Observatório da Qualidade no Audiovisual

Os Normais

Dos criadores Jorge Furtado, Alexandre Machado e Fernanda Young, Os normais é uma série brasileira exibida pela Rede Globo de Televisão. No ar por três temporadas, a sitcom estreou em 1º de junho de 2001, e trazia nas noites de sexta-feira o cotidiano de Rui (Luiz Fernando Guimarães) e Vani (Fernanda Torres), um casal de noivos que há cinco anos vivia uma vida “normal”, com mal-entendidos, brigas, confusões e reviravoltas, como todo casal da vida real. Com a direção geral de José Alvarenga Jr., Os Normais exibiu 71 episódios e ficou no ar até 3 de outubro de 2003. Três anos mais tarde foi lançada na mesma emissora de TV a série Minha Nada Mole Vida, com os mesmos criadores, diretores, formato e ator principal, que também abordava o cotidiano dos personagens, mas agora o de Jorge Horácio (Luiz Fernando Guimarães) com a ex-mulher e o filho.

Aparentando ser um típico casal de classe média, na faixa dos 30 anos de idade, Rui e Vani são, na verdade, cheios de manias, preconceitos, paranoias, superstições e falhas de caráter, características que colocam em cheque a ideia de casal perfeito e pessoas normais.  O programa usa frequentemente a metalinguagem e os protagonistas falam direto com o espectador, interferindo no episódio e pedindo a aparição de “mini-flashbacks”.

No Plano da Expressão, os aspectos destaques são a vinheta do programa, a linguagem e o cenário. Na abertura do seriado, a canção de fundo “Doida Demais”, interpretada por Lindomar Castilho, compõe uma sequência de fotos aleatórias de rostos de pessoas desconhecidas, dos atores Fernanda e Luiz Fernando, de uma criança e um cachorro. Fazendo careta, sorrindo ou com expressão séria, o objetivo das fotos é fazer jus ao nome do programa, já que essas são pessoas normais, de todas as cores e idades, que faziam parte da equipe de produção da sitcom. A trilha de fundo constitui-se apenas por um único refrão da música, o trecho “você é doida demais”, que contrapõe o título do programa, já anunciando para o espectador o que se pode esperar: a personificação de pessoas normais, porém, loucas, pois aos olhos do outro, todo normal é um pouco descontrolado.

Quanto ao vocabulário adotado, o programa apresenta uma linguagem coloquial, cotidiana e cheia de palavrões, como caralho, merda, puta que pariu, xoxotas e paus, como acontece no dia a dia de muito casal “normal”. Os cenários utilizados não são variados, com a residência de cores saturadas e contrastantes de Rui sendo o principal local de gravação dos atores. Esses três elementos (vinheta, vocabulário e cenário) se complementam de modo que o espectador se identifique com o programa e se aproxime do mesmo, pois ver na televisão algo que também acontece na sua vida, de maneira tão espontânea e credível, instiga e gera curiosidade no espectador.

Além do formato em comum, equipe de criação, direção, e ator principal, outra característica vista também no seriado Minha Nada Mole Vida (lançado cinco anos após a estreia de Os Normais) é a da câmera em contra-plongée (câmera baixa, voltada para cima), apontando normalmente para o prédio em que Rui mora, com o intuito de situar o espectador sobre onde a cena seguinte se passará.

No Plano do Conteúdo, o indicador de qualidade oportunidade tem avaliação razoável em todas as emissões analisadas devido ao fato de, assim como em Minha Nada Mole Vida, abarcar assuntos cotidianos da vida dos personagens, incluindo problemas, questionamentos e prazeres da vida a dois, e não necessariamente assuntos da agenda midiática.

O indicador ampliação do horizonte do público não é muito observado no decorrer dos episódios, sendo quatro deles considerados razoáveis e um bom. Na emissão do dia 6 de junho de 2003, por exemplo, a boa avaliação é justificada pela abordagem mais longa da depressão, uma doença muito comum nos dias de hoje que necessita de atenção para que haja sempre informação sobre os sintomas e prejuízos ao paciente. Nas outras emissões, o estímulo do público ao pensamento e ao debate de ideias se dá pela inserção de reflexões a cerca de valores morais, como mentira, traição, felicidade, relacionamentos, sexo e amizade, porém de forma rápida e sem muita intensidade.

