Observatório da Qualidade no Audiovisual

Bauducco e TikTok: o desafio da publicidade em um novo espaço comunicacional

Por Davi Barroso

Gerar relações de proximidade entre empresas e consumidores é um dos principais desafios do marketing, sendo essencial para as marcas em tempos atuais. As redes sociais da internet são plataformas privilegiadas para criar e aprofundar essas conexões e tornam-se cada vez mais relevantes no planejamento de mídia das campanhas publicitárias. Novas redes estão sempre surgindo, entre as mais recentes está o fenômeno TikTok. Nesse app, grandes empresas, como a Bauducco, enxergaram uma oportunidade de atingir o público de uma nova maneira e para isso é necessário se adaptar à linguagem, lógica e algoritmo do TikTok. Por outro lado, essa nova realidade da comunicação mercadológica também representa desafios para a educação midiática. “A questão adquire maior relevo diante do papel ativo que o consumidor é instado a assumir na dinâmica da interação em rede. Assim, as reflexões sobre o fenômeno devem não apenas compreendê-lo como alvo dos apelos, mas também como colaborador e mesmo, em certos casos, como produtor de conteúdo mercadológico.” (Torres, 2019) Nesse contexto, nos propomos a analisar os Processos de Interação presentes no perfil da Bauducco no TikTok, abordando a questão da competência midiática, conforme conceituada por Ferrés e Piscitelli.

Para compreender como uma marca adapta sua estratégia publicitária a um novo ambiente digital, é necessário entender a identidade desta empresa e como ela se comunica com o seu consumidor. A história da Bauducco começa em 1952, quando o jovem imigrante italiano Carlo Bauducco vem para São Paulo com sua mulher e filho, deixando toda sua vida na Itália, e abre uma pequena confeitaria no Brás. Foi um grande sucesso! Segundo o site da empresa, todos que provaram da receita de panetone do Carlo “amavam o quitute”. Assim, unindo essa receita especial com o negócio familiar e o espírito empreendedor, em 1962, a Bauducco abre sua primeira fábrica e a partir daí um grande processo de expansão global se iniciou. Hoje a marca está presente em mais de 50 países.

Essa estratégia de envolver o consumidor em uma história emocional e inspiradora é conhecida pelo mercado como storytelling. Ela busca gerar envolvimento afetivo entre consumidor e marca. “As histórias alimentam as Lovemarks. É por meio delas que explicamos o mundo para nós mesmos e atribuímos valor àquilo que amamos.” (Roberts, 2004, p. 88). A narrativa sobre a origem da Bauducco acabou por se tornar parte da essência da marca, uma história comovente sobre família, um sonho improvável e sucesso. De acordo com Jenkins (2009), é uma característica das lovemarks estreitar a fronteira entre conteúdos de entretenimento e mensagens publicitárias. “Sob esta perspectiva, defende-se que mais do que implantar uma imagem na mente do consumidor, as marcas do novo milênio, para sobreviver, precisam gerar conexões profundas com o seu público de interesse, estabelecendo relações de amor e respeito e conquistando investimento emocional”(Torres, 2019, p. 183). Um dos artefatos utilizados pela Bauducco, por exemplo, é um pedaço da “massa viva” que, alegadamente, Carlo trouxe da Itália quando se mudou para o Brasil e que existe até hoje sob os cuidados da empresa. Essa “preciosidade” foi a personagem principal de uma peça publicitária da marca veiculada em dezembro de 2020.

A trajetória de marketing da Bauducco foi se transformando e se adequando a novos contextos com o passar dos anos. Em meados de 1970, depois de significativo crescimento da empresa, sua identidade publicitária firmou-se nas ideias de tradição e família. Em 2020, ela reformulou seu slogan para a campanha de Natal daquele ano pandêmico que passou a ser: “Um sentimento chamado família” (você pode conferir a análise aqui). O Natal é significantemente o período de maior ação publicitária da empresa, devido à grande demanda de panetones e chocotones, produtos mais famosos da Bauducco. Em outras épocas, a marca adapta suas estratégias para ressoar com as demandas daquele momento e, mais recentemente, vem buscando ampliar o seu público. O diretor de marketing da empresa, André Britto, disse em entrevista para a Exame que busca atingir um público mais jovem no marketing digital e também planeja estratégias para romper com a percepção de que é uma empresa tradicional: “A Bauducco é uma marca que tem muita tradição, mas que não queremos que seja vista como tradicional”, informou em outra entrevista para Meio e Mensagem.

Pensando nesses objetivos, uma escolha óbvia é o TikTok, rede social que atrai um público bastante jovem. A maioria, segundo a Shopify, tem entre 16 e 24 anos e 66% tem menos de 30. O app atingiu por volta de 1 bilhão de usuários em 2021, de acordo com o Business of Apps, e foi o mais baixado do mundo naquele ano. Mesmo assim, a rede ainda está conquistando espaço no Brasil e encontrou aqui um mercado muito favorável para novos usuários. Rodrigo Barbosa, Community Manager da plataforma no Brasil, informou ao Canal Tech que a resposta dos brasileiros ao TikTok foi incrível e que “os brasileiros são nossos preferidos”. Podemos ver essa popularidade nos dados de engajamento da rede. Estatísticas do Contraponto Digital apontam que contas com milhões de seguidores no TikTok, em média, possuem um engajamento com o público cerca de 400% maior em comparação com o mesmo conteúdo circulado no Instagram. Aos poucos as empresas estão encontrando no TikTok uma porta de comunicação com os consumidores.

