Observatório da Qualidade no Audiovisual

Games

Dentre os canais no YouTube voltados ao público infantil, a categoria que apresenta o maior número de canais é a relacionada aos jogos. Já sabemos que, como plataforma de upload de vídeos, o YouTube se mostra como uma rede social democrática em que, para publicar um novo conteúdo, o usuário precisa apenas de um arquivo em vídeo, uma conta no YouTube e uma conexão à internet.

No entanto, no caso dos canais de jogos, para a produção do vídeo, o usuário não precisa nem dispor de uma câmera, mas, principalmente, de um bom microfone e um screencast – um software de captura de tela, que grava tudo o que está sendo reproduzido no monitor.

Assim, o usuário é capaz de gravar o seu próprio gameplay que, em termos gerais, consiste na transmissão de uma partida de um determinado jogo, gravado ou editado. 

Nesta análise, foram observados os vídeos mais populares de cinco dos principais canais no YouTube da categoria: rezendeevil, AuthenticGames, TazerCraft, Coisa de nerd e BRKsEDU. Os cinco vídeos escolhidos somam juntos mais de 130 milhões de visualizações – e contando mais a cada dia. Uma observação interessantes desde já é que o vídeo postado em data mais recente é de 2016 e, ainda assim, recebem visualizações novas todos os dias, ressaltando o caráter atemporal do YouTube. Cada vídeo foi ressignificado de lançamentos, à época do upload, para “pérolas nostálgicas”, fazendo parte do imaginário coletivo de todos que acompanharam o crescimento dos canais abaixo citados. 

O conceito de gameplay

Antes da análise propriamente dita, vale uma pequena reflexão sobre o conceito de gameplay. Podendo ser traduzido apenas como “jogabilidade”, Vanucchi e Prado (2009) traçam um panorama sobre a discussão do termo e entendem que gameplay “emerge das interações do jogador com o ambiente, a partir da manipulação das regras e mecânicas do jogo, pela criação de estratégias e táticas que tornam interessante e divertida a experiência de jogar”. (VANUCCHI; PRADO, 2009, p. 138).

Ou seja, ao fazer transmissões, os usuários da rede apresentam diferentes interações pessoais com o ambiente do jogo, aplicando suas próprias estratégias e táticas e apresentando a quem assiste ao conteúdo tutoriais ou novos jeitos de explorar determinado jogo.

A partir desse entendimento, iniciamos a análise da qualidade dos canais já citados, mencionando as particularidades de cada um. 

MINECRAFT vs POKEMON GO : GIGA PIKACHU VS REZENDE !!! – rezeendevil

Com mais de 25 milhões de inscritos em seu canal, Pedro Rezende iniciou sua carreira no YouTube com a transmissão de gameplays do jogo Minecraft, jogo do tipo sandbox, independente e de mundo aberto, desenvolvido em 2009 por Markus “Notch” Persson e adquirido pela Microsoft em 2014. 

O vídeo analisado está no ar desde outubro de 2016 e já acumula mais de 28 milhões de visualizações. Nele, o youtuber apresenta uma história dentro do jogo que aproveita a popularidade do jogo para mobile Pokémon Go (jogo de realidade aumentada desenvolvido entre as empresas Niantic, Inc., Nintendo e The Pokémon Company), na época, recém-lançado no Brasil.

Observando que o Minecraft encontrou grande popularidade no público infantil, como consequência, o mesmo aconteceu com o vídeo de Rezende. Durante a transmissão, o youtuber demonstra cuidado com a linguagem utilizada e apresenta uma história consistente, mas que não se enquadra enquanto narrativa útil, preocupada em desenvolver aspectos cognitivos ou estimular a curiosidade do público infantil. 

Ainda assim, a transmissão cumpre seu papel de apresentar possibilidades de jogo de maneira simples, estimulando a interação entre outros jogadores a partir do conteúdo e da criação de suas próprias narrativas dentro do universo do Minecraft.

No entanto, ao observar o canal como um todo, é necessário destacar a brusca mudança na sua produção de conteúdo. Atualmente, Pedro Rezende abandonou a produção de gameplays e publica uma média de quatro vídeos diários, produzindo quadros de brincadeiras na casa onde mora, em Londrina, com um grupo de meninos e meninas. O conteúdo atual é voltado para um público adolescente ou jovem. 

