Observatório da Qualidade no Audiovisual

“Em 2030… Como nos lembraremos do Natal deste ano?” uma narrativa fictícia para histórias reais

Por Ricardo Souza

Criada pela AlmapBBDO, a campanha de Natal do Bradesco Seguros em 2020 trata dos desafios, aprendizados e sentimentos vividos nesse ano. Ela é composta por três filmes publicitários com relatos de personagens ficcionais que estão no futuro, mais precisamente em 2030. Eles contam, sob uma ótica pessoal, como foi o Natal de 2020. A campanha foi lançada no YouTube, Facebook e Instagram em formato IGTV, mantendo o mesmo texto de divulgação para todas as redes.

A divulgação da campanha nas redes sociais ocorreu de forma simultânea. O primeiro vídeo foi lançado em 1º de dezembro, o segundo no dia 8 e o terceiro no dia 14. Há ainda um quarto vídeo resumindo as três histórias, com duração de 2 minutos e 22 segundos, que também foi divulgado simultaneamente em todas as redes sociais da marca no dia 18 de dezembro. A campanha conta com legenda em seus vídeos, mas não se mostrou acessível para pessoas com deficiência auditiva na disponibilização de tradução em libras e nem audiodescrição para pessoas com deficiência visual.

“Em 2030… Como nos lembraremos do Natal deste ano?” Essa é a questão levantada pela peça e que nos faz refletir sobre os aspectos únicos que levaram o Natal de 2020 ser tão marcante em nossas vidas. Vivenciar uma das principais datas que promove o sentimento de união, de estar junto daqueles que amamos, em meio a uma pandemia, causa um sentimento conflitante e triste. A marca em sua abordagem, apresenta uma mensagem otimista, promovendo união e amor entre os familiares. Em meio ao caos da situação pandêmica, ela usa dessa estratégia para se relacionar com o público, se identificando e compreendendo as dificuldades dele. Com isso pretende que os consumidores associem esses valores à marca, tornando-a próxima, relevante e memorável em um momento tão delicado na vida de cada um de nós. 

Desse modo, a Bradesco Seguros procurou refletir sobre como foi passar o Natal em meio a essa situação. “Durante este ano, nós nos perguntamos mais de uma vez como será que os nossos filhos vão se lembrar de tudo o que tem acontecido. Esta campanha é uma tentativa de resposta” diz o Diretor de Criação da Almap, Daniel Oksenberg. Fundada em 1983, a Bradesco Seguros pertence ao grupo Banco Bradesco e é hoje a maior seguradora do Brasil segundo pesquisa realizada pelo Datafolha. Pertencendo ao Grupo Bradesco, que possui alcance nacional, a marca afirma seguir os mesmos princípios e valores. Em seu posicionamento busca se apresentar como uma agência popular e presente no dia a dia do público.

Esta análise tem por objetivo buscar entender a construção da mensagem publicitária da campanha com foco na literacia midiática dentro do atual contexto pandêmico. Vamos nos basear nas dimensões linguagem, estética, processos de interação e ideologia e valores (FERRÉS; PISCITELLI, 2015) para fomentar o nosso estudo.

A campanha, como já antecipamos, conta uma história ficcional de três personagens que se passa no ano de 2030. Através da estratégia de discurso testemunhal (BARRETO, 2004), conhecemos Júlia, Gabriel e Francisco, que no ano de 2020 eram muito jovens. Eles relatam como foi o Natal daquele ano em meio aos acontecimentos gerados pela pandemia da Covid-19.

O primeiro relato, seguindo a ordem de postagem pela marca, é o de Júlia. Ela conta que seus pais eram médicos e que por conta da pandemia eles ficaram muitos meses sem se ver. Por ser criança, ela não conseguia entender o motivo disso e então sempre ligava para eles pedindo para voltarem para casa. A personagem então relata o reencontro emocionante pouco antes do Natal. “Eu lembro direitinho de quando a gente se reencontrou. Foi um pouquinho antes do Natal. Quando eles abriram a porta assim, eu saí correndo, pulei e abracei eles muito forte”. Ao final, ficamos sabendo que com o passar dos anos ela entende seus pais e hoje sente muito orgulho deles. Por este motivo, decidiu seguir a mesma carreira.

