Observatório da Qualidade no Audiovisual

Muleke Brasileiro

  • Artista: Glória Groove
  • Álbum: O Proceder
  • Data de lançamento: 2017
  • Gênero: Hip-Hop/Rap
  • Categoria: Narrativa/Indústria

Por Paulo Medeiros

Glória Groove, ou Daniel Garcia, como a drag se chama realmente, iniciou a carreira musical logo cedo, com influencias de sua mãe, que também é cantora. Em 2002, participando da nova formação do grupo Balão Mágico, ele começou a dar os passos em direção mainstreaming. Daniel já integrou programas e novelas, como Jovens Talentos, do Raul Gil e a novela Bicho do Mato, na RecordTV. Posteriormente, ele se dedicou a dublagem, dando voz a personagens de Hannah Montana e Power Rangers, por exemplo. Em 2014, ao assistir RuPaul’s Drag Race, competição entre drag queens, o cantor se encontra como artista e decide qual caminho quer realmente seguir. “Nunca me encaixei e me enxerguei dentro do que as pessoas esperavam para mim. Quando se olha, não se sabe se é homem, mulher, meio do caminho, se chama de ele ou de ela. Ser drag me permitiu me ver pela primeira vez como artista. Ali dentro, posso explorar o que quiser”, disse Glória em entrevista.

Em fevereiro de 2017, ela lança seu primeiro álbum “O Proceder”, cuja as letras são baseadas em suas vivências enquanto homem gay e drag queen que viveu na periferia. Com cinco singles, “Dona”, “Império”, “Catuaba”, com participação de Aretuza Lovi, “Gloriosa” e “Muleke Brasileiro”, o disco de estreia da artista foi considerado um sucesso nas paradas, com músicas e videoclipes com milhares de visualizações nos streamings e plataformas de vídeo.

Após grandes lançamentos anteriores, Glória finaliza a divulgação de seu disco com o videoclipe de “Muleke Brasileiro”. O vídeo é ambientado em uma praia deserta no litoral de São Paulo. Nela, Glória caminha com um sorveteiro e também dança com um grupo de dançarinos na areia. Além deste, observamos outro cenário no do clipe, quando a drag aparece deitada numa espécie de cama cheia de bananas, provavelmente gravado em estúdio.

Não possuem efeitos sonoros na faixa de áudio do videoclipe, somente a própria música. No âmbito da fotografia, a paleta de cores de algumas das roupas usadas por Glória se difere dos demais integrantes do vídeo, suas roupas possuem cores com tons diferentes, para que o contraste seja mais visível entre a cantora e os dançarinos. O amarelo, cor presente também na bandeira do Brasil, foi bastante explorada pela artista e sua equipe, ela esteve presente em quase todas as roupas de Glória. Entretanto, apesar de se passar numa praia, o videoclipe foi gravado num dia nublado, como mostra na imagem abaixo.

A edição do videoclipe é pensada para trazer ritmo ao vídeo como um todo, ou seja, para que a música combine com os visuais. O recurso de câmera em movimento é usado em quase todo o vídeo, de forma que as cenas pareçam mais fluidas e contribuindo para a ideia de movimento também, visto que quase todo o clipe possui coreografia. Mesmo nos momentos que a drag não se movimenta muito, que é quando está deitada em cima das bananas, por exemplo, a câmera ainda assim se movimenta de cima para baixo, se aproximando da cantora. Além disto, pode-se ver também que a equipe fez o uso de drone, pois no resultado final do videoclipe vemos imagens aéreas de Glória e dos dançarinos.

Em “Muleke Brasileiro”, Glória se interessa por um rapaz que acabou de ver, “Quem é esse cara? Que quando ele chega meu coração dispara, olhos nos meus olhos, despertou minha tara”. Neste contexto, o tema central do vídeo é a busca de Glória por esse rapaz. Porém, no clipe, o rapaz mostrado que até então é o “Muleke Brasileiro”, só aparece uma vez, em uma cena, sozinho, saindo da água. Os outros momentos são de Glória interagindo com a câmera e dançando.

É interessante se atentar também na representação de estereótipos que estão presentes no videoclipe, pois o “Muleke Brasileiro” é representado por um homem branco. O nos faz refletir sobre o que é ser um Muleke Brasileiro, visto que a palavra “muleke” geralmente é associada a um rapaz mais novo, entrando na fase adulta, muitas vezes malandro, como a própria cantora retrata em “E olha que eu prometi pra mim, que não ia me deixar levar assim, cair nos encantos desse malandrin, mas se ele chega junto eu vou até o fim, eu tô afim”.

Glória, conhecida por cantar sobre suas vivências enquanto uma drag queen e homem gay, ousou ao trazer, no âmbito da originalidade, o videoclipe para, talvez, sua música mais diferente do álbum como um todo, pois possui uma pegada de reggaeton e, para a própria, em entrevista para o G1, é vista como “a tacada mais pop da minha carreira”.

A inovação trazida pela cantora é interessante de ser refletida, pois está correlacionada ao desenvolvimento do storyline do vídeo. Por ser uma música que retrata um estereótipo brasileiro, a cantora e sua equipe se preocuparam em tentar exprimir ao máximo elementos do Brasil, como as roupas coloridas, em especial o uso do amarelo, também explorado na escolha das bananas, que é uma das frutas mais consumidas e conhecidas do país, e a praia também que também é outro elemento, visto que ela é cenário principal do vídeo. Portanto, além disso, estes elementos citados também fazem parte do indicador de intertextualidade, levando em conta que são referências que nos remetem a algo, no caso o Brasil, em especial o “Muleke Brasileiro” e sua brasilidade.

Todos estes elementos, sejam estéticos ou narrativos, estão associados a qualidade artística do videoclipe, pois os elementos utilizados transmitem realmente uma parte da ideia do que é ser um Muleke Brasileiro. Além de trazer Glória sensualizando na praia, seja para o muleke ou para a câmera, no caso o espectador, enquanto canta suas rimas.

REFERÊNCIAS

OLIVEIRA, Rebeca. Gloria Groove diz que a cultura drag no Brasil ainda precisa de valorização. 2016. Disponível em: <https://bit.ly/3nk6zgN>

G1. Glória Groove lança clipe para ‘Muleke Brasileiro’. 2017. Disponível em: <https://glo.bo/2GiUMPh>

SOARES, T. A estética do videoclipe. João Pessoa: Editora Universitária, 2013.

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