Minecraft Música ♫ – COM MEUS AMIGOS | Animation Minecraft (Feat. Brancoala) – AuthenticGames

O canal AuthenticGames, apresentado por Marco Túlio, acumula 17 milhões de inscritos e também é um caso de popularidade a partir da transmissão de gameplays do jogo Minecraft e, ao contrário do canal rezendeevil, segue produzindo vídeos dentro do mesmo universo e voltado ao mesmo público. Desde a descrição do canal, Marco Túlio explicita o direcionamento de seu conteúdo para crianças de todas as idades.

O vídeo destacado é um videoclipe em animação enviado em agosto de 2015, que tem como tema central o próprio jogo, com quase 60 milhões de reproduções na plataforma. 

A letra aborda a rotina dos jogadores e todas as possibilidades de aventuras que a plataforma permite. Novamente, existe um cuidado notável com a adequação de linguagem, mas o principal destaque são as estratégias de identificação com o público. Ao transformar em música a narrativa central do jogo, o canal cria um subproduto do gameplay, e reforça a comunidade de fãs através da identidade. 

MORREMOS DE SUSTO! – Five Nights at Freddy’s MULTIPLAYER! – TazerCraft

O canal TazerCraft também se apropria do jogo Minecraft para explorar uma infinidade de modificações (apelidadas pelo universo gamer de mods) e customização da experiência do jogador. 

No vídeo analisado, a dupla Pac e Mike, que acumulam mais de 11 milhões de inscritos, apresentam a modificação inspirada no jogo Five Nights at Freddy’s, desenvolvido por Scott Cawthon, em um clássico gameplay, em que não há roteiro e os youtubers interagem entre si durante o desenrolar do jogo.

A proposta do vídeo, reproduzida quase 30 milhões de vezes, é registrar principalmente as reações dos gamers durante a primeira vez em que jogam a partida juntos, que consiste originalmente em um game do gênero survivor horror e point-and-click em primeira pessoa que, vale destacar, possui classificação indicativa para maiores de 12 anos por conta de violência e conteúdo impactante. Importante ressaltar que, em nenhum momento, esse aviso é observado e descrito pelos youtubers. 

O vídeo cumpre sua função de apresentação do universo e objetivos do jogo e serve também  como demonstração publicitária, já que indica os canais em que o usuário pode adquirir o jogo. 

De um modo geral, foi possível observar que dentro do formato clássico de transmissão de jogos, alguns indicadores de qualidade, como a qualidade artística e diversidade de fontes e sujeitos, não se aplicam à produção do conteúdo.

A transmissão de gameplays é um produto nativo do YouTube enquanto troca de informações e experimentações dentro do universo do jogo que, como visto anteriormente, se baseia na apresentação de táticas e estratégias de um jogador e o modo com que interage particularmente no ambiente do jogo. 

EVOLUINDO! – Spore (Parte 01) – Coisa de nerd

O canal Coisa de Nerd é apresentado pelo casal Leon e Nilce, acompanhados por quase 10 milhões de inscritos. Além da transmissão de gameplays de jogos diversos, o casal apresenta quadros sobre curiosidades, vlogs e outros conteúdos relacionados ao universo geek.

O vídeo analisado é o primeiro de uma série de gameplays do jogo Spore, desenvolvido pela Maxis Software e distribuído pela Electronic Arts. O objetivo do jogo, lançado em 2008, é controlar a evolução de uma espécie através de cinco estágios.

A transmissão de Leon e Nilce foi publicada no YouTube em agosto de 2014, conta com mais de 8 milhões de visualizações e mostra o casal iniciando uma aventura dentro do jogo, durante o primeiro estágio.

Assim como a transmissão do canal Tazercraft, o conteúdo é voltado para a apresentação de possibilidades de maneira explicativa, em que os youtubers fornecem uma espécie de tutorial para seu público. 

A linguagem é cuidadosamente observada, já que o jogo se destina a públicos de todas as idades, enquanto os youtubers estimulam a imaginação através das possibilidades de evolução genética dentro do jogo.

Apesar de todo cuidado e adequação ao público infantil, o próprio conteúdo não deixa de se enquadrar enquanto exposição publicitária, também contendo links para canais de aquisição.

GTA V #11 – Sem Spoilers: Exploração Noob! (GTA 5 em Português PT-BR) – BRKsEDU

O vídeo mais popular do canal BRKsEDU, que reúne mais de 8 milhões de inscritos em seu canal, formado apenas por transmissões de jogos diversos e resenhas, é o 11º vídeo publicado em 2013 sobre o jogo GTA V, poucos meses após seu lançamento oficial. 