O segundo relato é o de Gabriel. Ele lembra que era pouco próximo de sua irmã mais nova, mas na quarentena a relação dos dois começou a mudar. Isso porque um dos quartos precisou ser transformado em um escritório, fazendo com que os irmãos dividissem agora o mesmo cômodo. A partir desse fato a relação deles começou a melhorar, pois “conversavam toda noite” e durante o dia só tinham um ao outro para brincar. No Natal, com a aproximação dos dois, um acabou escrevendo uma carta pedindo um presente para o outro. Ele ganhou um carrinho de controle remoto e ela um par de patins. Foi assim que naquele ano se tornaram melhores amigos, para sempre.

Por fim, o terceiro relato é o de Francisco. Ele tinha 15 anos e seus pais haviam se separado. Francisco ficou muito revoltado e acabou descontando tudo em sua mãe. No princípio da quarentena só ficava trancado em seu quarto, porque só conseguia pensar o quanto a separação dos seus pais era “errado”. Ele recorda de ouvir sua mãe auxiliando seus irmãos mais novos a colocar máscara e pedindo silêncio pois ela estava trabalhando de casa. Então, pouco antes do Natal, também ouviu sua mãe chorando sozinha na sala. Ele foi até ela e, enfim, pediu desculpas. Mãe e filho se abraçaram e ficaram assim por um bom tempo. Francisco termina dizendo que foi naquela noite que eles perceberam que tudo ia dar certo.

Ao fim de cada uma das peças uma mensagem surge. A mensagem de Júlia diz: “Para aqueles que, apesar das dificuldades, se superaram para fazer deste ano inesquecível. Que a emoção deste Natal fique para sempre com você”. Já a de Gabriel: “Para aqueles que, apesar das dificuldades, fizeram um ano incrível ao lado de quem amam. Que a união deste Natal fique para sempre com você”. Por último, a mensagem de Francisco diz: “Para aqueles que, apesar das dificuldades, recomeçaram uma nova vida ao lado de quem amam. Que o amor deste Natal fique para sempre com você”. A assinatura da marca encerra todos os filmes, com a logomarca da seguradora e com o slogan “Com você. Sempre”.

É evidente no conjunto das peças o recurso a um forte apelo emocional na busca de gerar identificação com o receptor e sensibilizá-lo profundamente. Apesar da obra narrar acontecimentos ficcionais, eles são muitos semelhantes ao que milhões de pessoas passaram, e ainda estão enfrentando, devido à pandemia. Assim, de certa forma, os três personagens representam os consumidores da marca e suas angústias, mas, como estão no futuro, trazem uma mensagem de esperança – isso vai passar – ao público.

É perceptível na mensagem do texto que cada história enfatiza um sentimento. Na Julia, temos como destaque a “emoção”. Já em Gabriel a “união” e em Francisco o “amor”. Todos esses são valores relacionáveis com o conceito de família, que está ligado ao espírito de Natal e são reforçados na peça por conta do contexto de isolamento em que vivemos, trazendo assim uma forma diferente de ilustrar o amor à família em meio à pandemia. Focando nos sentimentos, a marca usa da estratégia de invocar diferentes tipos de afeto, promovendo uma associação da marca com os mesmos e deixando espaço para que cada um de nós nos reconheçamos naquilo que assistimos. Logo no início, a marca já nos conta que o Natal de 2020 foi diferente e, assim como foi para os três personagens das histórias, cada um de nós viveu a data de forma excepcional e a terá marcada em nossa memória para sempre. Como descreve o seu  diretor de criação, na entrevista citada ao início desta análise, a mensagem da campanha funciona como uma forma de autorreflexão.

A família é um valor celebrado e central na narrativa, que aborda relações que vão de filho para os pais e irmão para irmão. As situações são variadas e apenas somos apresentados a um membro de cada família, o que nos permite inferir alguma pluralidade nas representações familiares. Mas não há uma exposição explícita de uma maior diversidade, não é possível identificar de forma clara, por exemplo, famílias homoafetivas, famílias de filhos criados por avós ou com filhos adotivos. Como as formações familiares mais tradicionais estão consolidadas no imaginário da população, a campanha não contribui para uma reflexão mais alargada do conceito de família. 