O indicador de qualidade diversidade de sujeitos representados não foi muito bem avaliado. Apesar de abordar assuntos bem diversos, as pessoas representadas na série não são muito diferentes umas das outras: todas são jovens na faixa dos 30 anos de idade, de pele branca e de classe média. Negros e crianças não aparecem em nenhum momento dos episódios e o que mais se diversificou quanto a esse indicador foi na emissão do dia 29 de junho de 2001, em que, brevemente, aparecem representantes de Nova Iorque, Tóquio e Berlim das filiais da empresa em que Rui trabalha.

Quanto ao último indicador de qualidade do plano do conteúdo, desconstrução de estereótipos, foi observado que a série faz constante uso do estereótipo para provocar o riso. Em duas das cinco emissões o estereótipo está muito presente e um pouco menos em outras três. A sitcom aborda a normalidade de duas pessoas através do uso de estereótipos, alguns sendo reforçados e outros questionados, para deixar que o telespectador tire suas próprias conclusões. No episódio exibido no dia 15 de junho de 2001, por exemplo, aos 7 minutos e 17 segundos, Rui começa a categorizar meninas de programa de acordo com o anúncio delas no jornal, baseando-se, portanto, em alguns estereótipos para afirmar o que acha:

Susi: ‘Mulherão dominadora’. Bom, ‘mulherão’ significa que já passou dos 35, né, e ‘dominadora’ significa que vai dar uns tapas na tua cara. Não… Vivian: ‘Morena, mignon, completa’. ‘Mignon’ quer dizer que tem um metro e meio, né? E ‘completa’ que tá desesperada e vai roubar teu aparelho de som.

(Os Normais – episódio Brigar é normal 15/06/2001).

Abaixo, a qualidade do plano do conteúdo, com a avaliação de cada indicador:

N1

Na Mensagem Audiovisual, Os Normais é razoável no indicador de qualidade originalidade/criatividade. Essa avaliação se deve, principalmente, ao uso da metalinguagem, comprovada quando na trama os protagonistas falam do próprio programa. Um exemplo disso está no episódio Um dia normal, exibido no dia 29 de junho de 2001, que traz Rui e Vani sentados no sofá da sala jogando dama, enquanto os bastidores arrumam o cenário. No momento em que Rui e Vani começam a interagir com o espectador que está do outro lado da tela, antes mesmo da vinheta de abertura, mostra-se um profissional do programa segurando o cartaz com as falas que serão ditas, e os atores (que se confundem com seus próprios personagens) olham para a câmera como se estivessem falando com o público.

RUI: Oi gente, é pra gente voltar com o programa agora…

VANI: …Mas a gente pediu pra passar mais uns comerciais.

RUI: É, porque nós estamos numa disputa importante.

VANI: É, se eu ganhar o Rui vai ter que lavar toda a louça da casa.

RUI: Não, mas ela não vai ganhar não.

VANI: E, não vou ganhar o quê, ó.

RUI: Pera aí, você roubou.

VANI: Ahh, roubei nada.

RUI: Você roubou enquanto eu estava falando com eles.

(Os Normais – episódio Um dia normal 29/06/2001)

Além da metalinguagem, outro momento criativo do programa que ajuda a incrementar o indicador originalidade/criatividade é na propaganda de um produto, em que Os Normais faz uso do humor sobre a própria situação do merchandising para divulgar uma marca.

No indicador de qualidade diálogo com/entre plataformas, todas as emissões são boas, pois é comum vermos nos episódios ao menos uma menção a outra plataforma, programa ou personalidade. No exibido no dia 2 de maio de 2003, por exemplo, Rui questiona Vani sobre ela não dar mais atenção a ele por causa da novela, quando Vani o interrompe:

VANI: Peraí, que vai começar.

