursos de storytelling foi possível observar a presença de analepse no episódio Meu único defeito foi não saber te amar, no momento em que Maria (Carolina Ferraz) tenta lembrar em que lugar deixou sua aliança. Entretanto, o recurso é norteado por uma seta chamativa, já que o flashback é apresentado em preto e branco, ressaltando, didaticamente, que a sequência não pertencia à temporalidade presente.

Outro recurso explorado foi uma cena em que aparecem várias mulheres, supondo que Rafic (Cacá Rosset) estaria imaginando a quem pertencia a voz que anunciava a chegada dos trens, pela qual era apaixonado. Porém, a cena não é considerada uma sequência fantasiosa, pois logo que chega ao fim um freguês de Rafic (Cacá Rosset) diz, em tom de brincadeira, que o comerciante estava sonhando acordado. Sendo assim, uma seta chamativa para o telespectador indicando que sequência era fruto da imaginação do personagem.

Por Mariana Meyer

* Todas as imagens da minissérie usadas nesta análise são capturas de tela.

 
Ficha Técnica:

  • Roteiro: Antonia Pellegrino, Marcio Alemão Delgado, Estela Renner e Tadeu Jungle
  • Direção-geral: Roberto Talma
  • Direção: Roberto Talma, Tande Bressane, Tadeu Jungle e Bruno Barreto
  • Período de exibição: 11/01/2011 – 14/01/2011
  • Horário: 23h
  • N° de capítulos: 4

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