Para compreender os processos comunicacionais que perpassam as diferentes plataformas e as relações estabelecidas com os usuários, podemos utilizar da perspectiva da competência midiática. Segundo Ferrés e Piscitelli (2015), ela envolve o domínio de conhecimentos, habilidades, capacidade crítica e de interpretação dos indivíduos em relação ao consumo e produção de mensagens midiáticas. Eles apontam seis dimensões e seus indicadores que conformam a competência midiática: Linguagem, Tecnologia, Processos de Interação, Processos de Produção e Difusão, Ideologia e Valores e Estética. Nesse texto, vamos focar na dimensão Processos de interação que diz respeito a  “Atitude  ativa  na  interação  com as  telas, entendida  como  oportunidade para  construir  uma  cidadania  mais  plena,  um  desenvolvimento integral,  para transformar o indivíduo e o seu entorno” e o  “Conhecimento   das   possibilidades   legais   de   reclamação   diante   do descumprimento  das  normas  vigentes  em termos audiovisuais, com atitude responsável em tais situações.” (Ferrés e Piscitelli, 2015), entre outras habilidades e conhecimentos.

Relacionando os Processos de Interação com a presença da Bauducco no Tiktok, se faz necessário analisar como foi a adaptação para a nova plataforma, que se iniciou em dezembro de 2020. Consideramos para esta análise o conteúdo publicado até o final da nossa coleta, em 04 de novembro de 2021. Durante esse período, o perfil da marca na plataforma publicou 36 posts. O primeiro, algumas semanas antes do Natal, trata-se de uma parceria com o DJ Dennis na criação de um remix de Jingle Bell. O artista também publicou um vídeo em seu perfil na mesma rede, onde conversa com a câmera e informa que o segredo para viralizar um vídeo é uma boa música, em seguida ele toca a composição.

Campanha  #SeTransporteParaoNatal

A partir desse primeiro vídeo, é lançado o challenge #SeTrasnporteParaoNatal. Em tradução livre, challenge significa desafio. No TikToK, os desafios normalmente são vídeos de coreografias simples e/ou engraçadas ao ritmo de uma música específica, feitos por quem quiser participar e postar. O challenge com o remix do Dennis e Bauducco contou com a participação de diversos influenciadores, que seguem uma narrativa semelhante em cada um dos seus posts individuais, presentes no perfil da Bauducco. A ideia é que ao consumir o panetone, o espírito natalino ganha vida. Nos vídeos, os influenciadores, que se encontram vestidos casualmente em algum ambiente em suas casas, consomem o produto. Em consequência disso, tudo à sua volta se transforma, ganhando decoração natalina, inclusive suas roupas. Assim, se reforça a ligação da Bauducco com a data comemorativa. Alguns desses influenciadores são Maisa, Caio Castro, Pequena Lô, além de outros influenciadores de diversos perfis, desde personalidades famosas do próprio TikTok a ex-bbbs.

Roberts (2004) ao definir lovemarks, aponta uma visão já presente no mercado que valoriza o emocional acima do racional na administração de marcas e no relacionamento com os clientes. “Tal fidelização sentimental tem sido explorada e desenvolvida por diversas empresas por meio de dois processos de gestão de marcas chamados de branding sensorial e branding emocional e, portanto, menos racional e impessoal (CORREA, S. & PEREIRA, M., 2016, p. 6). Assim, podemos identificar a intenção da marca ao utilizar de uma história fantasiosa, emocional e influenciadores jovens nessa campanha para atingir um novo público através do entretenimento. 

Porém, mesmo utilizando de estratégias que seguem a lógica do TikTok, em termos de engajamento, as postagens desse challenge obtiveram pequeno resultado no perfil oficial em comparação com o tamanho da marca e de outros conteúdos publicitários presentes na plataforma. A maioria dos vídeos com a hashtag “Se transporte para o Natal” sequer chegou a 10 mil visualizações. Para se ter uma ideia, uma das principais peças publicitárias utilizadas pela Ruffles no Tiktok (@br_ruffles) – você pode conferir a análise aqui – obteve 26 milhões de visualizações. De qualquer maneira, a Bauducco conseguiu estabelecer algum contato com seu consumidor na sua sessão de comentários, alguns atingindo por volta de 100 comentários por postagem. Ali algumas pessoas elogiaram a marca, seus produtos e procuram se conectar de forma mais próxima com a empresa e com o conteúdo. Já outros internautas destacaram justamente o baixo alcance que a marca tem obtido.