RUI: Pô, ainda tá no Jornal Nacional, cara.

VANI: Não, mas agora é assim, eles colam o início da novela no fim do Jornal Nacional. Se você bobeia, você perde o início do capítulo, entendeu?

(Os Normais – episódio Casal que vive brigando não tem crise 02/05/2003)

Após dialogar com um programa real (Jornal Nacional), a história continua e Vani mais uma vez menciona outro conteúdo que não é da trama, dessa vez com personalidades: “É, por exemplo, hoje, a Christiane Torloni e o José Mayer, antes mesmo da abertura da novela, eles vão transar, brigar e transar de novo”. Ainda na sequência, Vani novamente cita pessoas reais, o que mais uma vez justifica a avaliação boa que o indicador diálogo com/entre plataformas recebeu: “Peraí, peraí, que a Fátima Bernardes e o William Bonner já estão dando aquela notícia divertida do fim do Jornal Nacional”.

O indicador de qualidade solicitação da participação ativa do público foi muito bem avaliado em todas as emissões e é um dos indicadores de maior destaque no programa, tanto da mensagem audiovisual quanto do plano do conteúdo, e também pode ser exemplificado com o episódio mostrado acima. Na sequência da trama, ainda na discussão da novela, Rui conversa com Vani sobre saber antecipadamente o que vai acontecer nas novelas e no episódio que estão fazendo:

RUI: Por isso que eu não acompanho novela. Todo mundo já sabe o que vai acontecer, caramba.

VANI: Todo mundo já sabe que a gente vai passar o episódio discutindo, e nem por isso as pessoas param de assistir.

RUI: É, todo mundo já sabe que a gente vai ficar junto no final. Estão assistindo por causa de quê?

VANI: Não, não faz essa pergunta se não as pessoas trocam. Não! Não troca de canal.

(Os Normais – episódio Casal que vive brigando não tem crise 02/05/2003)

Além de usar a metalinguagem para falar do próprio programa, os personagens utilizam também esse recurso para falar do público e com ele. Como mostrado acima, nas duas últimas falas de Rui e Vani, há uma mescla de receptores da comunicação estabelecida: ora os personagens falam um com o outro, e ora voltam-se para o espectador. Em seguida à última fala de Vani, o programa faz uso de efeitos especiais para simular a troca de canal do espectador e na tela é mostrada uma cena de tiroteio em que várias pessoas estão sendo mortas. Novamente o efeito especial é utilizado para simular que o espectador voltou para o canal do programa e Rui vai ao banheiro sozinho para conversar com o público. Olhar e falar para a câmera, como se estivesse olhando para os olhos do espectador e esperando dele uma resposta, faz dessa técnica, portanto, mais um instrumento de identificação e aproximação de público e programa.

O indicador de qualidade clareza da proposta é, como o indicador anterior, igualmente bem avaliado. Toda essa intensa metalinguagem utilizada, juntamente com a atuação dos personagens e o formato bem definidos, são essenciais para a clareza e objetivo do programa. No exibido dia 15 de junho, por exemplo, a história já se inicia com os dois protagonistas em cenários diferentes e queixando-se um do outro, o que deixa evidente que os assuntos abordados no episódio serão os problemas que o casal tem entre si e as consequências do desejo de vingança que cada um sustenta consigo após os vários insultos mútuos. Observe, a seguir, a avaliação de cada indicador da mensagem audiovisual:

N2

Levando em consideração os episódios aqui analisados, que representam apenas uma pequena parcela de Os Normais e não necessariamente a sua totalidade, podemos afirmar que a série apresenta poucas características de qualidade. Por mais objetiva, curiosa e instigante que tenha sido (experimentação), as emissões analisadas não prezam pela diversidade cultural, faz constante uso do estereótipo de afirmação para gerar o riso e não aprofunda em temas importantes devido ao pouco tempo que dedica a eles (representação), por mais que tais temas tenham sido levantados.

Por Luma Perobeli

Observatório da Qualidade no Audiovisual

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