A narrativa apresentada de forma documental é extraída da ideia de passar uma verdade naquilo que os personagens estão falando (MOREIRA, 2018). Como recurso estético é efetivo, pois atribui uma carga emocional maior aos personagens, que se encontram todos sentados. Com poucos planos e alguns closes, somos introduzidos às histórias de forma íntima, como se os personagens falassem diretamente com a gente.

Apostando em um conteúdo afetivo, a campanha respalda-se em um apelo emocional na criação de uma mensagem de reforço positivo e de fácil identificação com o público. A situação apresentada, sendo a memória de um contexto pandêmico, é por si só uma lembrança emocionante. O ano de 2020 foi difícil em escala mundial para todos nós, individualmente e coletivamente. Sendo assim, temos uma tipologia da linguagem publicitária testemunhal, que reforça a emoção na tentativa de criar vínculo com seu público através das três histórias de “pessoas comuns”.

 A linguagem é empregada em forma de relatos, que acabam por reforçar a mensagem positiva e emotiva da peça, além de atrair o público pelo lado sentimental do contexto da história. Conseguimos então, através dessa competência, compreender a estratégia criativa da marca de estabelecer um diálogo entre as três histórias e a vivência do público.

A interação gerada entre marca e público, como esperado, foi de comoção em relação às narrativas. As pessoas, em todas as plataformas em que as peças foram publicadas, comentaram o quanto a publicidade é emocionante e bonita, porém sem explicitar se houve uma identificação com as histórias apresentadas, como ocorreu em outras campanhas de Natal analisadas pelo nosso grupo de pesquisa. Como podemos perceber nos exemplos abaixo, captados no perfil da Bradesco Seguros em seu Instagram, Facebook e no vídeo do YouTube:

Há então a apreciação da mensagem e entende-se que a marca conseguiu atingir seu objetivo de transmitir seus valores para o público. Assim ela “ensina” aos consumidores o seu posicionamento, o que necessariamente não precisa estar ligado às práticas concretas da marca no mercado, mas como ela deseja ser vista. (RIES; TROUT, 2009). Por outro lado, mesmo com o reconhecimento da qualidade da comunicação pelo público, a campanha não motivou na audiência o compartilhamento de suas próprias histórias. Dessa forma, nos processos de interação não se verificou uma ampliação do discurso da marca sobre o Natal 2020, através da colaboração dos consumidores.

A marca usa de apelos emotivos de forma exacerbada com a intenção de afetar o seu público em um período de vulnerabilidade e sensibilidade. Usando dessa estratégia comum no meio publicitário, principalmente em datas comemorativas como o Natal, a Bradesco Seguros passa a mensagem de otimismo e esperança, buscando transmitir seus valores para os consumidores. O desenvolvimento das competências midiáticas voltada à comunicação mercadológica é importante diante de campanhas publicitárias como essa, para que possamos compreender os métodos de persuasão com discursos que podem ser emotivos, como no caso analisado, ou racionais, mas que sempre têm como finalidade provocar uma ação do espectador que atenda aos objetivos de marketing da marca.

Referências

BARRETO, R. Criatividade em propaganda / Roberto Menna Barreto. – 12. ed. — São Paulo : Summus, 2004

FERRÉS, J.; PISCITELLI, A. Competência midiática: proposta articulada de dimensões e indicadores. Lumina, v. 9, n. 1, 30 jun. 2015. Disponível em: https://bit.ly/36ikXzZ 

MOREIRA, R. Cinema Documentário: algumas considerações. Revista Memento, v. 9, n. 1, 2018. Disponível em: <http://periodicos.unincor.br/index.php/memento/article/view/4949>. Acesso em: 19 Feb. 2021.

‌RIES, A.; TROUT, J. Posicionamento: a batalha por sua mente. 1. ed. São Paulo: M. Books, 2009.

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