Segundo o diretor de marketing da Bauducco, a estratégia era que com a migração da presença da empresa para o TikTok, seria interessante colocar o consumidor como protagonista nessa relação empresa-consumidor. Foi exatamente isso que procuraram fazer na campanha. No entanto, ela tem ao todo 16 milhões de visualizações, isso contanto os views nos perfis dos influenciadores e dos internautas que decidiram participar do challenge. A hashtag possui ao todo 91 vídeos, ou seja, uma adesão pequena, refletindo que não conseguiram motivar muitos seguidores a envolverem-se no desafio, produzindo os seus próprios vídeos. Vale destacar que entre todos esses 91 vídeos que utilizam da hashtag existem 26 vídeos que não possuem conteúdo algum relacionado a proposta do challenge.

Campanha Cozinha Bauducco

No dia 23 de dezembro de 2020, a marca iniciou outra estratégia publicitária na rede. A nova campanha chamada “Cozinha Bauducco” era composta por vídeos de receitas com ingredientes da empresa. Desta vez, várias postagens não possuem áudio algum, o que nos parece ser um fator essencial para os conteúdos no TikTok. Como apontado pelo DJ Dennis, a música faz parte do DNA dessa rede social. Desse modo, acreditamos que essa questão foi decisiva para que a maioria dos posts não possuíssem nenhum comentário do público e um alcance menor ainda que a campanha anterior, demonstrando a necessidade de compreender e se utilizar da linguagem necessária para uma mídia específica.

Embora as estratégias de marketing para o TikTok não tenham funcionado muito bem, no sentido de que não engajaram o público a participar das ações publicitárias, isso não significa que o consumidor não tenha utilizado da presença da empresa na rede para se manifestar e ocupar um espaço de protagonismo. Na rede podemos encontrar diversos usuários criando vídeos com caráter de denúncia sobre a qualidade dos produtos Bauducco sendo comercializados, cobrando um posicionamento da marca em sua sessão de comentários ou desenvolvendo conteúdo audiovisual próprio sobre esse tema. Uma usuária, por exemplo, publicou sua história pessoal de um caso sério de intoxicação alimentar, segundo ela após consumir um pão de mel da Bauducco que possuía “com teias de aranha e outras coisas desocnhecidas”, fato que acabou chamando muita atenção na rede. 

Também existem vídeos mais leves, onde indivíduos provam produtos bons para consumo e dão sua opinião, relacionando sabor, embalagem e preço. Nesse fenômeno podemos perceber a autonomia desses internautas em relação à comunicação publicitária e habilidades midiáticas na produção de conteúdo sobre consumo. Assim demonstraram uma atitude ativa e crítica perante as telas. É importante esclarecer que mesmo com a imagem de tais produtos, para essa análise o foco é os processos de interação ocorridos entre a marca e seus consumidores na plataforma, não apontar se essas denúncias são verdadeiras ou falsas.

Embora, como já apontamos, o engajamento não tenha ocorrido como planejado pela Bauducco, isso não significa que o público esteja isento de ações persuasivas nas redes, como podemos perceber em outros exemplos publicitários ou nos próprios challenges, que são feitos por milhões de usuários diariamente. Entendemos a partir dessa análise, que o acesso à tecnologia e meios de comunicação possibilita “significativa expansão das possibilidades de qualquer cidadão fazer chegar sua mensagem, pessoal ou coletiva, ao resto da sociedade” (Ferrés e Piscitelli, 2015). Isso reconfigura as práticas tradicionais de publicidade e as perspectivas de produção e difusão dos mais diversos conteúdos midiáticos. O rompimento dos limites entre emissor e de receptor demonstra a crescente importância do desenvolvimento da competência midiática na sociedade contemporânea.

O TikTok, como vimos, é uma nova rede e ainda representa uma mídia desafiadora para a comunicação mercadológica, porém também podemos encontrar campanhas muito bem sucedidas na rede. Naturalmente, aos poucos as marcas vão aprendendo com os resultados obtidos e compreendendo como funcionam as melhores abordagens na rede, desenvolvendo assim, estratégias cada vez mais persuasivas. Dessa forma, faz-se necessário compreender melhor sobre a presença de empresas nas redes sociais, sobre as ações organizadas por usuários nesses ambientes digitais e principalmente pensar no melhor desenvolvimento de ações educativas para a literacia competência midiática. 

Referências

CORREA, Sarah & PEREIRA, Mirna. Branding Emocional: as sensações e emoções despertadas durante a experiência olfativa do consumidor em sua relação com o ecossistema comunicacional da marca Farm. Anais XXV Encontro Anual da Compós, Goiânia, GO, 2016

FERRÉS, Joan & PISCITELLI, Alejandro (2012). La Competência mediática: propuesta articulada de dimensiones e indicadores. Comunicar, Revista Científica de Educomunicación, nº 38, v. XIX, p. 75-82.

ROBERTS, Kevin. Lovemarks: o futuro além das marcas. São Paulo: M. Books do Brasil Editora Ltda, 2004.

TORRES, Letícia. A Construção Colaborativa da Comunicação das Marcas nas Redes Sociais: engajamento, interação e literacia dos media. Tese (doutorado em Comunicação, Arte e Cultura). Universidade do Algarve, Faro, Portugal, 2019.

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