Visto quase 10 milhões de vezes, o vídeo mostra Edu em uma exploração de mapa, sem seguir nenhuma missão proposta pelo jogo, que possui classificação indicativa não recomendada para menores de 18 anos, por conter conteúdo sexual, drogas e violência.

Apesar da recomendação, o jogo foi recorde de faturamento e alvo de muita polêmica, por unir liberdade narrativa em um ambiente dinâmico com múltiplas possibilidades de escolhas violentas, criado pela Rockstar.

Mais uma vez, o debate sobre a violência e conteúdo explícito não está presente no conteúdo disponível no YouTube, que apresenta o mapa conversando diretamente com usuários curiosos, mas que já conhecem o universo do game em questão.

O youtuber comenta as diferenças entre versões de mapas dos jogos, referências utilizadas na construção e curiosidades sobre a jogabilidade e o mapa, em uma conversa com o usuário que ainda não adquiriu sua versão do jogo. O vídeo é o mais longo de todos analisados, com quase 30 minutos de transmissão e, ainda assim, altamente popular. 

Por isso, mais uma vez, entende-se que alguns dos indicadores de qualidade não podem ser aplicados ao conteúdo de transmissão de jogos, porque, apesar da função de entretenimento de forma secundária, servem para uma exploração de possibilidades e avaliação do jogo enquanto consumidores especialistas.

Apurando a qualidade dos conteúdos gamers

A aplicação da metodologia de análise dos parâmetros de qualidade desenvolvida neste processo de pesquisa, adaptados dos parâmetros propostos por Borges (2014) e Oliveira (2018)  pode ser resumida da seguinte maneira: 

Agenciamento – Quem comunica, o quê?

Todos os canais possuem títulos claros, utilizam palavras-chave e descrições relacionadas ao conteúdo do vídeo e indicação de mais conteúdos do próprio canal. O curioso é observar que o mais recente de todos os vídeos analisados foi publicado em 2016.

Categorias – Que tipo de texto é este?

Os conteúdos sobre jogos variam desde as transmissões de partidas sem roteiro prévio, criação de narrativas dentro do universo ficcional e criação de subprodutos, como clipes musicais. 

Técnicas – Como se produz?

Como observado no início deste texto, o mais importante para a produção é o screencast e um bom microfone. Por conta disso, os vídeos mais populares possuem boa qualidade visual e sonora, poucos se valem de videografismos, mas, quando utilizados, estão presentes em vinhetas de abertura ou encerramento do vídeo. 

Linguagem – Como sabemos o que significa?

A exploração do universo dos games permite a criação de narrativas envolventes, criativas e originais, mas isso depende do objetivo do criador de conteúdo. Em sua maioria, os gameplays são representados enquanto resenhas, sem roteiro ou preocupações artísticas, podendo ter ligação enquanto estratégia publicitária direta ou não, mas sempre estimulando a participação ativa do público, já que consiste em um conteúdo nativo do YouTube. 

Representação – Como representa os temas?

De um modo geral, todos os vídeos analisados não promovem debates sobre temas relevantes e não aprofundam a análise dos jogos para além da jogabilidade dos mesmos. Alguns canais, por estarem conscientes da atração do público infantil, observam cuidados com os jogos escolhidos, temas expostos e linguagem adequada, mas não seguem uma regra geral. 

Público – Quem recebe e que sentido dá?

Todos os vídeos analisados possuem o recurso de comentários ativo e, portanto, contam com a interação ativa do público na construção de sentido enquanto rede social. Como já observado, os conteúdos analisados foram publicados entre 2012 e 2016, portanto, já sofreram ressignificações, passando de estreias e análises atuais para objetos de memória e nostalgia. Em todos os vídeos, há comentários que rememoram a época em que os usuários reproduziram o conteúdo pela primeira vez e a identificação de demais usuários que têm os conteúdos como objetos de afeto. 

REFERÊNCIAS

BORGES, Gabriela. Qualidade na TV pública portuguesa: análise dos programas do canal

  1. Editora da UFJF, 2014.

OLIVEIRA, Daniela de. A qualidade audiovisual e a competência midiática na formação do olhar do público infantojuvenil. 2018. Dissertação (Mestrado) – Curso de Comunicação, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2018.

VANNUCCHI, Hélia; PRADO, Gilbertto. Discutindo o conceito de gameplay. Texto Digital, v. 5, n. 2, p. 130-140, 2009.

Observatório da Qualidade no Audiovisual

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