Observatório da Qualidade no Audiovisual

#MeChamaDeBruna

#MeChamadeBruna é um seriado lançado pela FOX, em sua plataforma e canal pago FOX Premium, com oito episódios em cada uma de suas duas temporadas. A trama, que conta a história de Raquel Pacheco, a “Bruna Surfistinha”, foi realizada em parceria com a produtora TVZero, que também produziu o filme biográfico “Bruna Surfistinha” em 2011.

As duas produções são inspiradas na história real de Raquel Pacheco, uma garota de classe média que sai da casa de seus pais com a ideia de ser independente. Para isto, busca seu sustento através da prostituição e, aos 17 anos, passa a viver em um privê mesmo tendo uma família influente e direito a tudo que uma garota da sua idade deseja. Esta história também foi contada pela própria na trilogia literária “O doce veneno do escorpião”, “Na cama com Bruna Surfistinha” e “O que aprendi com Bruna Surfistinha”.

No entanto, ​a série, com a direção geral de Marcia Faria, faz um recorte bastante claro da história de Raquel (Maria Bopp), começando na chegada da garota, ainda menor de idade, na casa de prostituição de Stella (Carla Ribas). Buscando reproduzir a transformação da personagem na ex-garota de programa mais conhecida do País, o retrato explorado pela trama dá ênfase aos conflitos internos e externos que rodam o prostíbulo.

Com menos glamour, consegue-se perceber ao longo dos episódios a discussão do drama das mulheres trabalham nestas casas, que têm seus sonhos, sentimentos e familiares, mas, que diferente de Bruna não estão confortáveis em exercer a profissão. Outras questões tratadas são a criminalidade presente nos prostíbulos, em que policiais querem tirar proveito do negócio, além do preconceito à profissão, aborto, abuso, conflitos, traições e brigas de família.

A primeira temporada, de subtítulo A série da Bruna Surfistinha, tem em seu elenco Nash Laila, Luciana Paes, Susanna Kruger, Stella Rabello, Jonathan Haangensen, Rodrigo Garcia e Perfeito Fortuna. Uma segunda temporada foi concluída em dezembro de 2017, com o subtítulo Te conto tudo.

Nesta análise sobre a qualidade da série, no Plano da Expressão, destacamos os seguintes indicadores: ambientação, caracterização dos personagens, trilha sonora, fotografia e edição.

#MeChamaDeBruna é ambientada em São Paulo e está alicerçada no estereótipo de uma metrópole, a velocidade impelida as pessoas bem como a liquidez das relações são exploradas. O contexto em que está inserido o prostíbulo de Stela colabora para a verossimilhança da série, sendo este o primeiro local a contratar Raquel, até então, menor de idade, para se prostituir. O ambiente é escuro, sem luxos, com quartos simples, em diversos momentos sujos e hostis. Ao passo que a euforia e o desejo provocados danceterias e festas promovidas por pessoas de classes mais altas contrapõe a melancolia retratada nas casas das famílias das garotas de programa, principalmente no caso de Jéssica (Nash Laila), moradora de uma favela.

Quanto à caracterização dos personagens, a série busca reproduzir a transformação de Raquel na ex-garota de programa mais conhecida do país. Maria Bopp, escolhida para interpretar a protagonista, tem um corpo magro. Os figurinos não exploram a sensualidade e sim a juventude da garota, que, em boa parte das cenas, está sem maquiagem, usando roupas simples como blusas de manga curta, shorts e calças jeans.

Por outro lado, a cafetina Stella, busca imprimir uma imagem forte e machista. Além do tratamento indelicado com as contratadas, o figurino da personagem utiliza sempre o estilo gótico com tons de preto também na maquiagem, além de pulseiras, cordões e tatuagens relacionadas ao rock.

Também relacionada ao rock, a trilha sonora da série tem a música “Dei um beijo na boca do medo” de Simone Mazzer como tema de abertura. Com arranjo forte, a letra se relaciona à fase da vida de Raquel explorada pela série, uma vez que as duas tratam de uma fuga e busca por um novo espaço. Esta ideia está nítida no trecho da canção “Dei um beijo na boca do medo e saí por aí/Pela noite tão longa/Passei por terreiros iluminados, na rodoviária/Meu mundo caiu”.

A fotografia de #MeChamaDeBruna procura trazer o realismo para dentro do visual dos personagens e do ambiente em que vivem. É predominante o uso de tons sombrios, dramáticos e crus, além de movimentos e ângulos de câmera que proporcionam sombras. Esses recursos transportam o telespectador para os sentimentos de medo, melancolia vividos por Bruna e suas colegas de profissão no privê.

Nas cenas de sexo, em vez da sensualidade da luz vermelha, expressões de prazer acentuadas em slow-motion ou uma câmera voyeur, temos a jovem Raquel tirando a roupa, sem jeito, na penumbra de um quarto simples com a palidez de seu rosto moreno claro sem maquiagem. Sendo assim, estas sequências têm uma função dramática na série e se distanciam da interpretação de prazer, sendo uma relação entre necessidade, dor e amor.

De forma não-linear, a edição da série mostra o amadurecimento e criação de Bruna Surfistinha no meio da prostituição, além dos conflitos externos das colegas de profissão e do próprio prostíbulo em que trabalha. Identificamos também o uso de flashbacks para recuperação de acontecimentos importantes da vida da personagem.

Antes da abertura de cada episódio, é exibido um pequeno relato de Bruna no formato de um vlog, contando experiências de vida ou explorando partes do seu corpo seminu. Estas sequências estabelecem uma correlação com a forma como a jovem se tornou famosa, através do compartilhamento de histórias pessoais e com clientes na internet.

Na abertura, propriamente dita, temos vários recortes de cenas da série explorando as personagens, nudez, armas, com filtros roxos e azuis além de imagens da vida noturna da cidade de São Paulo em ritmo acelerado.

No Plano do Conteúdo iremos destacar os seguintes indicadores: intertextualidade, escassez de setas chamativas, efeitos especiais narrativos, recursos de storytelling e transmedia literacy.

Dirigida por Marcia Faria, diretora experiente em cinema, #MeChamaDeBruna conta com diversas intertextualidades vindas desta área. Além das referências indiretas ao filme “Bruna Surfistinha”, protagonizado por Deborah Secco, percebemos cenas de orgia inspiradas em “De olhos bem fechados” (Stanley Kubrik), como a sequência de sexo grupal em um cenário vermelho presente no Episódio 6.

As setas chamativas são usadas em vários pontos da trama, auxiliando o telespectador a identificar as angustias e acompanhar o amadurecimento da protagonista. O relato em formato de vlog exibido antes da abertura tem esta função. Como citado anteriormente, os flashbacks são utilizados para auxiliar o entendimento de situações da vida atual de Bruna e seus conflitos familiares.  Neste sentido, o indicador escassez de setas chamativas não foi identificado na série.

A história apresenta reviravoltas e clímax, porém nenhuma destas obriga o telespectador a reconsiderar tudo o que lhe foi apresentado até então. Mudanças de formato também não são observadas, ocorrem de forma pontual como no Episódio 3 quando todos os personagens cantam uma música que retrata a situação de vida de cada um. Portanto, o indicador de efeitos especiais narrativos também não foi identificado.

O principal recurso de storytelling utilizado pela série são os flashbacks. Estes fazem um panorama da vida de Bruna, trazendo inclusive imagens da atriz Maria Bopp em sua infância, como no segundo episódio, com reflexões em off de Raquel sobre os motivos que levaram sua vida até a prostituição.

O lançamento da série se deu no canal premium da programadora FOX, o FOX+ e sua respectiva plataforma de vídeos sob demanda, FOX Premium. As ações transmídia propostas se concentraram no canal FOX Premium Brasil no YouTube e na plataforma sob demanda FOX Play, aberta a assinantes não-premium.

Para o canal do YouTube, foram divulgados dois trailers da série, vídeos com perfis dos personagens, bastidores das gravações, o encontro de Maria Bopp com Raquel Pacheco e um countdown para a estreia da série.Também foi desenvolvida uma série de 4 vídeos de cerca de 2 minutos chamada “Meu lugar no privê” onde as atrizes interpretando suas personagens apresentavam os cenários onde são atendidos os clientes.

Na plataforma FOX Play e também exibida no canal standart FX, o telefilme no estilo documentário #MeChamaDeBruna: Verdades e mentiras reúne atores, pessoas reais e especialistas que mostram os bastidores da série #MeChamadeBruna. Contando com cenas inéditas, entrevistas, bastidores da série e depoimentos sobre o mundo da prostituição, o especial trata especialmentedas motivações de Raquel Pacheco, sua exposição na mídia, as reações da família e os desafios de Maria Bopp para interpretar Bruna.

Nesse sentido, o especial e os conteúdos extras como os vídeos de perfis de personagens, bastidores de gravação e a websérie “Meu lugar no privê” dialogam com o conceito de transmedia literacy. O especial contribui para o conhecimento novas perspectivas da história, a realidade da prostituição no Brasil além de explanar sobre como a série foi produzida. Os conteúdos extras também possibilitam o público, conhecendo mais detalhes da trama, aprofundar-se no universo da protagonista e correlacionando ficção e realidade. Sendo assim, o indicador de transmedia literacy foi observado, pois, nesta ação, o telespectador é instigado a fazer uma leitura diferenciada tanto sobre as temáticas quanto do processo produtivo da série.

Por Léo Lima

 
Ficha Técnica:

  • Criação: Gabriela Amaral Almeida, Marco Dutra, Hilton Lacerda e Márcia Faria
  • Direção-geral: Márcia Faria
  • Produção: TVZero
  • Co-produção: FOX InternationalChannels Brasil
  • Número de episódios: 16

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